Faço parte do grupo de economistas que encara com alguma desconfiança a relevância do Produto Interno Bruto (PIB) enquanto principal indicador de mensuração da pujança do crescimento da economia de um país.
Por se tratar do valor económico de todos os bens e serviços produzidos durante um ano e sem olhar para o facto de que os meios de produção em causa (empresas e/ou capital) são necessariamente propriedades de agentes económicos nacionais ou não.
Deste modo, sou apologista que em muitos casos, principalmente nos países emergentes ou em vias de desenvolvimento e especialmente naqueles em que a economia assenta essencialmente na exploração e exportação de recursos naturais (como é o caso de Angola), nem sempre o registo de altas taxas de crescimento do PIB se traduzem necessariamente em crescimento económico efectivo do país, o que se justifica pelo facto de no PIB não se deduzir o valor correspondente dos activos, cuja propriedade é pertença de agentes económicos estrangeiros.
No sector petrolífero, por exemplo, que tem sido durante decadas o principal pilar da economia angolana, por se tratar de uma área bastante intensa em tecnologia (knowhow acumulado) e capital (altos níveis de investimento e mãode-obra altamente qualificada), dois pontos os quais o país ainda enfrenta significativas limitações, sendo o mesmo dominado por empresas estrangeiras, que aliada ao infeliz facto de a nossa SONANGOL, por razões obvias (objectiva e subjectivas, sobejamente conhecidas), não ter desenvolvido suficientemente as necessárias competências técnicas, nem tão pouco ter criado uma verdadeira “almofada” financeira capaz de garantir a sua capacidade de investimento e autonomia, tal como se tem verificado noutras geografias (Saudi Aramco, na Árabia Saudita).
As elevadas receitas geradas tanto pela subida dos preços (quase sempre superiores ao valor de referência definido pelo governo angolano aquando da eleboração do OGE), quanto pela elevada procura internacional (em consequência do crescimento da actividade económica internacional e/ ou das tensões geopolíticas internacionais), não se traduziu necessariamente num aumento da riqueza efectiva do país em igual magnitude, uma vez que o país somente fica com perto de 15% de todo o petróleo explorado, bem como com o valor dos “royalties” e dos impostos petrolíferos (que têm sido o verdadeiro o carro-chefe das nossas receitas públicas).
Dito de ouro modo, é importante percebermos que da riqueza efectivamente gerada no sector petrolífero angolano, o país fica tão simplesmente com as “unhas do leão”, ao passo que a “carne” e até mesmo os “ossos” acabam por beneficiar a economia e os cidadãos dos países de origem, assim como das empresas petrolíferas que operam em Angola.
Assim, nasce a questão que não se quer calar: a abundância de riqueza natural em Angola versus o reflexo do seu impacto na qualidade de vida dos seus cidadãos, coloca ou não o país diante da “maldição dos recursos naturais?” O paradoxo da abundância ou teoria da maldição dos recursos naturais, assenta no facto de existir nos países exportadores de recursos naturais maior probabilidade de ocorrência de efeitos sociais negativos (tal como o autoritarismo, corrupção, rent seeking e o baixo desempenho económico), resultante tanto de insuficiências macroeconómicas quanto da ausência de instituições sólidas.
Não obstante o debate em torno do paradoxo da abundância absorver significativa atenção da Ciência Política, nos EUA e nas principais organizações internacionais, o mesmo ainda ocupa um espaço bastante irrisório no debate público africano, onde se verifica que muitos países ainda enfrentam um elevado nível de dependência económica face aos recursos naturais, consolidando a tese da maldição dos recursos.
Apesar do paradoxo da abundância apresentar assinaláveis dificuldades, com países como Angola a debaterem-se com inúmeros desafios económicos e sociais, não é inevitável.
E tanto as conclusões de Robinson et al (2005), Collier (2007), Collier e Laroche (2015) e Armand et al (2020) quanto aos exemplos bem-sucedidos do Botswana e da Malásia, por exemplo, permitem-nos identificar estratégias que concorram positivamente para uma correcta e eficaz gestão dos recursos naturais de Angola (em particular) e de África (em geral), tornando-os em verdadeiras bênçãos para os países que os detêm e não em maldição, destacando-se entre elas as seguintes:
Melhorar a transparência e disseminação da informação: a disseminação de informação relacionada à gestão dos recursos concorre para o reforço da mobilização dos cidadãos, redução de tensões e conflitos sociais, diminuição da apropriação por parte de elites e da motivação do lucro; Reforçar as instituições: a construção de instituições sólidas, transparentes e responsáveis desempenha um papel crucial na eficácia da gestão dos recursos (incluindo o aprimoramento das estruturas de governança e do enquadramento legal); Introdução de um quadro de gestão abrangente: considerar uma abordagem abrangente para a gestão de recursos que inclua procedimentos justos para a descoberta e a contratação de recursos, priorize infraestruturas com benefícios públicos na exploração, introduza sistemas tributários transparentes e invista as receitas dos recursos no sector público e privado (visando uma autêntica diversificação económica).
Por: WILSON NEVES