A literatura é um meio fundamental de conservação e transmissão da memória colectiva. Deste modo, à luz de Ernesto Daniel, “a literatura enquanto manifestação artística, ela pode partilhar inquietações de verosimilhança, quer seja de carácter político, social, cultural, religioso e filosófico de um determinado território”.
Assim, percebe-se que a escrita é consequência do que nos atinge e o autor é produto do ar que respira, da sociedade que observa e dos livros em que navega.
Por conseguinte, sendo parte de uma sociedade, o escritor vai reflectindo e interpretando os vários fenômenos sociais e carregando-os para barca da sua arte.
A literatura procura trazer ao de cima os valores e costumes que circundam no imaginário social de seu período e tradição.
Nesta linha de ideias, o escritor comprometido com as mudanças sociais e que observa a literatura como remédio dos pecados culturais, deve ater-se a interpretação e espelhar os manifestos de sua comunidade.
Assim, trouxemos a ribalta “Os Deuses Filhos dos Diabos” que é um labor de autoria de Alcino Luz, pseudónimo literário de Abel Alcino. Nasceu na última década do século XX, na cidade do Luena.
Deste modo, ao rasgar o véu do silêncio da obra em epígrafe e neste regresso de mais uma reflexão ao triturar e produzir sem moderação a escrita angolana, abrimos as mãos, não sólidas aos nossos olhos, com a obra de Alcino Luz.
O autor subindo as costas da África e de Angola, resvala o passado nostálgico da mãe África, viajando na berma da exaltação, da revalorização e outros problemas que enfermam as comunidades negras, satiriza com veemência as políticas do colonizador, passando pela perda do valores da cultura africana e pelo drama alienação.
O Alcino Luz, tem como pano de fundo e orientação a concepção telúrica da África mãe. Pois, a obra em estudo pertence ao género narrativo, por quanto, Alcino Luz serve-se de uma criação e recriação do gênio humano e literário para trazer ao mundo, os manifestos dos segredos e mistérios das relações entre o homem africano e o homem europeu.
Ao fazer-se uma leitura desensinada nas páginas da obra “Os Deuses Filhos dos Diabos” é notório que a obra procura reflectir a volta da realidade africana, de modo geral, e dos países que tem o Português como via de comunicação primária, de modo particular.
Por conseguinte, Luz é um autor atrelado as coisas africanas, é assim que, no seu primeiro parto literário, trouxe-nos variados temas ligados ao mundo do homem africano como: A poligamia, a crise de identidade, a assimilação, a exaltação da divindade africana, a revalorização dos costumes e hábitos da terra, o culto a figuras tradicionais.
Logo, “Os Deuses Filhos dos Diabos” é uma narrativa de história que lambe a terra e fundese na terra do berço humanidade. É uma produção que eleva o seu discurso narratológico através do universo enigmático do homem negro e branco, percorrendo as margens da cultura africana, por meio da exaltação da dimensão tradicional ,ressaltando as ninfas e belezas divinas da antiguidade africana.
Alcino Luz, mergulha nas arestas infinitas dos horizontes do mundo, com a sua forma de ver e reflectir a África. Alcino Luz é um “sabedor” das linhas mestras da Antropologia Cultural Africana e de sua Filosofia. Longe de ter domínio sobre a cultura cristã e literaturas africanas manifestadas em Língua Portuguesa.
Destarte, há momentos, que os segredos e mistérios desta obra, desaguam, também , em resgates e voltas às origens africanas, as quais só almas que morrem pelos outros tem a plenitude dos poderes para acorrentar os leitores activos.
Na mesma esteira de análise “Os Deuses Filhos dos Diabos” é uma obra que transporta o leitor (a) para cosmologia sociocultural da África perdida e corrompida nos seus vários ângulos.
Atrelamo-nos ao fio condutor da nossa reflexão com as ideias do Mestre e Professor Carlos Gonga, relçando que a obra de Alcino Luz “enquadra-se no âmbito dos grandes textos que gostam de trazer à luz a cultura e o modo de vida de ser e estar do africano no seu próprio cosmo”.
Ainda o estudioso, acima referido, acrescenta que: “Esta obra tem as suas próprias particularidades, porém, é possível aproximá-la[…] das narrativas das obras literárias, com devido reconhecimento e grandiocidade, no campo das literaturas escristas no sistema modelizante primário do ex-colonizador , O que África não Disse e Ginga Mbandi, de Batchi e José Agualusa”.
Concomitantemente, “Os Deuses Filhos do Diabos” é uma narrativa aberta, que pede aos olhos dos leitores activos uma segunda escrita. Contudo, do ponto reflexivo temático a obra aborda temas que permitem dar um contributo para o conhecimento da história cultural e ontológica do continente berço da humanidade.
Deste modo, a estrutura da obra em discussão, apresenta-se como sendo uma forma inaugural na literatura angolana, a existência de personagens híbridas e a sua escolha, elevam-nos a uma reflexção constante da alienação e da assimilação dos costumes europeus.
À maneira de se fazer uma paragem, dir-se-ia que a obra é assaz fundamental para a instituição literária angolana e é uma pedra angular para o conhecimento da história cultural e ontológica da África.
Portanto, a obra, não é um instrumento integral para compreender a história, os costumes, os hábitos de África e de Angola, é uma construção não acabada do mundo imaginário do seu lavrador, e não deixa de ser essencial para estudar e conhecer a semântica das idiossincrasias do homem negro e do homem branco, dada esta ideia. Sublinho: o que aqui se analisa é apenas o ponto de partida duma reflexão que se pretende amplo.
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