A Revolução dos Cravos, liderada por um movimento militar de esquerda, o Movimento das Forças Armadas, e apoiada pela maioria da população de Portugal, foi um ponto de virada em muitos aspectos.
Segundo especialistas, esta revolução não só pôs fim à ditadura de quase 50 anos dos governantes Oliveira Salazar e Marcello Caetano, como também abriu caminho para o fim das guerras coloniais portuguesas e a independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Em 2024, estes cinco países africanos olham com especial interesse para Lisboa, onde o 50.º aniversário da Revolução dos Cravos está a ser comemorado de forma conjunta (acto central ocorreu ontem, Quinta-feira, 25).
Revolução viabilizou negociações em Angola “Em Angola, a Revolução dos Cravos evoca sentimentos positivos”, disse o nacionalista Cornélio Caley, para quem não se deve dissociar este marco histórico da libertação dos Estados africanos do “reich salazarista”.
O historiador e sociólogo angola- no lembrou, por outro lado, que foram os colonizados que provocaram a Revolução dos Cravos, rumo à independência das então colónias ultramarinas. “Claro que foram estes países o motor do surgimento do 25 de Abril”, disse, sublinhando que a queda da ditadura militar em Portugal beneficiou quer os povos das colónias, quer de Portugal, num momento em que os dois lados lutavam em conjunto para o estabelecimento do Estado democrático.
Acrescentou que, de facto, com a mudança de regime em Lisboa, negociações directas entre o governo português e os movimentos de independência em Angola foram iniciadas. Assim, em Janeiro de 1975, o governo português assinou acordos de independência com os três movimentos de libertação angola- nos – MPLA, UNITA e FNLA – na cidade de Alvor, no sul de Portugal.
Aumento da pressão sobre Portugal
Para Cornélio Caley, a Revolução dos Cravos “sem dúvida” acelerou a descolonização, mas referiu que a independência das colónias portuguesas teria se concretizado mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a revolução em Portugal. Na década de 1970, o império colonial português era visto internacionalmente como um “grande anacronismo”.
Explicou que desde 1960 que a comunidade internacional exercia enorme pressão diplomática sobre Portugal, para que entrasse na rota das potências coloniais que admitiram as independências das suas colónias.
“Eram os casos da França, da Inglaterra e da Bélgica, mormente estes, que a partir de 1960 foram libertando as suas colónias – o que tornava Portugal cada vez mais isolado”, afirmou, acrescentando que praticamente toda a Organização das Nações Unidas (ONU) havia solicitado a Portugal, em várias resoluções, que concedesse a independência a suas colónias.
Conforme o historiador, a pressão militar sobre Portugal também aumentou. Por exemplo, disse, em Angola, os movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA receberam suprimentos cada vez maiores de armas e treinamento militar da União Soviética e de outros países do bloco comunista, bem como da China.
Cobiça ocidental frustrou desenvolvimento em Angola Angola, diferente das demais colónias, teve três movimentos que combatiam Portugal em várias frentes. Mas, ainda assim, conquistada a independência e volvi- dos vários anos, o desenvolvimento não terá acompanhado a época, a luta anti-colonial.
De acordo com Cornélio Caley, o problema de Angola foi a cobiça das potências ocidentais em ralação à riqueza do seu subsolo. “Estas potências também que- riam marcar a sua presença no nosso país.
Era a União Soviética, de um lado, e do outro os Estados Unidos da América”, recordou, acrescentando que os movimentos acabaram por ser divididos também por estas potências. Olhar positivamente o 25 de Abril Por seu turno, o cientista político e especialista em Relações Internacionais, Raul Tati, referiu que se se quiser ser verdadeiro em relação à história, tem de se olhar positivamente o 25 de Abril por, no seu entender, ter aberto o caminho para as independências das colónias portuguesas em África.
“Aliás, o movimento das Forças Armadas assumiu logo como prioridade a democratização, descolonização e o desenvolvimento”, disse, acrescendo que “não só a luta levada a cabo pelos movimentos independentistas que trouxeram as independências.
Todavia, considerou não perder de vista a maneira desastrosa como foi feita a descolonização em Angola. Ainda em seu entender, contrariamente às demais colónias, Angola foi o único país que teve três movimentos envolvidos no processo de libertação do jugo colonial, mas que não partilhavam dos mesmos ideais em relação ao pós-independência.
“Mesmo os esforços feitos por altura da assinatura das tréguas com o exército português, e depois por iniciativa do presidente da UNITA, Jonas Savimbi, com o MPLA e a FNLA, em Mombaça, no Quênia, não surtiram os efeitos desejados”, disse. Segundo Raul Tati, os acordos de Alvor também não tiveram êxitos porque os movimentos tinham já cada um a sua agenda; “e foi isso que comprometeu o avanço do país para a democracia e, com isso, o desenvolvimento”, recordou.
Salientou que enquanto em Portugal o 25 de Abril abriu as portas para uma verdadeira democracia, as colónias foram libertas, mas, depois, ficaram os problemas por se resolver. O que no seu entender estes problemas são das colónias e não de Portugal. Avançou que a queda do regime salazarista e, consequentemente, a independência de Angola, foi mais favorável para o MPLA, que recebia suprimentos da extinta União Soviética nos anos de guerrilha.