As instituições de ensino ligadas ao sector privado têm estado, cada vez mais, a optar pela utilização de manuais de editoras estrangeiras, em detrimento dos distribuídos pelo Ministério da Educação (MED), para os alunos do ensino primário. Os responsáveis apontam para a fraca qualidade e a exiguidade dos materiais, por um lado e, por outro, o facto de o MED não ter manuais suficientes para todos os colégios
Os manuais escolares são vistos como instrumentos de particular importância, no pro- cesso de ensino e aprendizagem, principalmente para alunos que estejam a frequentar as classes que constituem o ensino primário. Esta terá sido a razão pela qual o Ministério da Educação procede a distribuição de manuais destas classes, nas escolas públicas e privadas, no princípio de cada ano lectivo. No presente ano, por exemplo, foram distribuídos mais de 48 milhões de livros, segundo o secretário de Estado para o Ensino Pré-Escolar e Ensino Primário, Pacheco Francisco.
Não obstante a quantidade, este número ainda se revela insuficiente para atender todos os alunos, nos colégios e nas escolas públicas, facto que tem motivado muitos responsáveis dessas instituições privadas a decidirem pela utilização obrigatória de manuais de outras editoras, com realce para a Plural Editores. Além do facto relacionado com a quantidade, os gestores de colégios reclamam, também, daquilo a que chamaram de melhor organização em termos de dinâmica pedagógica, o que reforça neles a necessidade de migrarem para livros que oferecem melhor qualidade de ensino.
Num dos colégios mais antigos da capital do país, o Elisângela Filomena, o uso de livros da Plural Editoras é feito há pelo menos oito anos, e é obrigatório há cinco, por conta de uma política definida pela direcção-geral, de acordo com a coordenadora pedagógica para o Iº Ciclo, Teresa Monteiro. A responsável avança que a implementação do livro foi feita de forma gradual, sendo que, numa primeira fase, o uso era facultativo, em que a compra dependia da vontade dos pais, evoluindo, mais tarde, para uma articulação com os livros do MED, até chegar à fase obrigatória. “Em termos de dinâmica pedagógica, sentimos que os manuais da Plural estavam melhor organizados, embora tenhamos aqui alguns manuais do Estado que não deixam de o estar. Aquele é mais dinâmico, mais actualizado, então optamos por isso”, esclareceu.
Duas razões em frente da escolha
Acrescentou que a realidade se deve a pelo menos duas razões, sendo uma das quais a organização dos conteúdos, propriamente a qualidade das ilustrações que esses comportam e a questão relaciona- da com a mancha gráfica.
“Por outro, se calhar, deve-se à grande dificuldade que nós ainda sentimos na questão da distribuição desses materiais por parte Estado”, disse. A coordenadora pedagógica diz que a sua instituição está há anos a viver apenas de promessas do MED de que serão contemplados com manuais gratuitos. “Na realidade, isso não se faz sentir”, sendo que a determinada altura os livros começaram a escassear, até no mercado informal. “Se o Estado tivesse, realmente, manuais para todos, sem dúvida alguma que as oportunidades de aprendizagem estariam mais equilibradas. Esta é a minha opinião”, disse.
Alunos sem manuais não são excluídos
Apesar de estarem a utilizar estes materiais há cerca de oito anos, o Colégio Elisângela Filomena procura sempre ponderar a exigência, principalmente quando os encarregados se mostram sem capacidade financeira, num determinado momento do desenrolar do ano lectivo. Entretanto, considerou complexo o facto de permitirem alunos sem manuais, o que dificulta o trabalho dos professores, que precisam de ter todos os alunos munidos desses livros, para o alcance dos objectivos definidos, na planificação de cada aula. “Nós, também, como professores, entendemos a situação. Nem sempre exigimos, assim, a 100 por cento. Mas, de preferência que compre o manual para poder estar no mesmo pé de igualdade, para acompanhar a matéria”, explicou.
Alegações de textos discriminatórios
Segundo aquela responsável, as alegações de racismo trazidas ao público por dois encarregados de educação, através de um vídeo posto a circular nas redes sociais, e que viralizou, dependem muito da interpretação que cada leitor faz ao conteúdo dos textos postos em causa (a Kiôka e o Menino de Todas as Cores). Professora desde 1979, Teresa Monteiro entende que o texto foi colocado, não com a intenção de descriminar, mas, com a de alertar os estudantes para a necessidade de se perceber que o mundo é feito de pessoas diferentes. “Eu não diria que pro- movem o racismo, descriminação, ou o bullying.Isso depende da interpretação de cada um. Temos de ver o contexto em que foi escrito; o objectivo por que foi colocado naquela classe, por exemplo, e a forma como o professor vai trabalhar”, avançou.
“Tínhamos de ter todos os livros para todos os alunos”
No centro da cidade de Lu- anda está o colégio A Colina do Sol. Nesta instituição, sem gravar entrevista, um dos responsáveis disse ao jornal OPAÍS que, neste momento, estão a utilizar os manuais da Plural, pelo facto de o MED não distribuir materiais suficientes para que se possam trabalhar com os alunos. “Nós tínhamos de ter to- dos os livros para todos os alunos. De forma geral, dão uma caixa, e nem sequer chega para todos os alunos. Todos precisam dos livros de leitura.
Então, temos de correr a outras editoras”, explicou. Neste colégio, todos os anos, antes de tomarem a decisão de utilizarem um outro livro, esperam que o ministério faça chegar os devidos manuais. Por outro lado, explicou que não existem grandes diferenças entre os materiais disponibilizados pela Plural, em relação aos do Ministério da Educação, com particularidade do manual de Língua Portuguesa, que, normalmente, traz um ou outro texto diferente.
“Só em Língua Portuguesa é que há alguma diferença. Mas, um texto ou outro que pode ser diferente. A matéria em si é a mesma”, disse. IIº ciclo não tem material do MED O sub-director pedagógico do A Colina do Sol, que lecciona o IIº Ciclo do Ensino Secundário, Mário Seteco, disse que os livros usados na sua instituição são os da Plural e Porto Editora, mormente desta última. Apesar de dirigir uma instituição desse subsistema de ensino, ainda assim, não deixou de reclamar do facto de, diferente do Ensino Primário, o ministério não ter, sequer, materiais para este Ciclo.
“ [O Ministério da Educação] não edita livros para estes Ciclos. Os materiais distribuídos pelo ministério são para o subsistema mais baixo. No IIº Ciclo, os próprios alunos é que vão à procura dos materiais”, pontualizou.