Nos últimos tempos, têm-se observado muitas flutuações nos preços dos produtos agrícolas em Angola, levando a questionamentos sobre o rumo das políticas públicas no sector produtivo.
As recentes reduções temporárias nos preços de alguns bens alimentares são vistas como um alívio para as famílias, mas levantam questões mais profundas sobre a sustentabilidade deste modelo, especialmente em períodos de escassez.
Será que o país está preparado para enfrentar as oscilações do mercado global? E se, em vez de celebrarmos momentâneas quedas de preço, nos concentrássemos em garantir a segurança alimentar a longo prazo? Quando reflectimos sobre a economia, em particular no contexto angolano, é crucial perceber que a produção agrícola não deve ser apenas uma resposta às necessidades imediatas da população, mas também uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento do país.
No entanto, o que se verifica é a ausência de um plano estruturado que aborde questões fundamentais, como a estocagem e a transformação de produtos agrícolas. Sem estas infraestruturas, Angola continuará vulnerável a variações sazonais e dependerá de importações para satisfazer a sua procura interna.
Transformação como chave para a independência alimentar
Um dos grandes desafios de Angola, apesar do seu imenso potencial agrícola, é a dependência de importações de produtos transformados. É paradoxal que, num país com condições ideais para a produção de alimentos, ainda dependamos da importação de itens como massa de tomate, molhos e outros produtos alimentares processados.
Isto denuncia uma falta de indústrias de transformação, que poderiam dar valor acrescido à produção nacional. Se durante os períodos de colheita abundante pudéssemos transformar o tomate local em derivados, como polpa de tomate e conservas, estaríamos não só a fortalecer a nossa economia interna, mas também a criar um sistema mais resiliente.
Num cenário de crise, onde o mercado internacional apresenta dificuldades, teríamos uma reserva interna capaz de suprir as necessidades da população. Este tipo de investimento na transformação local de produtos agrícolas é fundamental para garantir uma independência alimentar sustentável e diminuir a nossa dependência do exterior.
A ausência de estocagem: um erro estratégico
Outro aspecto que deve ser abordado com urgência é a falta de capacidade de armazenamento no país. Durante as épocas de colheita abundante, os mercados são inundados com produtos frescos, o que, naturalmente, leva a uma queda acentuada nos preços.
Embora isto possa parecer benéfico a curto prazo, é, na verdade, um sintoma de um problema mais profundo. Sem infraestruturas adequadas de armazenamento, grande parte da produção agrícola acaba por se perder, privando-nos de um fornecimento contínuo ao longo do ano.
A criação de armazéns e sistemas de estocagem não só evitaria desperdícios como permitiria manter os preços estáveis mesmo em épocas de menor produção. Além disso, com uma rede de estocagem eficiente, Angola poderia explorar o seu potencial como exportador de produtos agrícolas, abrindo novos mercados e gerando receitas adicionais para a economia.
O agronegócio, que deveria ser uma prioridade no Orçamento Geral do Estado (OGE), continua a ser negligenciado, o que impede o país de tirar pleno proveito das suas capacidades produtivas.
Exportação: uma oportunidade desperdiçada
Angola dispõe de vastas terras férteis e uma diversidade climática que favorece a produção de uma ampla gama de produtos agrícolas. No entanto, a falta de planeamento estratégico e de investimento no sector impede que o país se afirme como um exportador relevante.
Outros países africanos, com menos recursos, têm conseguido consolidar as suas economias com base na exportação de produtos agrícolas transformados, enquanto Angola permanece dependente das importações de bens essenciais.
Estamos, literalmente, a desperdiçar o nosso potencial. A criação de políticas orientadas para a exportação de produtos agrícolas transformados seria um passo decisivo para colocar Angola no mapa do comércio internacional de forma competitiva.
Isto também teria impactos positivos a nível interno: com o aumento da produção para exportação, haveria uma maior procura de mão-de-obra qualificada, gerando empregos e fortalecendo as economias locais. A criação de uma cadeia produtiva robusta e sustentável permitiria ao país enfrentar os desafios económicos globais com maior resiliência.
O agronegócio no Orçamento Geral do Estado
Quando analisamos o Orçamento Geral do Estado de Angola, torna-se evidente que o agronegócio ainda não tem o protagonismo que deveria. Num país que está a tentar diversificar a sua economia e reduzir a dependência do petróleo, o sector agrícola deveria ser visto como uma prioridade estratégica.
O investimento no agronegócio não é apenas uma necessidade económica, mas também uma questão de segurança alimentar e de criação de oportunidades para a população. Investir no agronegócio é investir no futuro do país.
Este investimento deve incluir a criação de fábricas de transformação, a construção de infraestruturas de estocagem, a formação de agricultores e o desenvolvimento de políticas de exportação.
A diversificação da economia angolana passa necessariamente pelo sector agrícola, que tem o potencial de se tornar uma força motriz do crescimento económico e da redução da pobreza.
Conclusão Angola encontra-se num momento crítico em que as decisões sobre o futuro do sector agrícola podem determinar o rumo do país nas próximas décadas. Aproveitar as épocas de abundância para investir na transformação e estocagem de produtos agrícolas é essencial para garantir a sustentabilidade e a segurança alimentar.
A integração do agronegócio no Orçamento Geral do Estado, com políticas claras e investimentos sólidos, é o caminho para criar uma economia mais resiliente e diversificada.
O futuro do país depende da nossa capacidade de planear e agir de forma estratégica. A transformação e a estocagem de produtos agrícolas não são apenas uma questão de desenvolvimento económico, mas uma necessidade para garantir que Angola se torne uma nação auto-suficiente e capaz de competir no mercado global.
Por: RIBAPTISTA
*Gestora logística e comercial