Hodiernamente, assiste-se a muitas lutas entre as gramáticas em diferentes espaços como na sala de aula (professor-estudante e estudante-estudante), na sala dos professores (professor-professor), nos debates (linguitas e professores), e noutros (formados e amantes da Língua Portuguesa).
Há, pelo menos, dois motivos dessas lutas. Primeiro, opiniões diferentes, sobre o mesmo assunto, de autores e obras distintas.
Cada autor tem a sua forma de analisar os fenómenos da língua, de conceituar os aspectos linguísticos.
Assim, num primeiro momento, a luta pode começar pelo simples facto de serem posições diferentes sobre o mesmo assunto, pois, a língua é dinâmica e pode ter múltiplas interpretações.
Em relação aos autores, por exemplo, uns são considerados tradicionais e outros modernos ou contemporâneos. Isto, por si só, já tem revelado diferenças em relação à percepção dos assuntos ligados à Língua Portuguesa.
O que uns chamam “advérbio de tempo”, outros denominam “advérbio de predicado com valor temporal”.
O interessante nisso é que, no caso supracitado, a essência do advérbio não muda. O segundo motivo está ligado aos vários tipos de gramáticas existentes.
Muitos autores apresentam diferentes gramáticas. Filho (2011) distingue, pelo menos, sete delas: 1.
Gramática Normativa ou Prescritiva: estabelece normas, indica o que não se deve usar e só aceita as variantes das pessoas cultas. 2.
Gramática Descritiva ou Expositiva: considera a norma padrão, mas sem ideia pré-concebida decerto e errado. 3.
Gramática Tradicional: tratado normativo, com base nos estudos do grego e sobretudo do latim. Distingue taxativamente o correcto do incorrecto, a partir de normas, de regras etimológicas ou da história das palavras.
4.Gramática Estrutural: considera a língua um sistema interligado e com elementos dependentes uns dos outros. 5.
Gramática Generativa: descreve o conhecimento que um falante tem da sua língua, por meio de um conjunto de regras que gerem todas as frases gramaticais e nenhuma agramatical. 6. Gramática Histórica: estuda a mudança da língua ao longo do tempo.
7. Gramática Universal: estuda as características inatas e universais que condicionam as gramáticas. Assim, uma das lutas tem sido a não separação da tipologia existente, visto que existem diferentes tipos de gramáticas.
Infelizmente, pensa-se que a única gramática existente é a normativa.
É por isso que muitos associam a ideia de certo e errado às gramaticas em geral, e não à gramática normativa.
Se tivéssemos de resumir a luta, nestes últimos dias, ficaríamos, apenas, com duas delas, isto é, a gramática normativa que olha para o certo e errado, e a gramática descritiva que visa dar uma explicação sobre os diferentes fenómenos linguísticos.
A gramática normativa tem mais voz e vez porque é a mais ensinada em contexto escolar. No entanto, temos de aceitar que, por exemplo, a criança já vai à escola com noções gramaticais.
Santos (2009), chama-a de gramática internalizada, sendo organizada intuitivamente pelo falante a partir de sua exposição à língua quando fala, ouve, vê ou escreve, isto é, a ideia de como construir frases que, desde cedo, estão patentes no íntimo da criança.
Em casa, a criança já se comunica com os membros da sua família, já percebe e é percebida. Uma criança, por mais que desconheça as regras gramaticais, não diria “ vou casa a eu”, querendo dizer “eu vou a casa”.
Logo, ela já tem ideia de como se deve construir uma frase. O que falta, apenas, na visão de Santos (2009), é que se aprimore a “gramática internalizada” da criança.
Esta última é mais uma que deve fazer parte da tipologia das gramáticas.
Num universo de diferentes gramáticas, a luta mais sangrenta tem sido a da não colocação de mãos dadas entre a normativa e descritiva, assim como se tem incentivado os professores a, na sala de aula, vestir-se de professor (normativa) e linguista (descritiva).
É por isso que Marques (2005), sublinha que “quem dedica parte do seu tempo a divertir-se com questões de língua e de gramática não se pode dar ao luxo de se agarrar a uma gramática e seguila indiscutivelmente […].
Ele tem de ter consciência de que a língua é objecto constante de observação, de estudo, de análise, por parte de gente curiosa e de gente sabedora com o apoio de instrumentos de investigação superior”.
De facto, há muitas questões abertas, a olhar para o dinamismo e as interpretações linguísticas. Logo, não se pode absolutizar as questões da língua, principalmente quando se olha, apenas, para uma ou duas gramáticas.
E, caro leitor, se visse uma luta entre as gramáticas? Acabá-la-ia?
Por: Pedro Justino “Cabalmente”
•Professor e Académico