A presença dos ciganos em Portugal e em muitos países europeus não se constitui numa surpresa para ninguém uma vez que a sua presença é secular no espaço europeu.
Trata-se de uma comunidade minoritária cujos membros podem ser «visíveis» ou mesmo «invisíveis» à sociedade portuguesa.
Os que podem ser considerados «visíveis» constam do grupo limitado daqueles que conseguiram interiorizar e/ou aceitar os valores da cultura dominante apesar de não exercerem, naquela, qualquer tipo de influência cultural.
Os «invisíveis», à sociedade portuguesa, constituem, paradoxalmente, o grupo maioritário.
É, pois, este que continua a manter viva a verdadeira «alma» da cultura cigana e a sofrer, até ao momento e incrivelmente, os mais variados desafios que perseguem a comunidade há décadas em Portugal.
Cumpre, assim, salientar que as questões culturais são as que melhor definem e tornam evidentes os desafios que comunidade enfrenta uma vez que se mostram resistentes em adoptar a cultura dominante (portuguesa) e esta última, por sua vez, não tolera e muito menos aceita os padrões culturais prevalecentes da realidade cigana.
Esta situação tem gerado, obviamente, dificuldades nas relações interculturais entre ciganos e a cultura portuguesa dominante ao ponto de os últimos procurarem manter uma postura etnocêntrica alicerçada sobretudo na preservação de valores e padrões tipicamente ocidentais que os ciganos resistem em adoptar e/ou aceitar.
Diante desta situação, a maioria cigana encontra-se diante de duas realidades desafiantes: ou aceita os valores da cultura dominante para passarem por um processo de inclusão social ou, pelo contrário, se mantém numa situação de exclusão social.
A inclusão social dos ciganos pressupõe, de um modo geral, a tolerância destes em, primeiro, aceitar os valores culturalmente dominantes na sociedade portuguesa e, segundo, em construir competências interculturais a fim de manterem uma relação mais aceitável de acordo com as normas e/ou princípios que regem as convivência colectiva na perspectiva da cultura dominante.
A segunda realidade, a mais desafiante, coloca-os, pois, entre a preservação dos seus valores e aceitação da cultura dominante.
Parece-nos que a primeira opção tem sido prevalecente e dominante na realidade dos ciganos em Portugal.
Por está razão pretendemos, de forma muito breve, compreender se tem ou não havido intervenção social por parte do Governo e quais têm, de facto, sido os níveis de eficiência e eficácia neste processo.
Magano (2010) relembra-nos que “desde a sua chegada, os ciganos são vistos como invasores, parasitas, delinquentes ou ateus”. Esta forma de percepção da sociedade portuguesa criou imediatamente fronteiras entre «nós», a cultura portuguesa dominante – ou seja europeia – e «eles» – ou seja os ciganos que representam, entretanto, o grupo minoritário. Sabe-se que estas visões e/ou percepções estão presentes há décadas em Portugal.
Resultam, entretanto, de uma longa manifestação de sentimentos de rejeição ou mesmo de estigmatização para com a minoria cigana sobretudo por não tolerar a sua realidade cultural.
Essa falta de tolerância acabou por construir, igualmente, uma consciência de rejeição e perseguição que tem estado a dominar a relação difícil entre os ciganos e a generalidade da sociedade portuguesa cultura dominante.
Por esta razão a investigadora Olga Magano (2010) defende, a tendendo este difícil percurso, dominado sobretudo pela perseguição, que “há marcas difíceis de apagar e, neste caso, pressupõe-se que as experiências das perseguições sofridas persiste na memória colectiva (…)”.
É, entretanto, por conta deste ambiente de décadas de perseguição asso ciada, também, a uma sistemática intolerância manifestada pela cultura dominante que muitos ciganos isto são a maioria procuram unir-se mais e reforçar a solidariedade étnica ao ponto de tornaremse, totalmente, invisíveis à realidade social.
Fraser (Apud Magan, 2010) não deixa de ter razão, por exemplo, quando defende que os ciganos “(…) parecem ter conseguido preservar raízes culturais e identitários resistindo neste aspecto, a sucessivas tentativas de assimilação”.
A resistência de que se refere Fraser é um claro sinal da luta do dia-a-dia a que os ciganos se vêem envolvidos na preservação da sua realidade cultural que é clara e totalmente rejeitada em Portugal.
O que dizer acerca da intervenção social do Governo? Relativamente a esta questão nota-se, em Portugal, a existência de imensos desafios em lidar-se com a situação dos ciganos. Será falta de vontade política ou de uma clara estratégia de intervenção social?
Hess (Apud Carmo, 2007:2) sugere que “qualquer tipo de processo de intervenção iniciase com a formulação de um pedido por parte do sistema-cliente (ou de quem o represente), que se caracteriza pela expressão de uma necessidade social, decorrente da consciência de um dado problema, muitas vezes de contornos pouco definidos.
Apesar de ser pertinente esta sugestão de Hess, no caso particular dos ciganos, vistos na perspectiva de «sistema cliente», a situação se revela mais desafiante uma vez que lhes é negado, sistematicamente, a possibilidade de formular pedidos devido alguma falta de comprometimento por parte dos órgãos do Estado.
Não é por mero acaso que Magano (2010) chamou atenção nos seguintes termos: “(…) não obstante as frequentes chamadas de atenção para a situação grave de marginalização e pobreza de muitos indivíduos de origem cigana, parece existir um manifesto desinteresse por parte do Estado em assumir que se trata de uma questão social que é necessário enfrentar, ou seja, sistematicamente tem ficado adiado o enfrentamento da “questão cigana”.
Percebe-se, claramente, que os ciganos não constam do quadro de prioridades e o governo português, como sistema interventor, não se tem mostrado totalmente disponível para cumprir com a tarefa de acabar com as várias dificuldades por que passa essa comunidade.
Não constando no quadro das prioridades das políticas de intervenção social do Governo reforça, visivelmente, a fragilidade do reconhecimento institucional.
Talvés por isso e com toda razão é que Magano e Mendes (2014) defendem que “em Portugal, os ciganos não são institucionalmente reconhecidos nem como minoria, nem como minoria étnica, não existindo medidas de políticas públicas dirigidas especificamente a pessoas ciganas”.
Deste modo se torna difícil ao Governo, enquanto responsável na definição das políticas públicas, partir para a segunda fase da intervenção social que, de acordo com Carmo (2007) “(…) consiste na negociação entre as partes sobre qual o papel que cabe a cada uma na resolução do problema”.
Trata-se de uma fase de contratualização, em que sistema-interventor e sistema-cliente terão de chegar a um acordo sobre os direitos e deveres de cada um no processo de intervenção que se segue (Carmo, 2007:2).
Como chegar a um acordo entre o sistema interventor (governo português) e o sistema cliente (ciganos) se aos olhos do primeiro o segundo é totalmente invisível e procura relegá-lo numa situação marginal?
Apesar de os ciganos serem portugueses, a exemplo de tantos outros que existem, percebe-se, aqui, que existe um problema de «reconhecimento de direitos constitucionalmente consagrados.
Ou seja, era suposto que os direitos fundamentais assegurados pela Constituição portuguesa obedecessem, verdadeiramente, o princípio da igualdade jurídica.
O princípio da igualdade entre os cidadãos é totalmente contrário exclusão social de cidadãos nacionais que devem, por força da Constituição, merecer protecção constitucional igual aos demais nacionais.
Ou seja, no caso de Portugal os ciganos estão evidentemente na linha da exclusão social mesmo sendo portadores de direitos e merecerem a protecção efectiva da constituição.
Visto nesta perspectiva, conseguese compreender a pouca relevância a que o Governo português atribui aos ciganos em Portugal e esta situação ganha maior peso sobretudo quando se nota ausência da intervenção de um sistema judicial que deveria ser a peça fundamental na defesa deste grupo minoritário.
Mesmo a nível parlamentar quase ou nada tem sido feito uma vez que a marginalização dos ciganos continua a ser uma realidade presente no contexto sociopolítico de Portugal.
Contudo, a falta de reacção proporcional à dimensão das dificuldades ciganas, por parte das instituições públicas, demonstra que há, por parte dos órgãos do Estado, inclusive o Governo que gere as políticas públicas, apenas uma intervenção social assistencialista para garantir os serviços mínimos aquela comunidade.
Quando olhamos a eficácia e a eficiência na intervenção do Governo relativamente a situação social dos ciganos temos de, primeiramente, ter em conta o quadro de relações estabelecidas entre os dois sistemas (interventor e cliente ou seja entre o Governo e a comunidade cigana).
Procurar ver os indicadores de eficácia e eficiência na intervenção do Sistema interventor é, no fundo, avaliar o seu desempenho no processo de gestão da situação em concreto.
Para que essa compreensão se revele nítida é imperioso que se preste, de forma breve, um esclarecimento em relação as noções de eficácia e eficiência que podem parecer sinónimos.
De acordo com Kiamvu Tamo (2005) defende que “a Eficácia na gestão diz respeito à relação entre os resultados obtidos e os meios utilizados”.
Santos (2008) acresce que “a eficácia, por outro lado, pode ser definida como grau de comprimento dos objectivos fixados”.
Em relação a Eficiência, Kiamvu Tamo (2005) salienta que “ (…) diz respeito à relação entre os resultados obtidos e os meios utilizados” e Santos (2008) esclarece, em relação à questão, que “o objectivo genérico (…), neste domínio, consiste essencialmente na redução do custo (…) ”.
Com estes esclarecimentos podemos chegar à conclusão de que o Governo português, visto na perspectiva de sistema interventor, não tem sido eficaz na intervenção social relativamente a situação dos ciganos.
Costa (Apud Magano, 2010:8) esclarece que “as tentativas formais de integração em Portugal foram escassas e as que se concretizaram tiveram sempre um sentido repressivo no sentido de “dissolução ou domesticação do povo cigano (…) que, não tendo tido êxito, foram empurrando esta população para as margens da sociedade, tornando-os cada vez mais dependentes.”
Ou seja, mesmo diante de tantos objectivos definidos quer no âmbito da União Europeia quer do Estado português em relação a protecção das minorias os resultados continuam a ser ineficazes.
Do ponto de vista da Eficiência na intervenção social do Governo, nota-se, claramente, uma desproporcionalidade dado, sobretudo, ao facto de os ciganos serem, até ao momento, empurrados para os bairros e/ou zonas com condições precárias quando, do lado oposto, o Governo tem estado a ter sucessos, em termos de eficiência, no alojamento e realojamento de outras comunidades minoritárias em Portugal. Contudo, o Governo enquanto sistema interventor não cumpre, de forma integral, com o seu papel enquanto gestor das políticas públicas.
Não havendo um diálogo inclusivo entre as autoridades governamentais e representantes do associativismo cigano é basicamente difícil avançar-se para as etapas subsequentes no sentido de, efectivamente, se definir um quadro de intervenção social que possa minorar o estado de marginalização em que estão sujeitos os ciganos residentes em Portugal.
Considerações Finais
Os ciganos em Portugal procuram, há décadas, de um reconhecimento quer enquanto minoria étnica quer enquanto detentores de uma cidadania portuguesa e europeia.
Não tem sido fácil para que este reconhecimento seja aceite pela generalidade dos portugueses sobretudo devido a rejeição da sua cultura.
Infelizmente, até aos dias de hoje os ciganos continuam a ser alvos de uma perseguição «sem tréguas» e o seu sofrimento tem merecido uma atenção bastante limitada do Estado português que não lhes tem criado condições socialmente úteis para terem uma inclusão social efectiva.
Diante de uma perseguição sofrida por sucessivas gerações ciganas, esta comunidade prefere o isolamento na relação com a cultura dominante.
Pelo que se verificou, o Estado tem feito muito pouco para alterar o quadro de estigmatização de que têm sido alvos a maioria cigana.
Tem, igualmente, ignorado a dificuldades sociais por que passam no seu dia-a-dia o que tem, em prática e numa lógica de interpretação técnico-jurídica, violado o princípio de igualdade jurídica de que são portadores.
O prolongamento das dificuldades da comunidade cigana, para além de ser resultado de uma visão etnocêntrica mantida pela cultura dominante é, igualmente, uma questão de justiça social.
Esta injustiça social de que nos referimos tem limitado os níveis de eficácia e eficiência na intervenção social do governo.
Verifica-se, contudo, mais falta de vontade política em mudar o quadro social, económico dos ciganos em Portugal devido ao estigma que tem influenciado inclusivamente comportamento de algumas instituições públicas.
Politólogo e Mestre em Relações Interculturais.
Por: LUTINA SANTOS