Os quatro cidadãos nacionais, entre os quais os generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” e Yiu Haiming, de nacionalidade chinesa, podem ser ilibados da maioria dos crimes de que foram acusados e pronunciados, em função de alguns terem sido abrangidos na Lei de Amnistia de 2016 e de algumas alegadas insuficiências que apresenta o documento que sustenta o processo apresentado pelo Ministério Público (MP). O julgamento está suspenso até próxima quarta-feira
O primeiro sinal de que isso poderá acontecer foi manifestado pelo advogado João Gourgel, defensor do general Koppelipa e do também advogado Fernando Gomes dos Santos, no momento em que procedia, ontem, no Tribunal Supremo, à apresentação das questões prévias.
Segundo o jurista, a Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto (Lei de Amnistia) contempla todos os crimes puníveis com penas de até 12 anos que foram cometidos de 11 de Novembro de 1975 a 11 de Novembro de 2015. Deste modo, podem cair por terra a acusação de que os arguidos praticaram os crimes de burla por defraudação, falsificação de documentos, associação criminosa, abuso de poder e tráfico de influências.
Para fundamentar a sua posição, o causídico recorreu a um relatório elaborado pela equipa de magistrados do próprio Ministério Público, destacada da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), que conduziu a instrução preparatória deste processo, no qual atesta que, com excepção dos crimes de peculato e de branqueamento de capitais, os demais crimes estão amnistiados por força da referida lei.
“A questão prende-se em se sa- ber por que razão a acusação não acolheu essa conclusão e, ainda assim, acusou o arguido [Kopelipa] em todos os demais crimes constantes da acusação. Portanto, é nosso entendimento, tal como o Ministério Público assim concluiu, que, efectivamente, esses crimes estão amnistiados por força da aplicação dessa lei”, fundamentou João Gourgel.
Ainda em defesa do general Kopelipa, protestou também o facto de o seu constituinte estar a responder pelos crimes de branqueamento de capitais e de burla por defraudação. Sustentou o seu ponto de vista, alegando que os preceitos penais carregados para os autos e nos quais o Ministério Público baseia a acusação do cometimento do crime de burla por defraudação, não são subsumíveis aos preceitos legais incriminadores.
“Os preceitos penais, e no caso do crime de burla por defraudação, apenas referem-se a bens mó- veis, dinheiro e títulos. Portanto, não escapa ao nosso entendimento a razão pela qual, tratando-se de descaminho de imóveis, na opinião do Ministério Público, foi qualificado esse comportamento como crime de burla por defraudação”, fundamentou.
Em relação ao Fernando Gomes dos Santos, João Gourgel afirmou que o Ministério Público está a criar um facto inédito ao acusar um advogado de práticas criminosas, por causa de actos por ele praticados no exercício das suas funções.
“A defesa do arguido Fernando Gomes dos Santos requer a absolvição dos actos criminais imputados a si, porquanto, à sua intervenção neste processo, está circunscrita a prática de actos de advogados, tais como, constituição de empresas, alteração de pactos sociais, cessão de quotas, admissão de no- vos sócios e o aumento de capital social”, frisou.
Acrescentou de seguida que “frutos de interpretação extensiva e de preceitos penais incriminadores, o Ministério Público transformou estes actos, em actos criminosos, independentemente da protecção do exercício de advocacia”.
Bangula Kemba “desmonta” acusação
Bangula Kemba, defensor do general Dino, manifestou a mesma posição em relação aos crimes que terão sido abrangidos pela referida Lei de Amnistia. Ainda as- sim, argumentou que nos crimes que existem várias modalidades de condutas, como são os casos de associação criminosa e de tráfico de influência, bem como o crime de branqueamento de capitais, as leis vigentes exigem a indicação dos actos praticados pelos argui- dos que se traduzem neles.
Entretanto, no seu ponto de vista, o Ministério Público falhou por ter feito uma mera indicação dos crimes na epígrafe na acusação, quando, por força da lei, não basta a indicação do número do artigo e do tipo de crime que se acusa o arguido. Por essa razão, requereu a absolvição do seu constituinte destes três crimes e que seja mandado “paz e liberdade”.
Recorrendo ao próprio documento elaborado pelo Ministério Público, na qualidade de detentor da acção penal, Bangula Kemba afirmou que o mesmo transmite a mensagem de que o seu constituinte é inocente e que só passou a intervir na empresa China International Found (CIF), uma das principais empresas envolvidas no suposto esquema de “saque” ao erário, a partir de 2016. Alegou que, porém, desta data até 2022, não foram praticados nenhum acto de transferência, pagamento e reembolso, isto é, nenhuma operação financeira, e os alegados crimes a que a acusação faz referência ocorreram de 2004 a Outubro de 2015.
O advogado afirmou que os fundamentos apresentados pelo Ministério Público como indicadores de que o antigo chefe das Comunicações do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, come- teu os crimes de tráfico de influência, associação e de branqueamento de capitais não colhem. Para justificar o seu ponto de vis- ta, alegou que o próprio Ministério não conseguiu precisar no referido documento quais os actos o general praticou que se configuram nestes tipos de crimes.
“A afirmação do Ministério Público sobre o crime de tráfico de influência é nula porque não indicou as condutas”, frisou e, para dissipar eventuais dúvidas, usou como exemplo a posição que o Ministério Público assumiu numa situação semelhante que ocorreu no Caso 500 milhões de dólares, que foi julgado pela mesma Câmara Criminal do Tribunal Supremo. No seu ponto de vista, o mesmo se aplica ao crime de branqueamento de capitais.
Advogado diz que general Dino “está a ser tratado como um farrapo humano”
O advogado do Bangula Kemba afirmou, no Tribunal Supremo, que o general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, “está a ser tratado como um farrapo humano” por estar interdito de sair de Luanda e ter os passaportes retidos há mais de cinco anos. De acordo com o causídico, o general Dino “está preso a céu aberto”, quando a lei estabelece que a aplicação desta medida de coação é válida apenas por um ano.
“A lei estabelece que se deve aplicar pena determinada e nós estamos há cinco anos com essa medida. Ela é desnecessária e desproporcional”, frisou. Acrescentou de seguida que “não há fundamento nenhum para que o seu constituinte esteja preso a céu aberto há cinco anos. Isso é tratá-lo como um farrapo humano”.
Para o Bangula Kemba, a medida de coação aplicada ao general Dino, que é a de término de identidade e residência, quer à luz da Lei das Medidas Cautelares vigente e quer do novo Código de Processo Penal, se encontra extinta há mais de cinco anos. Deste modo, alega que se está diante de uma flagrante violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da proibição da aplicação de penas indeterminadas, do princípio da presunção de inocência, entre outros.
Tudo nas mãos da juíza Anabela Valente e pares
A equipa de juízes do Tribunal Supremo, liderada por Anabela Valente, suspendeu a sessão de julgamento até o dia 19, enquanto aguarda que o Ministério das Relações Exteriores (MIREX) indique o tradutor de mandarim para que Yiu Haiming possa perceber o que se está a passar. O advogado Adriano Salupela decidiu não apresentar as questões prévias em defesa do arguido de nacionalidade chinesa por falta de tradutor.
Anunciou que se fazia acompanhar de um, mas a juíza-presidente da causa afirmou que têm de aguardar por um tradutor disponibilizado pelo MIREX. Por outro lado, além de terem de analisar as respostas a darem aos requerimentos apresentados pelos defensores dos generais Dino e Kopelipa, os juízes têm ainda de atender a um recurso de inconstitucionalidade apresentado pelo advogado Benja Satula. Este advogado requereu, a instante, a suspensão do julgamento por existir um recurso de inconstitucionalidade que interpôs junto do tribunal constitucional, a favor das suas três constituintes, as empresas China International Found (CIF), Plansmart International Limited e Utter Right International Limited Explicou que, após o desfecho da instrução contraditória, as suas constituintes interpuseram recurso nos termos da lei em vigor na época, junto do juiz das garantias, sobre o qual recaiu um despacho de indeferimento.
Inconformada, a defesa recorreu ao juiz-presidente do Tribunal Supremo que, por sua vez, entendeu que a lei nova era a mais favorável para as arguidas do que a vigente na data. “Porque entendemos que o referido despacho feria de morte o direito fundamental ao recurso deste despacho, interpusemos um recurso ordinário de inconstitucionalidade nos termos da Lei 3/2008, Lei do Processo Constitucional, do qual coube um parecer favorável do Tribunal Constitucional e, posteriormente, uma decisão de indeferimento limitada com o fundamento na existência de uma data para o julgamento na jurisdição comum, que foi admitido e está em curso”.
Por isso, requereu que o tribunal observe o efeito suspensivo do tribunal ordinário e a junção do despacho e a notificação ao pro- cesso. Benja Satula afirmou que o Ministério Público não pronunciou as empresas que de- fende de alguns crimes, como o de burla por defraudação. No seu ponto de vista, neste caso, não faz sentido a acusação de crimes de branqueamento de capitais e de tráfico. No seu ponto de vista, por esse motivo, elas devem ser constituídas declarantes para ajudar no processo.
“Tendo em conta que as empresas não foram pronunciadas nos crimes de burla por defraudação, associação criminosa e de falsificação de documentos, entende a defesa dos arguidos que inexistem elementos suficientes, isto é, ilícitos subjacentes geradores de proventos que justifiquem a manutenção do crime de branqueamento de capitais e a inexistência da continuidade do crime de tráfico de influência por falta de pressupostos constituído no tipo”, argumentou. A segunda questão prévia apresentada por Benja Satula tem a ver com um recurso interposto pelas arguidas, depois de ter sido elaborada a pronúncia do caso