Apalavra “você” pertence à classe dos pronomes, é um pronome de tratamento. Pronomes de tratamento são palavras usadas para dirigir-se a alguém de forma respeitosa, indicando a relação social e hierárquica. Há muito tempo, o “você” sempre foi associado a situações puramente formais, sendo uma forma resumida de “vossa mercê”.
Este pronome, assim como instituem os princípios da gramática normativa tradicional, exige que o verbo esteja flexionado na terceira pessoa — “Você disse”, “O senhor afirmou”, “Vossa Excelência inferiu”. Com o andar do tempo o “você” passou a ser usado em duas instâncias: (i) instância minimamente formal; (ii) instâncias puramente informal.
1. instância minimamente formal Diferente do que acontecia há algum tempo, em que ao se dirigir a alguém de elevado status (ministro, governador) usava- se a expressão “você”, depois de um tempo este pronome passou a ser usado para manter uma distância respeitosa sem ser excessivamente formal como “Vossa Excelência”.
Assim, tal uso passou a denotar uma certa e/ou total aproximação entre os indivíduos, mas de forma respeitosa. Para exemplificar, uma situação constrangedora se incidiria dentro de uma sala de aula do I ou II ciclo do ensino secundário caso um dos alunos se levantas- se e dissesse o seguinte:
— “professor, você já corrigiu as nossas provas?” Ainda, se dentro de casa o filho dissesse ao pai:
— “pai, você já comeu?” Então, para a nossa realidade, apesar de ter sido usado o você e se ter flexionado o verbo na terceira pessoa, o uso de tal expressão, dirigindo-se a alguém superior, denota falta de respeito. Desta feita, aquelas expressões não seriam problemáticas caso fossem substituídas por:
a) o professor já corrigiu as provas? b) o pai já comeu?
Por outro lado, numa conversa entre colegas de profissão, soaria e seria normal se surgisse estas produções:
— “Então, Pedro, você se candidatou no censo?” — “sim, mas infelizmente minha candidatura não foi aceite, você se inscreveu?” Nesta conversa vemos o quão próximo eles são; ainda assim, é possível ver que existe um respeito mútuo entre ambos. Portanto, na primeira instância, vemos que o “você” passou a ser usado só com pessoas próximas, claro, mantendo as regras de flexão verbal (o verbo fica flexionado na 3ª pessoa).
2. instância puramente informal Antes de tecer comentários sobre esse ponto, vale informar que a formalidade e informalidade muito falada está centrada na forma como os verbos são flexionados. As descrições e normas linguísticas, tendo como ponto de partida as produções dos indivíduos, associam a terceira pessoa a situações formais.
Exemplo: um aluno pergunta: — “o professor virá amanhã?” Por outro lado, a segunda pessoa, do “tu”, está associada a situações informais – denota muita aproximação entre os interlocutores.
Exemplo: — “Ó Joana, tu estás a namorar sempre aquele jovem?” — “Maria, assim mesmo já começaste!” Dada explicação anterior, o “você” é usado em instâncias puramente informais em conversas com pessoas muito próximas.
Outro exemplo: — “Ó zeca, você comeste mais a minha comida?”
— “João, você costumas a me acusar muito.”
— “Estás a reclamar o quê? Você toda hora é que fazes tal coisa!”
Portanto, o uso do “você” no contexto angolano evidencia a evolução e a flexibilidade da língua conforme as relações sociais e os contextos de comunicação. Inicialmente atrelado a um discurso formal, “você” se adaptou a diversos níveis de interacção, desde situações minimamente formais, onde mantém um certo distanciamento respeitoso, até instâncias puramente informais, em que reflete intimidade e proximidade.
Essa variação de uso demonstra que o “você” não é apenas uma expressão de respeito ou hierarquia, mas também um marcador da dinâmica entre os interlocutores. Assim, a escolha entre “você”, “tu” ou outros pronomes de tratamento torna-se uma questão de contexto, relação e, muitas vezes, de sensibilidade social.
POR:João Ngumbe