No presente ensaio propusemo-nos a abordar sobre Escrever é o quê. A abordagem está centrada na perspectiva da literatura enquanto ciência e arte, com objectivo de contribuir na produção literária no Huambo.
Aprioristicamente, dever-se-ia compreender que escrever é ressignificar as vivências em símbolos gráficos, ou seja, é um exercício árduo que consiste na tradução dos factos e fenômenos sociais em representações gráficas.
Assim, um escritor de verdade, antes de escrever qualquer coisa que seja, dedicar-se-ia a apreciar e investigar o referencial ou contexto. Escrever vai muito além de recolher vocabulários, para os crucificar sobre o papelinho quadriculado.
Não basta escrever uma carta, um poema, um conto, uma frase reflexiva, para concluir que é escritor e ponto final. Se olhássemos no nosso contexto com uma taça de sensibilidade coerente, sem fanatismo, perceberíamos que, obviamente, talvez haja uns pouquíssimos escritores, e muitíssimos pseudo-escritores, situação que nos repleta de triste tristeza.
Em condições normais toda e qualquer produção textual seria resultado da realidade (contexto), não seria um dado do acaso entregue à sua própria sorte, por isso, Costa Andrade advoga que não há texto sem contexto, ou seja, todo texto é pretextado por um contexto, remetendo-nos à relação tridimensional, isto é, escritor-contexto-povo.
Há quem diga que escrever seja consequência de uma determinada inspiração. Se essa inspiração for uma espécie de pensamento ou ideia que nos vem de repente, recusar-nos-íamos a concordar, porque a inspiração é bastante efêmera e/ou um descuido/lapso que não se pode controlar ou monitorar, quando nos propomos a escrever, também a pensar, ou seja, escrever exige a activação dos gatilhos de pensamento, centrandose sempre nos porquês.
Muito pelo contrário, cremos que seria um produto da imaginação ou entusiasmo criativo, devido à faculdade ou capacidade mental que possibilita a representação das vivências, enviadas ao pensamento através dos sentidos.
A título de exemplo, os excertos abaixos: As lágrimas dos céus Beijam-te de alegria *óh solo Enchendo-te de cabelos verdes Katchekele Mel que as abelhas esqueceram lá Num pouso acidentado e de sorte. Talvez atraídas por aquele porte… Que na ilusão de óptica, viu-se girassol.
Augusto Sapengo
Os escritos supracitados é notório que não são oriundos do acaso, pelo facto de estarem munidos de imitação da realidade ou decoro, se preferirmos, uma imaginação pura e virgem tão obesa de sensibilidade na forma como os dois autores convertem o viver do povo em representações gráficas, isto sim, quer dizer escrever, simples e complexo ao mesmo tempo.
No entanto, embora a escrita por sua natureza seja acessível a todos como uma prostituta que ande de mão em mão e esteja à disposição mesmo de quem não a queira, com base no pensamento platônico.
Não pretenderíamos discutir tal pensamento, todavia gostávamos acreditar que Platão se não referia a amontoados de palavras agrupadas, sem significado sócio-histórico ou histórico-cultural, e sim, a escritos santos que sejam reflexos da vida dos povos de uma determinada região e época.
Neste ínterim, escrever seria revelar-se ao leitor ou deixar-se conhecer pelo leitor, razão pela qual todo texto, independentemente do seu tamanho, formato, singularidade e pluralidade manifestaria um pouco do universo interior do autor e do contexto social da época.
A título de exemplo, basta olhar para toda produção literária feita na década de 50 pelos africanos de expressão portuguesa, em particular angolanos, deram voz e vez à chamada literatura de combate.
A riqueza conteudística das obras da década supracitada manifestam a angolanidade, facto e sinônimo de escrevivência.
Ora bem, escrever assemelharse-ia a uma vaidade surda e muda, nuvem escurenta, porque cada vez mais se vende a ideia de que o facto de escrever um poema, uma crônica, uma história já transforma o sujeito-autor num escritor; burrice intelectual, repito mais uma vez, burrice intelectual mesmo.
Isso só acontece aqui na nossa realidade, para comprovar a veracidade desta afirmação, sugiro que visitemos as redes sociais e algumas obras publicadas, é uma vergonha, muitos “pseudo”- escritores.
Assim, assumir-se como escritor seria tamanha responsabilidade, olhando no pensamento de José Francisco Tenreiro: antes do político, do advogado, do sociólogo, do economista, do historiador, do magnata e de qualquer outro, está o poeta (escritor) para abordar nos seus textos os mais variados problemas da sociedade.
Todavia, hoje e por hoje, apreciando o nosso Huambo neste quesito, custar-nos-ia admitir e, em verdade a máxima de Tenreiro, não se encaixaria em todos, mas também seria para todos, uma vez que, em vários casos, escrever tenha-se associado à bajulação, santificação da imagem de alguém em troca de um pedaço de pão.
Cá, no Huambo, os que escrevem à luz da máxima do autor mencionado anteriormente, contar-se-iam pelos dedos da mão, só não os citamos porque enfim. Já os “pseudo”-escritores talvez muitos os conheçam através das suas aparições públicas.