“The Pronouns of Power and Solidarity”, de Brown e Gilman (1960), é a obra pioneira nos estudos linguísticos sobre Formas de Tratamento (doravante FT), porém, na Língua Portuguesa, atribui-se esse mérito a Lindley Cintra por intermédio da sua obra “Sobre Formas de Tratamento na Língua Portuguesa” (1986). Segundo Pratas (2017: 9-12); Timbane, Sassuco, Undolo (2021: 127-130) as FT reflectem características linguísticas, sociais e culturais de um povo em certo momento da história, por sua vez, elas acompanham as mudanças linguísticas e sociais.
No que diz respeito às mudanças linguísticas, podemos destacar os aspectos fonético-fonológicos e semântico-pragmáticos; por outro lado, quanto às mudanças sociais, na interacção entre os falantes, destacamos os aspectos [+formalidade], [+respeito], [-confiança], [-proximidade] e [+cortesia] para [-formalidade], [±respeito], [+confiança], [±proximidade] e [±cortesia].
As FT acompanham as transformações sociais que ocorrem na sociedade. Por exemplo, a FT nominal “Vossa mercê”, registada no séc. XIV, será o prelúdio da FT pronominal “Você”, aquela cujo alocutário, naquele século, era apenas rei, rainha ou duque estrangeiro; posteriormente, no séc. XV, passou a ser usada, também, para se dirigir a todos os membros da Corte Real, inclusive às princesas e aos príncipes. Até nos finais do séc. XVI, já era usada para se dirigir a todos os funcionários da nobreza e à al ta burguesia.
Na segunda metade do séc. XVII, ocorre uma transformação fonética-semântica na FT “Você”, sendo assim, utilizadas as FT “Vosmecê” ׀vaismicê׀ e “Vossancê”, a primeira é muito familiar à geração que viu a telenovela “XICA DA SILVA.” Nos tempos anteriores a estes, utilizava-se o pronome pessoal recto “Vós”, sobretudo em actividades religiosas, com a mesma carga semântica-pragmática de “Você(s)”, como podemos ver nos evangelhos e nas epístolas de Paulo, por exemplo, em Actos 10:34,37-43. Do séc. XVIII ao séc. XX, a FT “Você” apresentou um grafia mais mais distinta em relação a dos séculos anteriores, porém, com uso não consensual, relativamente ao factor formalidade vs informalidade, podendo, deste modo, causar um mal-en tendido.
Assim, muitas vezes, foi substituída pela FT nominal “Senhor” uma vez que o uso da FT “Você” tornou-se, segundo Gouveia (2008: 94 apud PRATAS, 2017: 22) muito generalizado. Já no séc. XXI, com o advento das redes sociais, propriamente o facebook (2004), a FT “Você” sofreu transformação a nível da escrita.
A título de exemplo, em 2013, empregava-se, normalmente, a grafia “Vc” e, em 2015, houve, na alta criatividade dos internautas, a tendência de transformá-la num plural com o auxílio de um número árabe (6), ficando, assim, a grafia “v6”. Nos dias actuais, a FT “Você” passou pelo processo de truncamento ou abreviação lexical (MATOS, 2015: 149), registando, assim, as grafias “ocê” e “cê”, acreditamos ser de implementação brasileira.
Tevese muita cautela, no séc. XV, para que a FT “Vossa mercê”, que chegou ao português pelo processo de Amálgama, não desse mais vida à “mercê”; pelo dinamismo da língua, também temos esta cautela para não restar, futuramente, somente a letra “v”, “ê” ou “c’”, portanto, nas próximas reflexões, poderemos abordar sobre a sua evolução semântica-pragmática com maior realce na dicotomia “formalidade vs informalidade, concretamente, no português de Angola.”
POR: ESTEFÂNIO JOSÉ CASSULE