Para adentrarmos no assunto, urgenos ressaltar, em primeira instância, que uma palavra é constituída de unidades formais menores associadas e dotadas de significado, denominadas por morfemas. A título exemplificativo, a palavra felicidade tem duas partes ou unidades, nomeadamente felic (a base da palavra, o morfema lexical) e idade (elemento criador de novas palavras, o morfema derivacional).
Solidificando a abordagem acima, Nida (1962, p. 11), citado por Monteiro (2002, p.13), também defende que os morfemas são as menores unidades significativas que podem constituir vocábulos ou partes de vocábulos. Parafraseando o exposto, o morfema pode ser compreendido como a menor unidade significativa, de significado gramatical ou lexical, de que se compõem as palavras.
Para tanto, os morfemas nem sempre têm a mesma forma, de modo que nem sempre é possível identificar o mesmo morfema nos seus diversos contextos de uso, como no caso do in nas palavras infeliz e irregular. Em resumo, o termo morfema refere-se a urna entidade de pendor abstracto, não inserido ainda nas palavras.
Quando se concretiza, passando a fazer parte da estrutura de uma determinada palavra, é denominado por morfe. Convém-nos, por ora, destcar que quando há mais de um elemento ou morfe para o mesmo morfema, ocorre o processo da alomorfia nas palavras. Para melhores esclarecimentos, vamos ao que dizem Silva e Koch (1991, p.21) a respeito: Os diferentes morfemas de uma língua não estão obrigatoriamente ligados a um segmento fónico imutável: por exemplo, o segmento /-s/ marca, de modo geral, o plural dos nomes em português, mas outros segmentos como /-es/ têm essa mesma função.
Do mesmo modo, /-ria/, que marca o futuro do pretérito, tem uma variante /-rie/. Também os morfemas lexicais apresentam variantes: /ordem/, /orden-/, ordin-/ têm a mesma significação em ordem, ordenar e ordinário, respectivamente. A essa possibilidade de variação de cada forma mínima dá-se o nome de alomorfia. Resumindo, alomorfes ou alomorfias são as diversas realizações de um único morfe¬ma, ou vários morfes.
O verbo caber, por exemplo, apresenta um morfe¬ma básico ou nuclear que se realiza concretamente nos alomorfes [cab], [caib], [coub]. Ainda, em vida e vital, o morfema básico realiza-se nos alomorfes [vid] e [vit]. No entanto, um morfema comporta-se de diferentes maneiras nos seus mais variados contextos de uso, assumindo uma identidade fónica distinta.
Ora, enquanto variação de morfemas para que as palavras sejam devidamente pronunciadas, apresentamos, a seguir, alguns tipos de alomorfia, nos quais se percebe facilmente a identidade de sentido entre as formas aparentadas. 1. Alomorfia na raiz lei / legal =» [le] ~ [leg] carvão / carbonífero =» [carvã] ~ [carbon] cabelo / capilar =» [cabel] ~ [capil] noite / nocturno =» [noit] ~ [noct] Os exemplos acima demonstram que as raízes ou os radicais de determinadas palavras podem assumir formas diferentes, a depender do contexto em que se encontram representados.
2. Alomorfia no prefixo incapaz/ irregular =» [in] ~ [i] aposto / adjunto =» [a] ~ [ad] subaquático / soterrar =» [sub] ~ [so] O morfema in- é usado em português para negar o conteúdo da palavra que está ao lado. Neste âmbito, aparece também uma outra forma, como acima exemplificada, usada nos mesmos contextos discursivos, que é bem parecida, mas não é idêntica: a forma é i-. Isso acontece, de igual modo, com demais morfemas prefixais.
3. Alomorfia no sufixo durável / durabilidade =» [vel] ~ [bil] cabrito / amorzito =» [ito] ~ [zito] facílimo / elegantérrimo =» [imo] ~ [érrimo] livrinho / pauzinho =» [inho] ~ [zinho] Estes sufixos, elementos que aparecem após o radical, vão ganhando diversas formas de representação nas palavras, resultando na alomorfia sufixal. 4. Alomorfia na vogal temática corremos / corrido =» [e] ~ [i] peão / peões =» [o] ~ [e] menino / menina =» [o] ~ [Ø] mar / mares =» [Ø] ~ [e] As vogais temáticas das palavras acima passaram a ser representadas de diferentes formas devido ao contexto de usdo de cada uma delas; em tempos, modos e números, para os verbos, e em número plural, para os nomes.
5. Alomorfia na desinência nominal do género menino / avô =» [Ø] ~ [ô] menina / avó =» [a] ~ [ó] Nota: No par avô ≠ avó, os traços distintivos [ô] e [ó] podem ser considerados alomorfes das desinências [Ø] (mascu¬lino) e [a] feminino. 6. Alomorfes na desinência verbal estudávamos / estudáveis → [va] ~ [ve] cantarás / cantaremos =» [ra] ~ [re] escreves / escreveste =» [s] ~ [ste] falo / estou =» [o] ~ [ou] Nesta última alomorfia, as desinências verbais sofreram alterações nas suas representações em modo, tempo, número e pessoa, conforme nos exemplos apresentados.
Assim sendo, todo morfema apresenta, pois, uma forma e um significado que, em determinados contextos, ocorrem variações na forma sem que o morfema deixe de ser o mesmo, a fim de que haja eufonia, isto é, um bom som na língua, por meio da associação de constituintes ao radical da palavra.
POR:FELICIANO ANTÓNIO DE CASTRO