O acesso aos serviços de saúde mental continua a ser um desafio para mais de 116 milhões de pessoas em todo o continente africano. Com essa preocupação, o African Population and Health Research Centre (APHRC) lançou um concurso sobre saúde mental em África, cujo prémio destinado à investigação nesse domínio é de cada 200.000 libras esterlinas, cerca de 225.000.000,00 kwanzas. Conforme o African Population and Health Research Centre (APHRC), em português Centro africano de investigação sobre População e Saúde (APHRC), instituição de investigação com sede no Quénia, a ansiedade, a depressão e a psicose são as grandes preocupações em matéria de saúde mental no continente. todavia, as soluções fornecidas para tratar estas condições de saúde não estão inteiramente adaptadas às necessidades das pessoas afectadas, segundo Sylvia Muyingo, investigadora sénior da APHRC, em entrevista exclusiva ao jornal OPAÍS, que transcrevemos abaixo
Que objectivo tem o concurso sobre a saúde mental em África?
Há uma falta significativa de investigação e de dados sobre a saúde mental em África, o que dificulta a determinação de estratégias eficazes de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças comuns como a ansiedade, a depressão e a psicose. Mais de 116 milhões de africanos não têm acesso a serviços de saúde mental, e as soluções que existem não são muitas vezes adaptadas às necessidades específicas das populações afectadas.
Para colmatar estas lacunas críticas, este prémio visa incentivar os investigadores africanos no domínio da saúde mental a gerar conhecimentos baseados em dados e ferramentas digitais que possam melhorar a compreensão e a mitigação da ansiedade, da depressão e da psicose no continente. É fortemente encorajada uma abordagem multidisciplinar, envolvendo a colaboração entre vários domínios, incluindo aqueles com experiência vivida de doença mental. Ao combinar diversos conhecimentos e perspectivas, podem ser desenvolvidas inovações mais eficazes e escaláveis para apoiar as necessidades de saúde mental dos africanos.
Quando é que vai acontecer?
O Prémio de Dados de Saúde Mental África 2024 está actualmente a aceitar candidaturas e decorrerá durante o ano de 2024. Eis os principais pormenores: o Centro Africano de Investigação sobre População e Saúde (APHRC), em parceria com a Wellcome, começou a receber candidaturas ao prémio em 1 de julho de 2024. Esta é a primeira fase e é designada por fase de descoberta. Após um rigoroso processo de avaliação, serão seleccionadas dez equipas, às quais serão atribuídas 200.000 Libras Esterlinas (cerca de 225.000.000,00 kwanzas) cada.
As equipas vencedoras serão multidisciplinares e trabalharão no sentido de gerar inovações escaláveis e conhecimentos baseados em dados para melhorar a compreensão do continente sobre a ansiedade, a de- pressão e a psicose. O prémio terá três fases, cada uma com seis meses de duração, com diferentes níveis de financiamento e apoio oferecidos em cada fase.
Em que consiste o concurso?
O Mental Health Data Prize Africa é uma iniciativa inovadora lançada pelo African Population and Health Research Center (APHRC), em parceria com a Wellcome, para colmatar lacunas críticas na investigação sobre saúde mental e promover a tomada de decisões com base em dados concretos em África. O prémio procura produzir soluções práticas e escaláveis baseadas em dados e ideias para impulsionar avanços transformadores na compreensão da ansiedade, depressão e psicose em todo o continente.
Quem pode participar e como?
O Prémio de Dados de Saúde Mental África 2024 está aberto a um leque diversificado de participantes, centrando-se principalmente nos que se encontram em África. Para os candidatos principais é necessário, estar estabelecido em qualquer país de África, ter um contrato permanente, sem termo ou a longo prazo com uma instituição ou ter a garantia de um contrato para a duração do prémio que são 12 meses.
Para serem consideradas elegíveis, as organizações devem ser, universidades ou instituições de ensino superior, instituições de investigação, organizações sem fins lucrativos dedicadas à saúde mental, agências governamentais, organizações de saúde não académicas ou instituições privadas, por exemplo, empresas de consultoria, startups de dados ou de tecnologia.
É apenas para investigadores seniores?
O prémio está aberto a investigadores em qualquer fase da carreira, mas as candidaturas apresentadas por investigadores em início e a meio da carreira são fortemente encorajadas. Além disso, os investigadores só podem apresentar uma candidatura como candidato principal, mas podem participar como co-candidatos ou colaboradores em várias candidaturas. Os candidatos devem seguir as instruções detalhadas fornecidas no Pedido de Proposta (RFP), que inclui o âmbito do trabalho, as áreas temáticas, os critérios de elegibilidade e o processo de avaliação. O prazo para apresentação de propostas terminou a 07 de agosto, e agora as equipas seleccionadas serão anunciadas a 30 de setembro de 2024.
Fale-nos mais do prémio e das suas categorias.
Haverá até dez prémios, cada um avaliado em 200 000 Libras Esterlinas (cerca de 225 000 000 Kwanzas) por um período de um ano. O Mental Health Data Prize Africa começou com programas de capacitação em fevereiro de 2024 por um período de cinco meses. Esta série de workshops de formação virtual foi ministrada pelo APHRC e contou com sessões sobre a epidemiologia das perturbações de saúde mental, estatística e aprendizagem automática, numa tentativa de reforçar as competências dos potenciais candidatos.
Após o processo de candidatura, segue-se uma série de actividades que passam pela triagem e selecção e após a triagem das propostas quanto à sua elegibilidade, estas serão enviadas a revisores externos, independentes, para uma avaliação mais aprofundada. Os critérios de selecção incluirão, entre outros, a originalidade, o carácter inovador, a metodologia, a relevância, a capacidade da equipa, o impacto potencial e a adesão aos princípios da ciência aberta.
Depois as equipas vencedoras serão então anunciadas. Se partirá para a investigação e desenvolvimento de ferramentas. As equipas seleccionadas receberão financiamento para realizar a sua investigação e desenvolver ferramentas ou soluções baseadas em dados durante um período de 12 meses. No final vem a divulgação. Os resultados e os conhecimentos gerados pelas equipas vencedoras serão partilhados publicamente para beneficiar a comunidade de investigação sobre saúde mental em África.
Que vantagens pode este prémio trazer para os países de língua portuguesa em particular?
Os países lusófonos podem desempenhar um papel importante na promoção do bem-estar mental através de abordagens inovadoras e orientadas para as partes interessadas, tal como acontece com muitos países. Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, ainda têm um longo caminho a percorrer em termos de ter os dados necessários, ferramentas e capacidade humana para fornecer cuidados de saúde mental de qualidade.
Ao participar neste prémio, os candidatos dos países lusófonos têm a oportunidade de envolver um conjunto diversificado de partes interessadas, incluindo o Governo, os prestadores de cuidados de saúde, as organizações comunitárias e as pessoas com experiência vivida, para desenvolver soluções inovadoras para melhorar a saúde mental e o bem-estar. O prémio cria também uma plataforma de colaboração cruzada dentro e entre países e entre pessoas com diferentes competências. Os países lusófonos, em especial os sectores da saúde, poderiam beneficiar da tecnologia e das inovações resultantes deste processo. Isto contribuiria muito para melhorar a prestação de cuidados, especialmente em populações remotas ou mal servidas, como os jovens.
Que estudos tem o APHRC sobre a saúde mental em África?
O principal desafio no que diz respeito à saúde mental em muitos países de África são os dados. É por essa razão que nos últimos anos temos feito parte de consórcios que geram evidências para uma imagem mais precisa da situação da saúde mental em África. Por exemplo, em 2021, o APHRC realizou o primeiro inquérito nacional à saúde mental dos adolescentes no Quénia. O inquérito destinava-se a colmatar a falta de informação sobre perturbações mentais durante a adolescência.
Em 2023, o Centro realizou um inquérito sobre a saúde mental dos jovens no Senegal e na Serra Leoa. As informações obtidas com este estudo destinam-se a informar as acções dos ecossistemas mais amplos de saúde mental juvenil nos dois países e além.
Pode fornecer dados sobre o número de pessoas que sofrem de doenças mentais em África?
Em 2019, 1 em cada 8 pessoas (907 milhões) em todo o mundo vivia com perturbações de saúde mental, sendo a depressão e a ansiedade as doenças mais prevalecentes. Setenta e cinco por cento das pessoas com perturbações de saúde mental vivem em países de baixo e médio rendimento sem acesso a tratamento. Antes da pandemia de COVID-19, cerca de 116 milhões de pessoas na região africana viviam com problemas de saúde mental. Em 2019, quase 37 milhões de adolescentes, com idades entre os 10 e os 19 anos viviam com uma per- turbação mental em África. A ansiedade e a depressão são responsáveis por quase 50 por cento das perturbações mentais entre os adolescentes com idade entre 10 e 19 anos em África.
Quais são as principais causas das doenças mentais em África?
As doenças mentais em África são influenciadas por uma interacção complexa de factores sociais, económicos e ambientais. As principais causas podem ser classificadas da seguinte forma: Pobreza: a pobreza crónica é um factor significativo de problemas de saúde mental em todo o continente. Agrava o stress e limita o acesso aos cuidados de saúde, à educação e às oportunidades de emprego, conduzindo a uma maior prevalência de perturbações mentais. Guerras e conflitos civis: os conflitos e a violência em curso em várias regiões provocam traumas e perturbações de stress pós-traumático (PTSD) nas populações afectadas.
Países como a Libéria e a Serra Leoa registaram impactos significativos na saúde mental devido à guerra civil. Doenças infecciosas: os problemas de saúde mental estão frequentemente associados ao peso das doenças infecciosas prevalecentes em África, como o VIH/SI- DA e a malária. Estas doenças podem provocar sofrimento psicológico e deficiências cognitivas. Abuso de substâncias: o aumento do consumo de álcool e de drogas, muitas vezes exacerbado pela pobreza e pela falta de apoio social, contribui para os problemas de saúde mental.
Muitos países africanos enfrentam desafios relacionados com o abuso de substâncias que pode levar a psicoses e a outras perturbações. Estigma e falta de sensibilização: os problemas de saúde mental são frequentemente estigmatizados, o que leva a uma falta de compreensão e a um apoio inadequado por parte das comunidades e dos sistemas de saúde. Este estigma pode impedir as pessoas de procurar ajuda.
Que região de África tem maior incidência de doenças mentais e quais são os factores que fazem com que esta região seja a mais afectada?
De acordo com a Science for Africa Foundation, a região de África com maior incidência de doenças mentais é a África Austral, em particular países como a África do Sul, o Lesoto, o Essuatíni e o Zimbabué, que apresentam algumas das taxas de suicídio mais elevadas do continente. Esta região foi identificada como estando a enfrentar uma crise de saúde mental significativa, com taxas crescentes de depressão e suicídio, particularmente entre adolescentes e jovens adultos.
O concurso centra-se em três áreas: ansiedade, depressão e psicose. Serão estas doenças mentais as mais preocupantes no continente africano?
O Prémio de Dados de Saúde Mental África centra-se na ansiedade, depressão e psicose que são, de facto, preocupações significativas em matéria de saúde mental no continente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 116 milhões de pessoas em África viviam com problemas de saúde mental antes da pandemia da COVID-19, o que realça a prevalência destas perturbações. Os desafios actuais, incluindo os factores de stress diários, os conflitos e as emergências de saúde pública, agravaram os problemas de saúde mental em toda a região.
POR:Stélvia Faria