Foi depois de uma visita ao mercado do São Paulo, antes deste espaço ter sido reconstruído, e arredores que o empresário chinês Jack Jung teve a ideia de erguer aquilo que é hoje a Cidade da China, na via expressa, em Luanda. Trata-se de um investimento de 200 milhões de dólares, sendo hoje um dos palcos em que comerciantes e cidadãos conseguem encontrar e mandar fabricar produtos vários. A Cidade da China, cuja inspiração saiu da falta de higiene que se observava em muitos mercados da capital, emprega alguns milhares de cidadãos angolanos, chineses, brasileiros e portugueses, uma situação que orgulha o seu promotor, depois de uma tentativa de investimento fracassa quando chegou a Angola em 2006. Hoje, volvidos alguns anos de actividade, Jack Hung diz que já se notam mudanças significativas no ambiente de negócios e até a corrupção que se sentia em algumas instituições e agentes destas decresceu bastante. É por isso que, ainda na via expressa, está em construção um novo aglomerado de lojas e aconselha outros investidores que lhe batem a porta fazerem negócios em Angola
Como é que vê Angola e as possibilidades de investimentos?
Agora há um melhor momento para se fazer negócio e produzir. É também um momento melhor para se instalar a indústria transformadora. Chegamos em 2014 e encontra- mos uma crise por causa do petróleo. Desde 2014, tanto Angola como o mundo, estão a sofrer muito por causa deste problema de crise na economia. Ainda assim, com esse mandato novo do Governo, publicou-se muitas políticas para facilitar os investimentos aqui em Angola. Essas medidas facilitaram tanto o trabalho dos investidores estrangeiros. Ao mesmo tempo o novo governo está a encorajar e a desenvolver muito a indústria transformadora, assim como o agronegócio. Quer dizer que se está a dar mais espaço para os investidores.
O novo governo está a desenvolver áreas multis- sectoriais. Outro aspecto muito importante é que antes a economia de Angola não era desenvolvida e a maioria dos produtos vinham da importação, mas neste momento se está a dar muitos apoios para a indústria transformadora, tanto para o interior como para o exterior. A indústria transformadora está a encontrar mais oportunidades aqui em Angola. Ao mesmo tempo, já conseguimos recuperar da crise do petróleo e estamos a desenvolver a economia noutras áreas multissectoriais. Tudo isso está a ajudar a regulação da economia de Angola. A capacidade de consumo das pessoas até está a aumentar cada vez mais. Como sabemos, Angola tem uma população estimada em 30 milhões de habitantes, já é um grande mercado. Ao mesmo tempo tem muitos países vizinhos, como por exemplo a República Democrática do Congo e a Zâmbia. Isso ajuda o desenvolvimento da economia. Por causa disso, pensamos que, neste momento, existem muitas oportunidades de investimento aqui em Angola.
Inicialmente, falava-se muito da burocracia e processo de legalização dos investimentos em Angola. Mantem-se a situação ou já é possível observar mudanças significativas neste domínio?
No início, quando chegamos a Angola, encontramos estes problemas que mencionou, como a burocracia. A primeira vez que viemos foi em 2006. Ficamos entre 2006 e 2010, isto é, durante quatro anos. Nesta altura, não era permitido aos estrangeiros fazer a constituição de em- presas e a legislação angolana não era muito completa. Por causa disso, na primeira vez, o primeiro investimento que fizemos não teve sucesso. A segunda tentativa foi a partir de 2014. Naquela altura já existiam algumas melhorias, mas o ambiente de investimentos não era semelhante ao que vivemos actualmente.Vou-lhe-dar um exemplo:quando estávamos a fazer a Cidade da China precisamos da solicitação de planeamento no Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IP- GUL) e o responsável desta instituição disse-me: ‘solicite primeiro o documento e depois poderá fazer a obra’.
Naquela altura, as pessoas ainda não tinham muito conhecimento e consciência sobre a legislação. Conseguimos sentir mudanças no ambiente de investimentos a partir de 2017. Desde que começou este novo Governo, há duas mudanças que convém sublinhar. Primeiro: a legislação está cada vez mais completa e os funcionários governamentais também acabam por tornar os actos mais adequados. Segundo, os funcionários do Governo estão com uma consciência cada vez mais de serviço. Antes de 2017, quando encontrassem uma situação em que era necessário pagar uma multa, a maioria dos casos eram resolvidos com dinheiro. Depois de 2017 já temos as legislações que podem ser consultadas. Os inspectores e fiscalizadores mudaram as formas de implementação. Baseiam-se nas legislações e não o contrário. Existe também uma pequena parte que não segue a legislação e aproveita se do poder que têm para conseguir alguma coisa. Quando reclamamos com os responsáveis deles, conseguem corrigir rapidamente. Tendo em conta tudo o que explicamos, podemos chegar à conclusão de que o ambiente de negócios aqui em Angola está cada vez melhor, especialmente as pessoas que actuam no Governo que estão a proteger e a incentivar os investidores a fazerem mais investimentos.
Como investidor estrangeiro em Angola, sente-se confortável em fazer os investimentos sem nenhum receio?
É uma boa pergunta, porque com base na experiência que tenho, de- pois de muitos anos, o primeiro investimento não deu certo. Mas de- pois continuei a tentar. Nos processos de investimentos, também recebi muitos apoios de vários sectores da sociedade. Encontramos também muitos obstáculos e desafios, mas agora conseguimos um investimento bem sucedido. Especialmente senti que o Governo presta muita atenção aos investidores e às melhorias na legislação. Também recomendamos a outros investidores estrangeiros para que comecem também a investir aqui em Angola. Temos dois exemplos: primeiro, estamos a planear a construção de um parque industrial em Cacuaco, num terreno de 210 hectares. Com ele poderemos criar mais de 30 mil empregos. Segundo, há um outro projecto também estamos a fazer em Cacuaco, que será um centro comercial. Chama-se Nova Era Centro Comercial, que em termos de tamanho será 1.5 vez maior que a Cidade da China. Já começamos as obras. Estamos a depositar a nossa confiança em Angola com a prática que estamos a realizar. Os nossos investimentos nestes projectos vão ajudar, influenciar e sensibilizar mais investidores estrangeiros a virem fazer negócios em Angola.
O que diz aos demais empresários estrangeiros quando lhe abordam sobre o ambiente de negócios em Angola?
São as perguntas que fazem sempre. Têm muitas preocupações. Por exemplo, digo-lhes que tenho um projecto muito bem sucedido, a Cidade da China, portanto, sejam bem-vindos para fazerem investimentos aqui em Angola, porque terão sucesso. Quando estamos a fazer a promoção do ambiente de investimentos de Angola para outras pessoas, normalmente fazemos das políticas. Faltam os casos verdadeiros. Mas eu estou a mostrar para os investidores um caso de um verdadeiro exemplo e eles acreditam mais que o ambiente de investimento aqui em Angola está muito bom. Actual- mente, quase todos os dias temos recebido muitas consultas e perguntas de investidores chineses com interesses de investir no mercado angolano. Vamos tirando sempre as dúvidas sobre o ambiente de investimentos aqui. Além dos nossos projectos que já estão a avançar, também estamos a ajudar a coordenar com alguns investidores que têm interesse em entrar no mercado angolano. Há três empresas nestas condições. A primeira vai estar focada na área de minas. Outra empresa é para fazer a produção de fios eléctricos e a terceira vai produzir aço especial. Estamos a comunicar com estas empresas para ajudarmos. Estamos a utilizar as nossas acções práticas para defender o ambiente de investimentos actual e no futuro aqui em Angola.
Quais são áreas onde surgem mais solicitações para investimentos dos empresários, sobretudo, chineses?
Por exemplo, na Cidade da China há uma parte em que se está a fazer o comércio, mas também tem outra em que há produção nacional, especialmente na área mobiliária. Estão a fazer cadeiras, mesas e outros bens. Antigamente, fazia- se a importação, mas actualmente já se começou a fazer a produção com matérias-primas locais. Por- tanto, um das áreas mais solicita- das pelos empresários chineses é a indústria transformadora e área agrícola. O comércio fica no terceiro lugar. Há muito potencial para o futuro e conseguimos também encontrar muitas oportunidades para a indústria transformadora. Além disso, sabemos também que a China já está a desenvolver nesta área há muitos anos. E os investi- dores têm muita experiência nesta área da indústria transformadora. Trata-se de um bom momento e a China está a encorajar muito os investidores a fazerem negócios aqui em Angola. E o Governo angola- no também está aberto para receber os investidores chineses. Quer dizer que estamos num bom momento e consegue-se encontrar boas plataformas.
‘A Cidade da China custou 200 milhões de dólares’
Durante muito tempo questionou- se a qualidade dos produtos chineses, uma percepção que, às vezes, se quer atribuir ao Ocidente. Estando em Angola há muito tempo, qual é opinião que tem da visão dos angolanos e não só sobre os produtos chineses aqui comercializados?
Sobre esta questão, a maioria das pessoas, incluindo também eu, o director Daniel, o senhor Carlos, todos estão preocupados com a qualidade dos produtos. Primeiro, vamos dar uma visão comercial sobre esta questão: quando estamos a precisar de uma alta qualidade de produtos, precisa- mos também de considerar a capacidade de consumo e a necessidade dos consumidores. Existem os produtos com alta qualidade e também os de média ou baixa qualidade em qualquer país. Entendemos que existe uma diferença entre as necessidades de preço ao invés da qualidade. Por exemplo, para uma classe alta eles precisam de um produto com qualidade mais alta. Se for nos tecidos, eles precisam daqueles especiais. Podemos satisfazer as necessidades de classes baixas ou médias com produtos com qualidades normais. Um exemplo muito simples: aqui em Angola há hotéis de cinco estrelas. O serviço é top.
Há um grupo de pessoas que fazem negócios e preferem escolher este tipo de hotéis. Mas o povo normal não tem capacidade de pagar esse tipo de hotéis. Para eles, a escolha são os hotéis que podem pagar ou assumir. Chamamos a isso economia de mercado. Vimos as necessidades do mercado e vão aparecer os produtos equivalentes. Mas os empresários quando estão a fazer a produção dos produtos necessitados pelo mercado, eles não devem baixar a qualidade dos produtos. A baixa qualidade não significa produto falso ou sem qualidade, mas com qualidade adequa- da que as pessoas podem pagar por eles. Quando se está a fazer a promoção dos produtos, é preciso também explicar bem sobre as suas especificações. Para que os clientes consigam perceber se está adequado às especificações dos produtos. Sou contra os produtos com baixa qualidade mas vendem com valores muito altos. Esperamos que todos os consumidores possam encontrar produtos com qualidade e a bom preço. O Governo e os empresários também têm a responsabilidade de orientar os consumidores. Mas muitas vezes quem vai decidir é o mercado.
A Cidade da China está de saúde? Como é que surgiu a ideia de criar a Cidade da China?
A primeira vez que pisei em Angola foi em Janeiro de 2003. O primeiro mercado que conheci foi o de São Paulo. Sabemos que quando chovesse muito havia muitas dificuldades para se entrar no mercado. As pessoas tinham que colocar sacos plásticos para protegerem os sapatos. Tanto para os comerciantes como para os compradores, o ambiente era do pior. Por causa disso, estive a pensar se poderia criar um mercado ou um centro comercial, com maiores e melhores condições de saneamento e segurança teria muitos clientes. Foi assim que surgiu a ideia de construir uma cidade da China. Como já expliquei, o primeiro investimento não teve sucesso porque encontramos mui- tas dificuldades. Os nossos funcionários ficavam com malária ou outros problemas de saúde. A partir de 2014 começou a melhorar cada vez mais e a Cidade da China também nasceu neste momento. Aqui na Cidade da China há muitos lojistas, mas a maioria fazia negócios no mercado informal ou em lojas de rua.
Quantas pessoas funcionam na Cidade da China? O que se espera deste espaço nos próximos tempos?
Actualmente, temos na Cidade da China mais de 400 lojistas de diferentes nacionalidades. Temos portuguesas, brasileiras, chinesas e angolana. Temos mais de 5 mil trabalhadores directos e indirectos. Ao lado da Cidade da China já não há mais espaços para nos expandirmos. Por isso, solicitamos um espaço à Administração Municipal de Cacuaco, por isso iniciamos um novo projecto. Quando decidimos começar este novo projecto, a administração municipal também deu muitos apoios, mas o tamanho também não é o ideal, porque não é um espaço muito grande. O comércio não é o nosso objectivo final. Na nossa opinião, o comércio vai servir para a indústria transformadora, o que quer dizer que será uma plataforma de venda para as fábricas. Através dela se vai ajudar as fábricas vender os produtos, tanto para Luanda, outras províncias ou países vizinhos. Incluímos também os produtos agrícolas. As fazendas estão a produzir os legumes e as frutas. Além das lojas comerciais, vamos colocar também os centros de passageiros interprovinciais e logísticos. A nossa ideia é utilizarmos o comércio para ajudarmos o desenvolvimento da indústria transformadora no futuro. E através do comércio e a indústria transformadora queremos melhorar a qualidade de vida das pessoas e elevar o ambiente deles.
Estamos em projectos de média e longo prazo. Quanto é que foi investido até ao momento e o que se espera ainda investir nos próximos tempos?
O investimento Nova Era Centro Comercial está a ser feito em coordenação com outras sociedades privadas, a nossa empresa e os comerciantes. Estamos a investir juntos. O novo projecto Nova Era Centro Comercial tem planos de fazer um investimento entre 80 e 100 biliões de kwanzas.
Quanto é que custou a Cidade da China?
A Cidade da China custou 200 milhões de dólares.
Não há outros projectos virados para o interior de Angola?
Temos também planos para investir noutras províncias. Já visitamos algumas para encontramos oportunidades de negócios.
Quando tivermos oportunidades vamos começar a expandir para fora de Luanda. Como vê as relações entre Angola e a China?
Sendo investidor, também sou o director da Associação de Amizade entre a China e a África. Por isso, tenho uma visão sobre isso. A China e Angola têm muitas áreas em que se podem complementar um ao outro. Por exemplo, Angola precisa desenvolver a indústria transformadora e tem ricos recursos na área mineral, precisando de fazer a exportação. E com o desenvolvimento agrícola também vai exportar para fora do país. Em Angola há muitas frutas. Se pudermos desenvolver bem todas estas áreas, haverá necessidade de se fazer exportação e vender muitos produtos angolanos para fora do país. A China é um grande mercado e oportunidade. A cooperação na área económica vai ajudar também a comunicação entre chineses e angolanos. Além disso, os governos de Angola e da China estão abertos. Então, penso que no futuro há muita oportunidade e potencial.
O que mais lhe encanta em Angola?
Gosto muito de funje, e feijão preto com arroz.