Nga Mutúri (de Alfredo Troni) e Mestre Tamoda (de Uanhenga Xitu) São duas obras magnas e referências obrigatórias da Literatura angolana.
Ambas as obras são costumeiras, porquanto tanto Troni quanto Xitu versam sobre os costumes sociais das sociedades das suas respectivas épocas.
Periodicamente falando, Nga Mutúri enquadra-se no segundo período da Literatura angolana (1849 – 1902).
O conto Mestre Tamoda pode ser copulado ao sexto período da Literatura angolana (1972 – 1980), pois é nesse período que assiste a um crescente espírito crítico, nacionalista e patriótico.
Lidas contrastivamente é possível ver-se um olhar atento de seus escritores, que não perdem de vista os detalhes do modus vivendis da época e sobretudo um olhar crítico que lançam sobre os costumes e os hábitos sociais da época.
Alfredo Troni e Uanhenga Xitu revestem-se duma linguagem satírica ou mesmo vestindo a túnica da sátira trazem à vida contemporânea duras e pesadas críticas da vida canónica e peculiar da época.
Em Nga Mutúri e em Mestre Tamoda, os autores das respectivas obras levantam a questão da alteridade humana e a consequente perda da identidade social e pessoal, em fim, a perda do valor do muntu enquanto espírito da ancestralidade e da identidade do lugar humano no mundo, de outra maneira dizendo, a fuga do ser, o desligamento do cordão umbilical com a força conservadora da ancestralidade para coligar-se a protótipos culturais alheios, ou seja, passa-se a viver o outro cultural e se estigmatiza os valores da cultura a que se pertence.
Alfredo Troni, em Nga Mutúri, histórico e sociologicamente, traz à tona os hábitos, tradições e costumes sociais da sociedade luandense oitocentista e novecentista.
Através da personagem Nga Mutúri, ateia o debate em torno da metamorfose social, ou seja, a alteridade, fenómeno constante da época.
Nga Mutúri representa o protótipo da mudança da mulher da época, pois quando a mulher daquela época pudesse ascender socialmente, mudava-se complemente, esquecendo-se das suas origens, assim, esquecia a língua de origem, os valores culturais e até detestava a cor negra da pele que revestia o seu corpo.
A crítica social de Alfredo Troni reside no facto dessa mudança, muitas vezes, prejudicar, irromper ou constituir um hiato com os valores sociais do berço, visto que Mutúri, durante a permuta de escreva para patroa e para dona de um património, menospreza o sagrado, a força que a une à ancestralidade, aos valores e aos traços culturais das raízes da cultura negra.
Já, por outro lado, Uanhenga Xitu trará a personagem Mestre Tamoda e consequentemente nome que confere título à obra. Xitu apresenta o modelo jovem da população colonial rural angolana.
Por meio de Tamoda, o autor faz uma crítica a alteridade juvenil, porquanto apresenta a vida de um jovem que se desloca de Catete a Luanda em busca de melhores condições de vida, mas que ao seu regresso a Catete, emprega desadequadamente as expressões dicionaristas aprendidas em Luanda, em casa do patrão.
Por consequência, Uanhenga Xitu, revestido de uma linguagem simples e desprovida de austeridade, chama à razão a sociedade a respeito da inadequação contextual do uso da língua, outrossim, da alteridade descontextual, consequentemente, causadora da perda da identidade.
Por meio das obras Nga Mutúri e Mestre Tamoda é possível constatar às claras o tema da alteridade e da identidade, a alteridade é um elemento obrigatório e ao qual ninguém se pode furtar, pois o ser humano é um ser em perpetua metamorfose, no entanto a crítica de Nga Mutúri e de Mestre Tamoda incide na negação do Muntu, o valor da alma e da força da cultura africana, porque quando se perde de vista o centro do muntu, perdese sempiternamente a ligação com a ancestralidade, a identidade da pátria mater, a rede que coliga à ancestralidade, por conseguinte, perde-se a ligação com o transcendental, o divino.
Por: ALCINO LUZ