Há 32 anos, Emília Mariana viveu a experiência de ter a segunda filha, de 5 anos de idade, diagnosticada com m ningite. Uma inflamação da meninge, membrana que recobre o sistema nervoso central. Doença grave potencialmente fatal que costuma ser causada por agentes infecciosos, tais como bactérias, vírus e fungos.
Emília Mariana, hoje com 58 anos e com mais conhecimento sobre a doença, se tornou uma profissional de saúde, recua no tempo e lembra dos dias em que a filha, Yolanda Miranda, teve os primeiros sintomas da meningite. Yolanda, menina saudável e de corpo robusto, se apresentava com febre alta. Como é de costume, a mãe achou que fosse paludismo. Carregou a filha até a um centro de saúde privado, no município do Cazenga, onde foi detectada com 1 por campo de paludismo.
Apesar de estar a fazer a medi- cação, a febre persistia em níveis mais altos e ocorria a rigidez da nuca, pelo que a pequena Yolanda não conseguia manter a cabeça concentrada. Quando surgiram as convulsões e a inconsciência, dona Emília despertou-se e levou a filha ao Josina Machel, onde viria encontrar a razão: meningite. Com brevidade, a pequena foi encaminhada de imediato para o sector emergencial, onde se realizou a punção lombar, procedimento médico que consiste na retirada de uma amostra do líquido cefalorraquidiano para análise.
Logo após o procedimento, deu-se início ao tratamento intravenoso com antibióticos e se via progressão no estado clínico da criança. Passado poucos dias, ainda no internamento, a mãe teve de atender a mais um chamado dos médicos. Dessa vez, Yolanda precisava de uma transfusão de sangue com urgência. Sem perda de tempo, e com insistência, contrariando os médicos que a desaconselharam pelo estado deprimido e cansado que apresentava, a mãe foi a única doadora.
O caso de meningite que deu certo
Ao contrário da maioria dos casos de meningite que terminam em óbito, felizmente, essa história teve um final feliz para a do- na Emília. Os procedimentos foram realizados atempadamente e a menina Yolanda, que hoje é uma mulher, conta 36 anos de vida, tem duas filhas e é uma profissional da função pública.
“Na altura, eu não tinha grande noção do que era de facto a meningite, sobretudo pela falta de consciencialização da doença e da sua letalidade. Eu achei que fosse uma doença de fácil tratamento e que não exigia intervenção imediata. Tive sorte, porque não estava a trabalhar e onde quer que fosse, ia com as minhas filhas, dando a possibilidade de notar todas as alterações físicas e comportamentais delas, se não, iria perder a minha filha”.
A meningite não é uma doença hereditária. Mas o facto é que dona Emília teve dois membros próximos da família acometidos com a mesma doença. Assistiu à morte do pai, de 49 anos de idade, por meningite bacteriana, a forma mais letal da doença.
Mínimas ou graves, mas ninguém passa sem sequelas
As sequelas da meningite podem acontecer quando a doença não é identificada no início, quando o tratamento não é bem realizado ou quando o sistema imune da pessoa está bastante fragilizado. Mas a verdade é que, mínima ou grave, a doença deixa sempre algum resquício. “A Yolanda sobreviveu à meningite, mas posteriormente quando começou a estudar, pude notar que ela ficava zonza de um momento para o outro, não assimilava bem algumas orientações e tinha défice de concentração.
Só depois de eu começar a estudar enfermagem é que comecei a tomar conhecimento e consciência sobre as sequelas dessa doença, e que naquela altura, mesmo depois do tratamento, a menina tinha que continuar a receber assistência médica”, disse Emília, mãe da Yolanda. Já adulta, com 36 anos, Yolanda contou que as consequências da meningite, que até hoje percebe, passa por confusão das ideias e difícil reconhecimento por onde já passou, porém, não a impediram de realizar os seus sonhos.
Como Yolanda, Maura, de 15 anos de idade, também é sobrevivente da meningite, no entanto, com sequelas graves que a impedem de levar uma vida normal, inclusive, continuar os estudos. A adolescente adquiriu acentuado défice no desenvolvimento motor, sendo que demonstra falta de habilidades sociais e incapacidade para autocuidado, estando delegado à mãe o auxílio para todas as tarefas. De acordo com dona Maria, mãe da adolescente, a menina nasceu saudável, era uma criança que gostava de brincar com as amigas e dizia desejar ser professora no futuro.
Com 10 anos de idade, viu sua vida mudar por inteiro, quando foi diagnosticada com meningite bacteriana num nível já avançado. Os procedimentos médicos foram feitos e garantiram a sobrevivência da menina, mas Maura viveria com graves sequelas. Paralisia cerebral, deficiência auditiva, défice no desenvolvimento motor e paraplegia estão entre as principais complicações da meningite, uma infecção de elevada mortalidade, que ocorre pela contaminação do sistema nervoso central e pode afectar qualquer um, independentemente da sua idade.
“A meningite pode ter decorrência de outras doenças”
Sobre este assunto, Jerónimo Catumua, médico especialista em medicina interna, referiu que a doença viu o nome actualizado para Meningoencefalite por criar danos nas três camadas que revestem o encéfalo e a medula espinal
Segundo o especialista em medicina interna, a meningite é habitualmente causada por germes infecciosos que atacam o sistema nervoso central, sendo a bacteriana a mais frequente e também a mais letal. Mas, a meningite também pode ter origem do cancro, reacção a algumas drogas, traumatismo craniano e cirurgias cerebrais. Sobre a prevenção, o médico refere que a vacinação é a principal forma de evitar a meningite.
Por outro lado, cuidados com a higiene individual e saneamento do meio se impõem. Ademais, todos que tiveram contacto prolongado ou íntimo com um paciente com meningite bacteriana devem acorrer a uma unidade sanitária com urgência, sendo que se trata de uma doença altamente contagiosa. “Assim estaremos a trabalhar na prevenção e não propagação dessa doença”, sustenta.
Entre os sintomas mais comuns, esclareceu, identificam-se a dor de cabeça muito intensa e persistente, febre acima de 38 graus, rigidez no pescoço, com dificuldade para manter a cabeça firme, convulsões, náuseas, vómitos, intolerância à luz ou sons altos, confusão mental e irritação. Quando ocorrer estes sintomas, o paciente deve ser encaminhado ao hospital depressa, pois a meningite é de progressão e complicações rápidas, segundo o médico.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseando nos sintomas que já são reconhecidos rapidamente. Posteriormente, requisita-se um estudo macroscópico e microscópico do líquido cefalorraquidiano, ou seja, faz-se a punção lombar, a radiografia e tomografia para detectar focos de infecção pelo corpo. “Outros exames de sangue são igualmente importantes para identificar o agente causador da meningite”, refere o especialista.
Crianças são as mais afectadas
A meningite pode acometer pessoas de qualquer idade, mas de acordo com o especialista em medicina interna, a doença é mais frequente e danosa nas crianças de até 6 anos de idade, com realce aos recém-nascidos que acarretam o agente infeccioso através do parto, e devido à sua imaturidade imunitária têm menos chances de sobrevivência. Todavia, adultos também estão susceptíveis a padecer de meningite através de agentes infecciosos e não só, que infectam os órgãos vizinhos, como os ouvidos, garganta e também infecções da pele.
A partir desses órgãos os agentes entram na corrente sanguínea, sendo os tóxicos dependentes, os presidiários, os alcoólatras e os que vivem em zonas endémicas com maior probabilidade de se virem infectados. É possível sobreviver da meningite, porém, o paciente poderá conviver com sequelas graves. Paraplegia, paraplegia cerebral, atraso no desenvolvimento cognitivo, problemas nos rins, amputação de membros, perda de audição foram as apontadas por Jerónimo Catumua.
Segundo a nota da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o surto de meningite em Angola, para o combate efectivo da doença, se recomenda seis abordagens essenciais, designadamente a vigilância epidemiológica, recolha e tratamento de dados, vacinação de rotina, recolha e transporte seguro de amostras, gestão de casos, e comunicação de risco e engajamento contínuo das comunidades.