A ideia de estratificação tem ecoado muito nas diferentes análises, sobretudo, sociológicas. É por esta razão que entendemos estratificação com Lakatos e Marconi (2013), que sublinham o facto de que “os indivíduos e grupos de uma sociedade diferem-se entre si em decorrência de vários factores, formando uma hierarquia de posições, estratos ou camadas mais ou menos duradouros.
Este facto real, observado em todas as sociedades, significa que nelas os indivíduos e grupos não possuem a mesma posição e os mesmos privilégios, mas, sob esse aspecto, diferem entre si. Portanto, inexistem sociedades igualitárias puras.
A esta diferenciação de indivíduos e grupos em camadas hierarquicamente sobrepostas é que denominamos de estratificação” (p.87).
Assim, embora se fale em estratificação social, aqui e agora, propusemo-nos falar em estratificação linguística que se podia entender como a classificação hierárquica dos falantes de uma ou de várias línguas, a olhar para os “privilégios linguísticos” bem como a noção de “certo e errado”.
Este facto é perceptível, também, da visão do professor Camacho (1980), que nos leva a perceber que os estudos sociolinguísticos têm dado visibilidade ao facto de que a língua tem demonstrado uma irrefutável estratificação, na medida em que os seus usos determinam o tipo de camada ou classe a que o grupo pertence, sendo motivo de se evocar as antíteses de “certo e errado”.
Podemos olhar para o contexto plurilingue angolano e perceber a estratificação linguística em duas perspectivas.
A primeira está ligada à ideia errada de que as demais línguas que coabitam com o português, como Kimbundu, Umbundu e outras, são inferiores em relação à língua oficial e de escolaridade — a Língua Portuguesa—, ficando as outras relegadas a segundo plano tal como se fez nos dois documentos importantes, isto é, na Constituição da República e na Lei de Bases.
Este primeiro problema leva a classificar, consequentemente, os falantes das demais línguas como inferiores, estimando os falantes do português.
O que se apresentou tem levado a desvalorização dos que não têm o português como a língua materna. Sobre isso, Tavares (2007) mostra que a designação de língua materna está ligada ao facto de que, nas sociedades ocidentais, a mãe deve transmitir a sua língua à criança.
A língua da mãe é assim a primeira língua, é a língua da socialização da criança, a língua considerada como adquirida de forma natural, em contacto com a mãe e com os outros, em interacção. Logo, nem todos a têm como língua primeira ou língua materna, o que nos leva ao segundo problema.
O segundo problema de estratificação linguística seria o de apontar o “certo e errado”. Poderíamos, dentro de uma mesma língua, o português, por exemplo, classificar uns como “bons falantes” e outros como não.
Para piorar, achar que os ditos “bons falantes” são, por assim dizer, da elite, do topo da pirâmide e que, portanto, merecem mais reconhecimento e estima de nossa parte. Temos de nos lembrar de Bagno (2002), que deixa clara a ideia de que “tudo aquilo que é classificado tradicionalmente de “erro” tem uma explicação científica perfeitamente demonstrável.
A noção de erro em língua é inaceitável dentro de uma abordagem científica dos fenómenos da linguagem.
Afinal, nenhuma ciência pode considerar a existência de erro em seu objecto de estudo” (p. 72).
Logo, não podemos classificar as pessoas em função do modo como falam, menosprezá-las demonstra um fraco ou nenhum conhecimento da linguística portuguesa que é, de facto, uma ciência, não fazendo juízo de valor em relação à língua ou ao modo de comunicação entre as pessoas.
Assim, torna-se imperioso que nos dispamos da ideia de classificar ou estratificar as pessoas em função da língua, em função do modo como falam, pois, cada língua é um acervo peculiar para os seus falantes e os fenómenos linguísticos devem ser motivos de estudo, de explicação e não de estigmas.
Por: PEDRO JUSTINO “CABALMENTE”
*Professor e Académico –Talvez Sociolinguista