O angolano Policarpo Baptista, juiz do Tribunal da FIFA, em entrevista exclusiva, a OPAÍS, sobre uma eventual criação do Tribunal Arbitral do Desporto, sublinhou que o desporto nacional não é profissional
O desporto angolano produz factos suficientes para motivar o surgimento de um Tribunal Arbitral?
Em primeiro lugar, temos de compreender que o desporto é um fenómeno social transversal à maior parte das áreas do Direito.
Em segundo lugar, e para responder directamente a pergunta que colocou, o desporto angolano sempre produziu factos jurídicos desportivamente relevantes.
Basta pensar que os factos produzidos são susceptíveis de submeter à apreciação dos tribunais judiciais.
Logo, havendo um Tribunal Arbitral do Desporto, este faria o papel daqueles, dirimindo todos os litígios que, eventualmente, fossem surgir, desde que legalmente possíveis.
E quando se fala do aspecto legal, há toda a necessidade de distinguir dois tipos de arbitragem, a voluntária e a necessária, e é sobre esta última que estamos a falar.
Há falta de interesse dos agentes desportivos para a criação de um tribunal do ramo?
Antes de responder directamente a pergunta que coloca, deixame elucidar-lhe que os agentes desportivos por definição legal, nos termos do artigo 52º da Lei nº5/2014 de 20 de Maio (Lei do Desporto), são incapazes de criar um Tribunal Arbitral do Desporto, logo não se deve falar do interesse desses sujeitos à luz daquele dispositivo normativo.
Quem são os agentes desportivos?
Os agentes desportivos são os praticantes, árbitros (árbitros de campo), técnicos, docentes de educação física, médicos e fisioterapeutas, dirigentes e gestores desportivos. Por conseguinte, a criação do Tribunal Arbitral do Desporto é da competência da Assembleia Nacional, na medida em que tem de ser por via de uma lei.
Quem deve criar um Tribunal Arbitral do Desporto?
A resposta desta pergunta está de certo modo ligada à resposta anterior, isto é, é competente para criar o Tribunal Arbitral do Desporto a Assembleia Nacional por via de uma lei. Nenhuma federação desportiva tem essa competência no âmbito da arbitragem necessária.
Considera o desporto angolano profissional?
Em Angola, não há nenhuma competição, modalidade, desportiva profissional, ou seja, o profissionalismo é visto do ponto de vista subjectivo e não objectivo.
Explique melhor…
Em Angola, não existe nenhuma competição profissional, por exemplo; futebol, basquetebol, andebol, atletismo, etc. e essa conclusão pode ser extraída do que prevêem os artigos 81º e 82º da Lei nº6/2014 de 23 de Maio (Lei das Associações Desportivas).
Dito de outro modo, para que uma modalidade desportiva seja reconhecida como profissional tem de cumprir mercial Angolano ao nº 2 do artigo 2º do Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA, para o caso particular do futebol. Em conclusão, as modalidades desportivas em Angola não são objectivamente profissionais, embora sejam subjectivamente profissionais.
Um tribunal desportivo pode acelerar o fim de litígios no ramo?
Pode sim, aliás é essa uma das grandes razões de ser da sua criação ou institucionalização, toda a doutrina moderna do Direito do Desporto aponta a celeridade como o factor decisivo embora se levantem, igualmente, grandes querelas sobre a constitucionalidade da arbitragem necessária, porém, a grande vantagem é justamente essa, as competições e o calendário desportivo não param e, portanto, a dinâmica requer especial atenção de quem administra a Justiça Desportiva.
Segundo o jurista Mário Freud, o Tribunal de Desporto é uma ameaça à FAF. O que tem a dizer?
Não sou da mesma opinião, pelo facto de perceber que as pessoas interpretam mal a institucionalização de um Tribunal Arbitral do Desporto, na medida em que limitam este tribunal ao futebol, ou seja, o Tribunal Arbitral do Desporto não deve ser criado pensando apenas no futebol, embora seja a modalidade com maior visibilidade se compararmos com as demais. Porém, ele serve para o desporto de um modo geral. Ainda na mesma senda de interpretações erradas, não entendo o que constitui propriamente uma ameaça.
O tema da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto é relevante?
Só é relevante quando colocados sobre a mesa a arbitragem necessária, isto é, por exemplo a lei já define as competência dos órgãos jurisdicionais da FAF, bem como as matérias da competência dos Tribunais Estaduais.
Trata-se de um exercício de interpretação fácil ao alcance de qualquer pessoa que não seja jurista, o artigo 46º da Lei nº 5/14 (Lei do Desporto) é claro ao dizer que naquelas matérias são competentes os órgãos desportivos, mas que o legislador desportivo decidiu reforçar nos artigos 47º e 48º da mesma lei.
Significa que não será da competência de um eventual Tribunal Arbitral do Desporto as questões de natureza desportiva, o que a lei revogada do desporto intitulava de “questões estritamente desportivas”.
Ao fazer tal afirmação queremos deixar vincado que, por exemplo, questões ligadas à dopagem, corrupção no desporto após apreciação dos órgãos jurisdicionais da FAF, o Tribunal Arbitral do Desporto (existindo) é competente para apreciar.
Todas as matérias previstas na legislação desportiva com possibilidade de ser submetida à sua apreciação a um Tribunal Estadual, um futuro Tribunal Arbitral do Desporto será competente, numa lógica de substituição jurisdicional, tanto mais que no actual cenário as coisas se passam da mesma maneira quanto à proibição de levar litígios ao Tribunal Estadual ligados a questões técnicas próprias da lei do jogo, com o Tribunal Arbitral do Desporto manter-se-ia a mesma proibição.
Assim onde estaria a ameaça?
Pode responder…
Se os órgãos jurisdicionais da FAF continuariam a se pronunciar por força da lei. O que não deve ser confundido é a arbitragem voluntária em matéria laboral desportiva por exemplo.
Por se tratar de um litígio arbitrável, ele pode sempre ser apreciado por um Tribunal Arbitral no âmbito da arbitragem voluntária, ou por um Tribunal Arbitral que não seja Desportivo, é tão simples quanto isso. Em suma, o Tribunal Arbitral do Desporto é um tribunal de natureza híbrida, ou seja, ela tem competência em matéria sujeita tanto à arbitragem necessária como à arbitragem voluntária.
Qual é a relação entre a FAF e a ANFA na resolução de conflitos?
Não existe nenhuma relação institucional entre a Federação Angolana de Futebol (FAF) e a Associação Nacional de Futebolistas de Angola (ANFA) no que toca à resolução de litígios, porquanto a resolução de litígios de natureza desportiva é uma atribuição legal que decorre do artigo 46º da Lei nº 5/14 de 20 de Maio (Lei do Desporto), aplicado por força do artigo 97º da Lei nº 6/14 de 23 de Maio (Lei das Associações Desportivas). Portanto, nesse quesito, a única relação possível é de cooperação quanto à sugestão de garantia dos direitos dos jogadores nos regulamentos, porque de outro modo não é possível o Conselho Disciplina ou Jurisdicional da FAF produzir decisões lado a lado com a ANFA.