Antes, pelo facto de ser um autor mais conhecido apenas pelo público benguelense, convém apresentar Onokapwi Mansima o que certamente é algo dificílimo, porquanto se trata de uma personalidade de muitos ofícios mormente quando se quer falar do quesito arte.
Mansima destaca-se por ser compositor, actor, dramaturgo, autor da famosa peça Chipupi, músico de um vozeirão com uma técnica de se tirar o chapéu, declamador/ trovador, palestrante, professor universitário e escritor.
Antes do lançamento da obra Memória de um Passado Rasgado era com certeza um dos escritores não publicado mais conhecido na praça literária de Benguela.
É decerto de acordo a origem etimológica do seu nome “ Onokapwi” uma fonte inesgotável de vários saberes de tal maneira que Gervais Mansima identifica a figura Onokapwi como seu heterónimo, ou seja, o seu outro eu.
Apresentado Mansima, pensamos que estamos em condições de irmos ao nosso real assunto, a análise do conto O Mito de Caruta do mesmo autor.
E sobre isto, é necessário perceber que diferente da sociedade ocidental, a africana é caracterizada por estar grudada mais a oralidade do que a escrita, pois esta última é ainda muito recente, veja que apenas aparece com o surgimento dos portugueses em nossos territórios, por isso, durante muito tempo as sociedades africanas foram tidas como ágrafas.
No caso restrito de Angola, por exemplo, a Literatura “Imprensa” surgiu muito tarde, precisamente, em 1849, com a publicação da obra Espontaneidade da Minha Alma de José da Silva Maia Ferreira o que certamente atrasou a instrução de autótones através do letramento.
E já que os povos autótones sempre usaram a oralidade como instrumento para educar ou instruir, isto influenciou/a com que houvesse/haja uma certa relutância ao abandono deste modo de transmitir os valores aquando da dessiminação da escrita na nossa sociedade.
É por esta razão que Onokapwi nos apresenta um conto em que apesar do espaço da diegese ser em zona urbana, há ainda uma grande influência da oralidade, um ensino próprio de sociedades tradicionais africanas, isto é, através de mitos, demonstrando como as crianças eram protegidas principalmente de questões em que o ser humano sente uma certa repugnância como é o caso da morte o que se pode verificar na voz do narrador «Neste tempo, a nós crianças, não nos é permitido estar na casa do óbito ou ver um cadáver… Quando o óbito for em casa, mandam-nos então na vizinha-tia ou na tia-vizinha …» (pgs. 49-50).
Isto significa que apesar da diegese ocorrer no tempo em que a influência colonial atinge o seu auge, ou melhor, no limiar do século XX, o que se pode deduzir pelo facto do próprio narrador homodiegético indicar no início da narrativa, veja o excerto que se segue «Estamos na década de 80, alguns anos após ao fim da colonização, à queda do regime salazarista e à proclamação da independência da República Popular Angola» (p. 49) a cultura e política segregacionista colonial (veja, por exemplo, a lei do indiginato) não conseguiu abafar totalmente a cultura africana e, por isto, estes tabus ainda se podem ver na nossa sociedade, visando afastar os mais novos de uma realidade, a morte.
Veja-se, por exemplo, o caso do mito que dá nome ao conto.
Caruta é o nome de um cidadão português, branco, que diferente de muitos, logo após a independência preferiu ficar em Angola para cuidar do negócio familiar, venda de urnas, e por ser diferente do resto da comunidade, além do facto do negócio que praticava ter que ver com uma realidade com que se tem, normalmente, uma certa repugnância, a sua imagem deu origem a um certo medo para os mais pequenos e como os adultos tinham conhecimento desta sensação, usavam-na para educá-los, principalmente, no caso de óbitos, por esta razão fazia-se referência a figura de Caruta quando se insistisse ficar em ocasiões como estas. Tal conforme se pode verificar nesta passagem «… Com ajuda dos nossos pais, que criaram uma mística em torno da figura que, aprendemos a fugir o Caruta.
Basta ouvirmos – olha o Caruta! Entramos em pânico e fugimos a sete pés» ou «Os mais velhos dizem que o Caruta aparece para controlar as crianças que gostam de ficar nos óbitos.
Se encontra uma criança nesse local, com aqueles olhos muito arregalados tira as medidas e depois vai lhe preparar um caixão e depois a criança morre…» (p. 51).
Esta narrativa apresenta um retrato de uma sociedade angolana póscolonial que apesar da modernidade, trazida pela globalização e a colonização, ainda demonstra um certo conservadorismo, na medida em que ainda permanece com alguns valores próprios da africanidade e a pedagogia do mito é apenas um deles o que se pode verificar igualmente numa sociedade ainda mais hodierna em que apesar do grande avanço tecnológico e da massificação da educação formal ainda é possível encontrar uma transmissão dos valores que se apega em mitos.
Assim, o conto o Mito de Caruta é uma narrativa que procura demonstrar que os ideais ostracistas do colonialismo não conseguiram relegar toda a cultura do povo colonizado para o esquecimento.
Por: FERNANDO TCHAKOPOMBA