Jovens estudantes do curso de medicina da Universidade Privada de Angola (UPRA), que se estrearam recentemente na investigação científica por meio de pesquisas que buscaram alcançar objectivos diferentes em volta de doenças infeccciosas, encontraram resultados que convergem e apontam para uma considerável taxa de prevalência da Hepatite B no seio das comunidades
As pesquisas foram feitas por três grupos de estudantes aspirantes a médicos. O primeiro grupo buscou descrever a prevalência da Hepatite B nos estudantes de Medicina da UPRA; o segundo caracterizou a epidemiologia de doenças infecciosas em doadores de sangue do Hospital Geral de Luanda, no período de Janeiro a Dezembro de 2021; e a cargo do terceiro ficou a incumbência de avaliar a epidemiologia das doenças infecciosas na população atendida pelo laboratório da clínica Mediag, de Janeiro de 2022 a Dezembro de 2023.
Estes estudantes, que se propuseram a embarcar no mundo da pesquisa, buscaram alcançar objectivos diferentes, mas o que eles não sabiam é que seriam levados a um dado comum: nas três pesquisas se pôde constatar que a Hepatite B foi a variável mais prevalecente nos registos desses centros clínicos nos períodos analisados.
Denise Nunes, Mardoquel Luemba e Angélica Zediwa foram os estudantes que realizaram a primeira pesquisa. Esta teve uma amostra de 100 estudantes, sendo que foi dividida entre o ciclo básico, isto é, estudantes do primeiro ao segundo ano, e o ciclo clínico, que compreende os do terceiro ao sexto ano.
Itens como a faixa etária, vacinação, número de doses, vida sexual, uso de preservativo foram aferidos no seio dos estudantes de Medicina da UPRA.
Assim, de acordo com os resultados da pesquisa desenvolvi- da pelos referidos estudantes, a maioria tem vida sexual activa e a faixa mais acometida do ciclo básico vai dos 17 aos 22 anos, com 84%, e no ciclo clínico, dos 23 aos 28 anos, com 48%.
“Quanto à reactividade dos testes, num universo de 100 amostras, 8% testou positivo, sendo que no ciclo básico foram 3%, enquanto no ciclo clínico o resultado corresponde a 5%, e pelo número de amostra que nós tivemos, consideramos esta percentagem alta”, esclareceram.
Dessa pesquisa também se pode saber que, em relação ao sexo, 100% dos reactivos do ciclo básico são do sexo masculino e, no ciclo clínico, desce para 67%. No que diz respeito à imunização, avançam que, no ciclo básico, 55% dizem que foram vacinados, ao passo que, no ciclo clínico, esse resultado corres- ponde a 40%.
“Quanto ao número de doses contra a Hepatite B, achamos aqui um dado muito interessante”, disseram. No ciclo básico, os estudantes constataram que 55% não lembrava o número de doses que apanhou, ao passo que, no ciclo clínico, esse resultado ascendeu para 67%.
“Atenção que são estudantes de medicina, que é suposto terem algum domínio e preocupação com estas questões. A partir dessa análise, podemos imaginar o baixo nível de conhecimento dos demais”, lamentaram.
Doadores de sangue do Hospital Geral são maioritariamente reactivos à Hepatite B
A segunda pesquisa que buscou caracterizar a epidemiologia de doenças infeciosas em doadores de sangue do Hospital Geral de Luanda, num período de três anos, teve uma população constituída por todos os doadores de sangue registados no serviço de hemoterapia naquele período.
Os estudantes encontram resultados muito interessantes, bem como preocupantes, e um deles foi também a percentagem de casos reactivos de Hepatite B.
De acordo com os resultados obtidos pelas estudantes Felismina Lutucuta Gonçalves e Cleomenza de Castro, observou-se que no meio das apenas quatro variáveis que são testadas no Hospital Geral de Luanda para doadores de sangue, sendo Hepatite C, HIV e Sífilis, a Hepatite B se apresenta com maior prevalência com 3% dos doadores reactivos.
“Nós trabalhamos com uma amos- tra de seis mil 556 doadores. Para a população, pode parecer que 3% ainda é baixa, mas não, é alta”, disseram.
Sobre a avaliação da segurança do sangue que chegam aos pacientes daquele hospital, estas estudantes do 4.º ano de medicina saíram preocupadas pelo facto de observarem a testagem de apenas quatro variáveis, uma vez que o projecto incluiu as 14 variáveis que, segundo a Organização Mundial da Saúde, devem ser testadas para, de facto, se aferir que o doador está apto ou não a dar sangue.
“Um dos aspectos que despertou a nossa atenção foi o facto de não testarem a malária aos doadores de sangue.
Uma vez que é a principal doença endémica do nosso país, e uma das maiores causas de morte. Deveria ser testada, pois a malária pode estar nos eritrócitos, e o paciente, já debilitado, ao receber este sangue, pode contraí-la”, sublinham.
Aqui, avançam, se pode observar um grande perigo de saúde relacionado à transmissão da malária através do sangue que é transfundido, e também doutras doenças como a Dengue, Filariose, leptospirose, Hepatite A e D, Chikungunya, e outras doenças que não são testadas no Hospital Geral.
As estudantes apelam à testagem segura a nível dos hospitais, baseada em técnicas mais aprimoradas, assim como o aumento na testagem de mais variáveis e, sobretudo, buscar o histórico não só ligado a doenças, mas igualmente ao contexto social do indivíduo, “pois, a saúde se define desse jeito, o indivíduo é bio, psicossocial”, concluíram
Hepatite B predomina com 14% no labora- tório da Clínica Mediag
A epidemiologia das doenças infecciosas é um campo fundamental da Saúde Pública dedicado ao estudo da distribuição, determinação e controle das doenças infecciosas em populações.
A terceira pesquisa, dos estudantes Bezaleel Guerra e Hildegarda Gonga, buscou avaliar a epidemiologia de doenças infecciosas na população atendida no laboratório da clínica Mediag, no período de Janeiro de 2022 a Dezembro do mesmo ano.
Estes estudantes do 4.º ano apresentaram uma amostra de trinta mil 164 casos de pacientes que, no período em epígrafe, testaram positivo à Hepatite C, Malária, HIV, Vírus da Chikungunya, Covid-19 e a Hepatite B – que também surgiu como sendo a mais predominante com 14%.
“Quanto à frequência e distribuição dos casos positivos das doenças infecciosas estudadas na população atendida no Laboratório da Mediag, predominou a Hepatite B, com 14%, seguido da Malária com 4%, enquanto que a menor frequência foi para a Hepatite C com 1%”.
Na distribuição e frequência dos casos positivos da Hepatite B, a pesquisa mostra que a faixa etária mais afectada foi a dos 31 aos 40 anos de idade, e o género foi o masculino, pelo que os estudantes sugerem medidas de saúde pública mais eficientes para o controle da referida patologia.
“Constitui um problema de saúde pública em Angola”
Na sua missão, as universidades têm um tripé: o ensino, a extensão e a pesquisa. Leonardo Rodrigues, na qualidade de decano da Faculdade de Medicina da UPRA, disse que esta é a âncora que determinou o lançamento e andamento destas e doutras pesquisas que os estudantes de medicina tem estado a desenvolver.
Além dos estudantes se iniciarem na pesquisa, há o grande objectivo de produzir conhecimento e ajudar a comunidade, segundo o decano. “Por meio das pesquisas, os estudantes encontraram resultados que devem constituir incógnitas e preocupação e, ao mesmo tempo propor soluções.
As pesquisas são diferentes e perseguiram objectivos diferentes, mas, a dado momento, se cruzaram, ao encontrarem níveis preocupantes de Hepatite B, que já constituem um problema de saúde pública”, disse o decano.
Ademais, em muitas regiões, a Hepatite B já é uma preocupação de saúde pública e, de acordo com Leonardo Rodrigues, Angola não é uma sociedade à margem do mundo, pois, se não se olhar para os resultados dessas pesquisas com a devida responsabilidade, quatro gerações lá mais para frente irão sofrer as consequências.
Actualmente, a vacinação de Hepatite B faz parte do pro- grama alargado de vacinação. Mas compreende, segundo o decano, que deve merecer mais reforço, e é recomendação da academia que as medidas de prevenção sobre a Hepatite B sejam redobradas, sob pena de se ter uma sociedade com uma juventude doente, o que, claramente, irá reduzir a produtividade desejada.
Recomendam conscientização, testagem e vacinação em grande escala
A hepatite B é uma doença infecciosa que provoca a inflamação do fígado e causa lesões graves neste órgão, sendo uma infecção persistente e que pode resultar em problemas como cirrose, insuficiência hepática e carcinoma hepatocelular.
Ela tem muitas formas de transmissão. Pode se por via de objectos cortantes contaminados, pela via vertical, ou seja, da mãe para o filho durante o parto ou depois dele.
Pode ser transmitido também pelo contacto directo do indivíduo com uma pessoa contaminada através de fluidos e por via sexual vaginal, anal ou oral – esta última estimada como a maior via de transmissão.
A recomendação dos estudantes é que a população tome mais atenção na utilização dos objectos cortantes, que opte por usar o preservativo e, sobretudo, haja um controlo por meio de testagem. Recomendam à saúde pública a reforçar as medidas de prevenção por meio de palestras de conscientização no seio das comunidades e a promoção de alargadas campanhas de testagem e vacinação.
POR:Stélvia Faria