Os pastores que perderam dezenas ou centenas de cabeças de gado, no Cunene, por conta da seca, viram a sua fé desmoronar. A dúvida de que um dia conseguirão recuperar a criação persistiu em seus corações até os seus olhos verem a abundância de água para pessoas e animais no Canal do Cafu
Província do Cunene. Extremo Sul do país. Nesta região, a pecuária é a actividade predominante, pois a posse de gado bovino simboliza riqueza e poder. Homens e mulheres dedicaram décadas e investiram todo esforço para conseguir estas propriedades. Houve quem tivesse ultrapassado a cifra de cem. Ano de 2019. Primeiro trimestre sem chuva. O que parecia ser normal agravou-se com o passar de meses sem a queda de chuvas. Então, o inesperado aconteceu: seca na região. Homens e animais sem comida e água.
Os proprietários ficaram na decisão entre sal- varem-se a si próprios ou o gado. Eram muitas cabeças. No entanto, optaram pela destruição da flora, queimando árvores para o fabrico e venda de carvão. Com o dinheiro adquirido, compravam água e alimento para a preparação de farnéis.
A missão é conservar a vida humana, mas também não deixar os animais morrerem. Do município do Kwanyama, homens e mulheres, entre anciãos, mancebos e crianças, percorreram cerca de 200 quilómetros à pé acompanhados de centenas de bois até chegarem ao rio Cuvelai, onde, além da água, havia também capim para os animais. A viagem era custosa e com o estômago praticamente vazio. Não se podia levar grandes reservas de alimento, por conta do peso. Comiam, essencialmente, bolinhos.
Passo a passo, os pastores peregrinos eram consolados cada vez que se aproximavam do destino e animados com as conversas e contos da circunscrição durante o per- curso. De repente, animais começam a cair ao meio do caminho. “Será um simples desmaio”? Questionavam-se. A resposta não tardava. Chegava logo após tocarem os seus corpos e perceber que tinham, de facto, morrido. A alegria, imediatamente, foi substituída pelo sentimento de tristeza. “Houve choros”, recorda aos suspiros Ernesto Tuavale, um proprietário e pastor de gado, que assistiu à morte de 160 cabeças de bois, em 2019, ao meio do caminho para o município de Cuvelai.
“Nós chora- mos, porque leva tempo para conseguir ter os animais”, acrescentou. Jovem, com 35 anos, Tuavale considera aterrorizantes os episódios que viveu naquele caminho trilhado quando tentava salvar os seus animais. No entanto, em contrapartida, testemunhou os momentos em que estes caiam ao chão sem vida por falta de água e capim. “Estavam há dias sem comer e sem beber”, conta.
“Eu tinha 40 bois e todos morreram no caminho. Eu levei um to- tal de 280 cabeças ao Cuvelai, mas voltei aqui apenas com 120. Os outros 160 morreram no meio do caminho. Por isso, hoje, o canal está a ajudar muito. Um dia vamos recuperar a nossa criação, apesar de toda dor que ainda sentimos”, acreditou.