Quando eu era criança, sempre ouvi que as crianças eram o “futuro do amanhã”. Confesso que, na altura, não percebia muito bem o alcance dessa frase, questionava-me como era possível sermos o futuro e como era possível o futuro ser já amanhã, porquanto éramos simples petizes e víamos o futuro como uma coisa distante.
Fui descobrir mais tarde que a dita expressão era, na verdade, uma redundância. Hoje, já crescido, entendo melhor o sentido daquela frase, apesar de redundante. De facto, as crianças são o futuro, a elas pertence o amanhã, os sonhos, os anseios e a esperança de um provir melhor.
A criança é o tesouro mais importante e precioso que uma sociedade pode ter, é o espelho e o barómetro que permite medir o estágio de desenvolvimento mental e intelectual de uma sociedade, a alegria ou tristeza, a felicidade ou desilusão de uma sociedade. Enfim, é possível avaliar o bemestar de um povo pelo rosto das crianças, pelo brilho do seu olhar ou pelo seu sorriso.
Uma sociedade que não protege as suas crianças está condenada ao fracasso e ao ciclo perpétuo da estagnação e da lamúria. Uma sociedade que não protege as suas crianças é como um veículo que se dirige a alta-velocidade para um precipício.
Ao sairmos pelas artérias das principais cidades de Angola, é impossível ser indiferente à quantidade de crianças que deambulam, vulneráveis, pelas ruas, a pedir esmolas e a mendigar por migalhas para matar a fome.
Crianças de tenra idade, desprovidas de qualquer protecção social, descalças, desnudas, desnutridas, sujas e muitas vezes feridas ou doentes circulam no meio do trânsito caótico da nossa cidade, entre os carros, a implorar por protecção.
Elas precisam da protecção de todos nós, da minha e da tua, de toda a sociedade que se sente incapaz e apenas observa o futuro a vaguear perdido pelas ruas.
Para termos crianças preparadas para o futuro, teremos de cuidar delas no presente, dar-lhes toda a protecção e garantir-lhes a satisfação das necessidades básicas e fundamentais, para que elas possam crescer fortes e saudáveis.
As crianças são o verdadeiro e único futuro que temos, e este futuro encontra-se perdido nas ruas sem eira e sem beira. Crianças pequenas aprendem a consumir álcool e outras drogas na escola da rua, a prostituir-se para sobreviver, colocando-se à disposição da degustação de adultos em troca de insignificâncias, a entrar no mundo do crime, e, como se não bastasse, elas ainda são arrastadas para o trabalho forçado em empresas estrangeiras a troco de um salário que nem para matar a fome é suficiente.
São crianças sem escola, sem instrução, sem família e sem o mínimo para se munirem de protecção contra a avalanche que é o futuro incerto. Adiar o futuro das crianças é adiar o futuro da nação, é matar a esperança de um futuro melhor e maior, é matar a possibilidade de fazer diferente.
É urgente e imperioso retirar as crianças das ruas, aplicar todos os recursos necessários para se acabar com este fenómeno de crianças deambularem debaixo de sol intenso ou de chuva torrencial, perdidas, debaixo dos nossos olhos, sem nada fazermos.
Várias sugestões iremos apresentar, mas certamente nenhuma delas é mais impactante do que mudar a forma como olhamos para este fenómeno e assumi-lo como um problema social nacional grave, que pode pôr em risco o nosso futuro como nação soberana.
A solução parece não ser simples, mas temos de começar por algum lado. E porque não começar por colocar os nossos recursos a serviço das crianças? Não apenas os recursos financeiros, mas o intelectual, visando o bem-estar de todas as crianças de Angola.
A reactivação das casas dos rapazes e das raparigas, a multiplicação de lares de acolhimento, onde as crianças podem crescer de forma sadia, receber a protecção e a educação necessárias para crescerem fortes e saudáveis também pode ser uma alternativa viável, desde que tais locais sejam inspeccionados e fiscalizados por instituições idóneas e sérias.
Garantir salas de aulas suficientes para que nenhuma criança em Angola fique sem estudar e aumentar a jornada escolar no ensino primário para nove horas diárias, por exemplo, faria com que as crianças passassem grande parte do seu tempo nas escolas, onde deveriam estar ocupadas com actividades lectivas, desportivas, artísticas (música, poesia e teatro), bem como de aprendizado de ofícios.
A criação de escolas militares e escolas de policiais militares em cada uma das províncias de Angola, dedicados à formação integral dos jovens, permitiria que cada criança tivesse as condições mínimas necessárias para viver uma infância e juventude com os cuidados que ela merece, recebendo uma educação patriótica, com base em regras militares.
A implementação de sopas comunitárias seria uma forma de minimizar a fome nas zonas mais carentes, onde cada criança da comunidade pudesse ter pelo menos duas refeições condignas diariamente; A merenda escolar em todas as escolas públicas de Angola atrairia mais crianças para as escolas e desencorajá-las-ia do abandono escolar.
Em cada município, comuna e bairro, devia haver centros comunitários, liderados por igrejas, agentes sociais e patrocinados pelo Estado, onde as crianças pudessem passar o dia, aprendendo valores sociais, académicos e, desde cedo, artes e ofícios.
É claramente uma necessidade a multiplicação de centros de formação técnico-profissional para pré-jovens e jovens aprenderem profissões de rápida absorção no mercado de trabalho, tais como Eletricidade, Construção Civil, Canalização, Sapataria, Alfaiataria, Artes e Costura, Primeiros Socorros, Informática e Redes, Telecomunicações, Programação, Jardinagem, Combate aos Incêndios, Ações Sociais e outros.
Se cada município canalizar 25% das verbas que recebe para a adopção de um programa de apoio à criança, acredito que poderemos ter um bom resultado.
Todos somos poucos para ajudar as nossas crianças, portanto, precisamos da colaboração de todas as instituições, organizações, empresas, igrejas e sociedade civil organizada, para unidos protegermos e salvarmos o nosso futuro, as nossas crianças.
Só assim teremos uma sociedade nova, um homem novo, imbuído de moral, ética e conhecimento científico e religioso, bem como de humanismo, que coloque o seu saber a serviço da sociedade, para a promoção de valores supremos, rumo ao progresso e ao desenvolvimento humano.
Valores como a disponibilidade, disciplina, honra, lealdade, coragem, camaradagem, solidariedade, liderança e respeito são essenciais para a educação das crianças e jovens.
Deixá-los na rua, sem qualquer ocupação e protecção, torna-os mentalmente vazios, o que os leva a transformarem-se em verdadeiras oficinas do mal, da delinquência, droga, prostituição e tantos outros males que enfermam as ruas.
De nada vale falarmos de crescimento, progresso e desenvolvimento, se as nossas crianças não estiverem no centro das prioridades de todas as nossas acções, presentes e futuras.
Por: Osvaldo Fuakatinua