O grupo Ngongo também teve grande importância, com artistas notáveis como Rodão Ferreira e Armando Corrêa Azevedo, que ajudaram a consolidar o legado teatral do país.
Após a Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975, o cenário teatral passou por profundas transformações, com a criação de marcos como o Elinga Teatro e a Escola Nacional de Teatro e Dança, em 1976. A sua massificação foi impulsionada pela formação de novos talentos e pela criação de grupos teatrais em diversas regiões, mesmo durante a guerra civil, que teve início em 1992 até 2002.
A partir de então, o país vivenciou uma série de iniciativas para a sua promoção, como o curso de Instrutores de Teatro em 1978, que massificou a arte cénica em várias regiões, mesmo durante a guerra civil, solidificando a base para o teatro angolano contemporâneo.
António Oliveira “Delón”, actor e uma das principais figuras do teatro angolano, relembra que, entre os artistas mais respeitados do período colonial, destaca António Van-Dúnem, um dos maiores intérpretes da época, e os comediantes Gabriel Leitão e Domingos Van-Dúnem, em feliz memória, este último conhecido pela obra Auto de Natal, lançada em 1972.
Com a independência, segundo António Oliveira, o cenário teatral angolano sofreu transformações significativas. Em 1975, o Elinga Teatro foi um dos primeiros grandes marcos na nova era do teatro angolano.
No ano seguinte, em 1976, a criação da Escola Nacional de Teatro e Dança, sob a direcção da brasileira Teresa Santos, trouxe uma renovada onda de formação e profissionalização no campo das artes cénicas.
“Nesse mesmo ano, a grande estreia da obra História de Angola, no São Pedro da Barra, se consolidou como um dos maiores projectos teatrais realizados após a independência”, disse Delón. Relembra que, o ano de 1977 trouxe uma novidade importante: a primeira direcção de um grupo de teatro angolano fora do país, com a participação de membros da Escola de Teatro e Dança no Festival Nacional de Artes Negras, na Nigéria.
Seguiram-se, então, vários outros projectos de formação e massificação do teatro, como o curso de Instrutores de Teatro, que teve início em 1978, com a orientação de professores cubanos, entre os quais Inácio Gutierrez, um dos grandes nomes das artes cénicas latino-americanas.
Delón explica que, a criação do curso de instrutores de teatro, em 1978, e a formação de novos talentos tiveram um papel fundamental na expansão do teatro em todo o território nacional.
Os instrutores formados assumiram a missão de massificar o teatro, com a criação de grupos de teatro em fábricas, escolas, unidades militares e paramilitares, levando espectáculos a várias localidades do país, mesmo durante o período da guerra civil.
Este movimento de popularização do teatro ficou marcado por um grande projecto nacional que, ao longo dos anos, contribuiu para o surgimento de novos grupos e talentos.
Evolução significativa Na década de 1980, conta o artista, o teatro angolano viu um crescimento significativo, com a realização de festivais importantes, como o FANACULT, e encontros de reflexão sobre o estado do teatro, como o Mítico Teatral. Nesse período, surgiram grupos de grande destaque como o Horizonte Nzinga Mbandi, Etu Lene, Grupo Julu, Oásis e muitos outros, que ajudaram a consolidar o movimento teatral no país.
Em 1982, um grupo de artistas, incluindo Delón, recebeu bolsas de estudo em Portugal, o que possibilitou a formação de novos profissionais nas artes cénicas. “Ao longo dos anos 80 e 90, o movimento teatral continuou a crescer, com iniciativas como o Teatro das Quintas-Feiras no Teatro Avenida, as temporadas teatrais e festivais de grande porte.
Em 1978, o Grupo Experimental de Teatro, criado a partir dos instrutores de teatro, foi fundamental no desenvolvimento da cena teatral em Angola, levando peças importantes, como “Domingo Xavier”, de Luandino Vieira, a várias regiões do país”, explicou. Hoje, 50 anos após a independência, António Oliveira considera que o teatro continua a ser uma das principais formas de expressão artística, com a criação de festivais internacionais, como o Circuito Internacional de Teatro e o Festival Internacional de Teatro de Cazenga (FESTECA), além de eventos regionais em outras províncias do país, onde o teatro se consolidou como uma arte vibrante e popular.
Embora os desafios permaneçam e a qualidade do teatro angolano tenha ganhado reconhecimento internacional, considera haver a necessidade de mais espaços adequados para apresentações e uma política pública de incentivo, como o Fundo de Apoio aos Criadores, que deve ser reativado. Com a criação de três entidades de gestão colectiva de direitos autorais (SADIA, UNAC-SA e AUDAC), para o artista, a luta pela regulamentação e transparência nesse campo continua.
Porém, a SADIA, criada nos anos 80, cuja licença foi cancelada no ano passado, considera uma das principais entidades para a gestão dos direitos dos artistas angolanos, mas que a sua licença foi recentemente suspensa, o que gerou um clima de incerteza no sector.
“Se, por um lado, as condições ainda deixam a desejar em termos de infraestrutura e apoio institucional, por outro, o entusiasmo e a qualidade da produção teatral continuam a crescer, com uma geração de artistas que busca reflectir, provocar e emocionar o público angolano e internacional. O teatro em Angola, sem dúvida, está em constante movimento e continuará a desempenhar um papel central na cultura do país”, sublinhou.
Teatro como veículo da cultura no período pós-independência
Salvador Freire dos Santos, veterano do teatro angolano, apresenta uma reflexão profunda sobre a evolução do teatro em Angola, com ênfase na sua trajectória desde os anos pós-independência até os dias actuais. Para o veterano, o teatro angolano já viveu um período de grande reconhecimento e êxito, mas actualmente se encontra em uma fase de estagnação.
O artista, formado em 1978 no primeiro curso de instrutores de teatro do país, participou activamente deste movimento inicial, conta que a história da arte em Angola começou a ser estruturada de maneira mais formal após a independência, nos anos 70, quando a arte cénica foi reconhecida como uma forma fundamental para o desenvolvimento cultural do país.
Esse curso foi promovido pelo então Conselho Nacional da Cultura, com o apoio de especialistas cubanos que vieram a Angola para formar profissionais que, posteriormente, seriam espalhados pelo país, com o objectivo de incentivar o desenvolvimento das artes cénicas, principalmente no teatro. Um momento que considera promissor.
“O teatro já esteve muito bom, em um nível bastante alto, onde não havia comparação com outros países que conquistaram a independência antes de Angola.
A busca por um teatro que representasse a cultura do povo angolano foi um dos principais objectivos desse período”, afirma. Nos anos 70 e 80, o teatro em Angola passou por uma evolução significativa.
Durante esse período, surgiu o Grupo Experimental de Teatro, que foi um dos primeiros grupos profissionais do país. Esse grupo era sustentado pelo Conselho Nacional da Cultura e, mais tarde, pela Secretaria de Estado da Cultura. Tinha uma estrutura semi-profissional que permitia aos artistas viver do teatro e realizar espectáculos que, muitas vezes, eram transmitidos na televisão nacional.
Além disso, foi criado o programa Tribuna Cultural, onde grupos teatrais exibiam suas obras semanalmente, um marco importante para a disseminação da arte em todo o país. Para o também advogado, esses anos marcaram uma fase de grande produção e relevância para o teatro angolano, onde puderam fazer a representação cultural da nossa identidade.
Declínio e os desafios
Contudo, disse, esse apogeu não durou. Segundo Salvador, a partir de um determinado momento, o teatro começou a sofrer uma queda acentuada. Destaca que um dos principais problemas enfrentados foi a falta de apoio institucional e de infra-estrutura.
“Quase todas as salas de teatro foram destruídas, e hoje temos um país onde o teatro é feito em espaços improvisados”, observa. A estagnação, referiu, também foi causada pela falta de políticas públicas voltadas para as artes e pela escassez de formação contínua.
Muitos dos profissionais que haviam sido treinados começaram a migrar para outras áreas, já que o teatro não oferecia mais condições de sustento ou oportunidades de crescimento. Esse movimento de degradação apesar de não significar uma total regressão, representa uma estagnação na arte teatral.
“Não regredimos muito, mas estamos estagnados. O teatro não avança, precisa de um apoio institucional real que aponte para a sua elevação”, disse. A falta de uma companhia nacional de teatro e dança, como existiria em muitos outros países, é um dos pontos que considera mais críticos para o futuro da arte cénica no país.
Formação e apoio institucional
Embora o teatro no país esteja a passar por um momento difícil, Salvador acredita que temos ainda um grande potencial para se reerguer. Destaca que a formação de profissionais, como actores, encenadores e técnicos, ainda existe, mas, infelizmente, muitos desses profissionais não são aproveitados adequadamente.
Para si, é imprescindível que haja uma política de educação que integre o teatro nas escolas, como uma disciplina reconhecida e valorizada. Além disso, defende a criação de mais cursos especializados para dar continuidade à formação de profissionais com conhecimento científico e técnico. “Precisamos ter dramaturgos, actores formados, encenadores, ilumino-técnicos, toda a gama de especialistas que fazem o teatro funcionar”, explica Salvador.
Melhores momentos no campo das artes cénicas
Adérito Tchiuca, um dos artistas que também se destaca nesta arte, compartilhou com nossa equipe uma análise crítica sobre o estado actual do teatro em Angola. Referiu que, apesar de certos avanços, o cenário cultural angolano ainda carece de um olhar mais atento e estruturado das autoridades. Descreve que o período entre 1992 e 2008 foi, sem dúvida, o auge do teatro nacional.
Durante essa fase, o Ministério da Cultura trabalhava de forma integrada com a educação, o que permitiu que o país vivesse seus melhores momentos no campo das artes cénicas. O também director do grupo teatral Damba Maria, da província de Benguela, reconhece que, naquele período, Angola teve “os melhores momentos de teatro”, com uma gestão focada no crescimento da cultura nacional e no fortalecimento de sua identidade.
Faz um elogio especial ao ex-ministro Boa Vida Neto, que, em sua visão, foi o melhor titular da pasta da Cultura desde a independência do país. No entanto, a partir de 2008, o cenário começou a se transformar. A falta de incentivos e o aumento do custo de vida dificultaram o acesso do público às salas de teatro, impactando negativamente as produções.
“O teatro cresceu em questões de encenação e dramaturgia, mas perdeu público, especialmente devido à crise social e à falta de apoio nas escolas. A situação cultural do país tem evoluído de maneira complexa, com avanços pontuais, mas também com desafios que colocam em risco a continuidade e a qualidade da produção artística”, analisa Tchiuca.
Segundo o artista, a constante mudança no comando do Ministério da Cultura, com mais de três ministros em menos de cinco anos, demonstra uma falta de continuidade e visão a longo prazo para o sector. Um dos maiores desafios, segundo o director, é a falta de profissionalismo no teatro angolano. Explica que, embora novos grupos estejam a surgir, ainda não há uma estrutura sólida e profissional que permita aos artistas viverem da arte cénica.
Teatro comercial inibe aspectos culturais
Tchiuca destaca também que muitos dos novos grupos estão cada vez mais focados no lado comercial do teatro, desviando-se dos conteúdos locais e culturais, e trazem influências da dramaturgia europeia e brasileira. Isso, segundo ele, resulta em uma forma de arte voltada mais para agradar ao público e gerar lucros do que para promover uma reflexão profunda sobre a sociedade angolana.
“Estamos num teatro muito competitivo, onde a principal preocupação é quem é o melhor, e não a verdadeira qualidade artística”, comenta. Falta de espaços adequados A infra-estrutura deficiente é outro ponto crítico na análise de Tchiuca.
Observa que, após a independência, poucas salas de teatro foram construídas ou recuperadas, o que tem dificultado o desenvolvimento do teatro em várias partes do país, especialmente em cidades como Benguela, onde não há nenhuma sala de teatro construída desde a época colonial.
“Temos defendido junto ao Governo e ao Ministério da Cultura a requalificação do Cinema Monumental e a construção de novas salas, além da criação de casas de cultura”, afirma.
Para Tchiuca, a requalificação da antiga Assembleia Nacional para ser transformada em um espaço cultural seria uma grande conquista pós-independência. Acredita que, se bem implementada, essa acção poderia não só beneficiar Luanda, mas todo o país, ao oferecer mais dignidade aos artistas e melhores condições para a cultura do país.
Necessidade de reforma e regulamentação
Um dos pontos mais urgentes, de acordo com Tchiuca, é a regulamentação da profissão artística no país. Embora a carteira profissional do artista tenha sido lançada entre 2022 e 2023, afirma que a mesma ainda não tem o valor e a aceitação que deveria ter. “Muitos de nós recebemos a carteira, mas ela expirou sem nunca ter sido útil. Para o artista, ter ou não ter essa carteira acaba não fazendo diferença”, observa.
O director defende que a Associação Angolana de Teatro (AAT) precisa actuar de forma mais decisiva, trabalhando junto à Presidência da República para garantir a efectivação e publicação da regulamentação, algo que considera crucial para a valorização da classe. “Se o Ministério da Cultura não incluir a AAT no Orçamento Geral do Estado e não lutar pela execução da lei do Mecenato, as actividades continuarão limitadas”, conclui Tchiuca.
Iniciativas para impulsionar a arte no país
Tony Frampénio, presidente da AAT, avaliou o panorama do teatro nacional, destacando que, embora tenha havido progressos ao longo dos 50 anos de independência, ainda existem desafios significativos. “Podemos dizer que a avaliação do teatro ainda não é o que esperamos, apesar dos muitos ganhos. Após um longo período de guerra, apenas recentemente, nos últimos 10 a 15 anos, começamos a ver mudanças significativas no cenário cultural, com uma atenção maior ao teatro”, afirmou.
A criação de instituições de ensino, como o Complexo das Escolas de Arte (CEARTE) e a Faculdade de Arte (FART), no último decénio, representou um avanço na institucionalização do teatro. Embora o teatro ainda não faça parte do currículo do ensino geral e as escolas se concentrem em Luanda, já é possível perceber o impacto positivo da formação.
Além disso, novos centros de formação no Bengo e no Bié têm ajudado a expandir as oportunidades de aprendizagem. “A guerra destruiu muitas salas de teatro e cinemas, e a prioridade da paz foi a construção de hospitais e escolas. Só mais recentemente começamos a requalificar esses espaços”, explica Frampénio.
O presidente da AAT também destaca os avanços na requalificação de locais culturais, como o Palácio dos Congressos, que será rebaptizado como Palácio da Música e do Teatro e Casa do Artista, e a proposta da AAT para que seja chamado de “Palácio das Artes”.
“Nos últimos dez anos, o país construiu novos centros culturais, como o maior no Huambo, o Manuel Rui Monteiro, e outros estão sendo requalificados, como o Cine Teatro Nacional Chá de Caxinde e o Cine Monumental, em Benguela”, disse.
Contudo, Frampénio enfatiza a necessidade de políticas públicas mais específicas para o sector, como a implementação da lei do Mecenato e a criação de fundos de apoio ao teatro.
Em relação à gestão de espaços culturais, destaca um grande problema: a falta de salas adequadas para os artistas. “Com mais de 10 mil jovens praticando teatro, se tivermos mais salas, os artistas poderiam se sustentar financeiramente. Mas, infelizmente, a gestão dessas salas tem sido realizada por pessoas que não compreendem a realidade do teatro”, aponta.
O também encenador e escritor critica, por exemplo, o alto custo do uso de salas como o Centro Cultural Manuel Rui Monteiro, que cobra taxas exorbitantes, como a cota de 600 mil kwanzas, dificultando o acesso dos grupos.
“A gestão desses espaços deve ser feita por quem tem vivência artística. Se os espaços forem administrados por juristas e economistas, os preços serão insustentáveis para os artistas, que precisarão de um suporte para garantir o acesso às salas”, argumenta Frampénio.
Sobre a requalificação do Palácio da Música e do Teatro e Casa do Artista, que está prevista para 2026, Frampénio espera que o espaço seja gerido de forma mais acessível aos artistas.
No entanto, adverte que, sem a implementação de políticas eficazes, o espaço pode não atingir todo o seu potencial. “Quando um novo espaço é inaugurado, ele deve estar pronto para funcionar, com um corpo de gestão capacitado e um desenho claro de políticas de acesso para os artistas”, observa.
Anfiteatros podem colmatar défices
A AAT trabalha para institucionalizar o teatro e facilitar a utilização de espaços públicos. Frampénio sugere que os anfiteatros das escolas devem ser cedidos para a gestão dos grupos de teatro, como no caso do Horizonte Nzinga Mbandi, que gerência o anfiteatro da Escola Nzinga Mbandi. Uma proposta pode ser replicada em todo o país.
O encenador também observa o crescimento de grupos de teatro independentes, que buscam autonomia financeira através da constituição como empresas, devido à falta de um suporte institucional.
Destaca, porém, que essa mudança não resolve todos os problemas, como a falta de uma rede de salas e a dificuldade de acesso a financiamentos. Por fim, reforça a necessidade de um sistema de carteiras profissionais para os artistas, mas alerta para o risco de a medida ser ineficaz se não houver infraestrutura e apoio adequados.
“Precisamos de um mercado de trabalho sólido e um sistema de apoio que permita aos artistas viver do teatro. Sem isso, a profissão de artista permanecerá insustentável”, conclui.