O clube Náutico, Clube Naval e o 1.º de Agosto, para além de outros que vão surgindo, são os que mais movimentam a natação em Luanda. Qual é a sua visão sobre o estado da modalidade?
Esta pergunta é muito genérica. No país, temos a Federação Angolana de Natação (FAN) que organiza as provas nacionais. Em Luanda, ganhamos a Associação Provincial de Natação. Naturalmente, as outras províncias deveriam ter também associações. No Huambo, temos um clube que vai precisamente aparecendo nas provas organizadas pela FAN.
Qual é o clube do Huambo?
No Huambo, a Escola de Natação Claubarto Yofina vai dando o seu contributo na modalidade, sendo que já realizou e participou em muitas actividades para atrair mais praticantes.
Ainda assim, em que pé está a modalidade em Luanda?
Nos últimos dez anos, pode-se dizer que o número de clubes aumentou por força da associação e da FAN, que têm a missão de catalogar e controlar os melhores atletas nas provas nacionais.
Quer explicar-se melhor?
Temos um grupo e uma estrutura que coordena todas as actividades das diferentes escolas que existem, mas o Clube Naval, o Náutico e o 1.º de Agosto são os principais, depois temos o ONDA, o Clube de Natação de Luanda (CNAL), ADEO, Barracuda e outros.
Com excepção do 1.º de Agosto, os principais clubes estão ligados ao litoral, a tradição mantém-se?
Não, no passado era assim, porque esses clubes surgiram para acomodar uma certa classe social em Luanda e nas outras províncias, e eram clubes com uma natureza mais focada para a recreação e estavam associados à vela, canoagem e o remo, e esses clubes tinham barcos de pesca que permitiam sustentar a modalidade e, por isso, estavam ligados ao litoral.
Diz-se que o interesse pela natação depende do impulso de alguns encarregados de educação em Luanda. Isso é verdade?
Há um fenómeno que está a acontecer na natação em Luanda e preciso destacar: uma boa parte dos pais em Luanda estão interessados que os filhos façam as melhores marcas possíveis.
Que eles se tornem grandes nadadores e isto tem feito com que os encarregados criem condições para apoiar, no sentido de posteriormente irem para as melhores escolas da Europa.
Os tempos feitos pelos atletas já satisfazem?
Uma boa parte dos nossos tempos estão a crescer substancialmente, porque internamente também fazemos o nosso trabalho. Basta ver nas competições domésticas e internacionais.
Essa responsabilidade é e somente dos pais?
A Federação Angolana de Natação (FAN) tem responsabilidades acrescidas e deve fazer trabalhos mais profundos sobre o treinamento desportivo para se consolidarem as marcas.
Já se pode falar em jovens talentos na natação?
Deve-se criar um sistema de preparação de jovens talentos para a alta competição na natação e isso tem faltado ao país, não é só em relação à natação, mas uma boa parte das modalidades tem esse défice.
É preciso fazer essa selecção de talentos na natação. Isso reflectiu-se na participação de Angola no último Africano que a Piscina do Alvalade acolheu?
Há crianças que devem fazer um volume de trabalho, que quanto à orientação clássica do treinamento desportivo a nível mundial, devem alcançar e, por isso, na participação de Angola no Africano viu-se isso.
Os resultados foram bons e aceitáveis. É preciso ver uma coisa. Quando temos bons resultados nos campeonatos é pela ausência das grandes equipas ou selecções.
Às vezes, escondemos o contexto em que a prova foi realizada e não falamos que a África do Sul e o Egipto, por exemplo, levou a sua reserva, naturalmente que as probabilidades de se conseguir uma medalha aumenta. A competição em Luanda foi qualificativa aos Jogos Olímpicos de Paris 2024, por isso vieram os melhores desses países.
Há um desvalor nesse processo de treinamento?
Esse volume de trabalho de intensidade e meios que se recomendam não são alcançados e, por isso, ficamos muito aquém dessas marcas, razão pela qual os nossos atletas vão para fora e aí conseguem fazer essas marcas, porque muitos trabalham duas ou três vezes por dia.
“A Piscina do Alvalade não tem ginásio”
Num tempo em que as exigências são maiores, falham as condições, falham as medalhas? Há um outro elemento que aqui falha e falta muito. A Piscina do Alvalade não tem ginásio.
Ela até foi remodelada, mas esse aspecto não foi tido em conta para os trabalhos de musculação dos atletas. O ginásio é importante, porque, para o atleta nadar melhor, tem que fazer trabalhos de força explosiva e máxima e, com a ausência, não se faz trabalho desta natureza e isso prejudica o trabalho de selecção de talentos jovens, o que obrigaria a FAN ter um director técnico que entendesse profundamente a preparação de atletas ao mais alto nível, sobretudo sem a intervenção do corpo administrativo.
Por que razão se refere à intervenção do corpo administrativo?
Um dos grandes problemas que temos é esse. Há dirigentes que pensam que entendem melhor que os treinadores em relação ao treinamento desportivo. Essa intervenção tem afectado o rendimento dos atletas.
O crescimento demográfico de Luanda é notório. A Piscina do Alvalade é a única e pública mais conhecida. Devia ou não haver mais investimentos públicos do sector noutros pontos de Luanda?
Em relação a isso, temos que particularizar e entrar profundamente nas questões. Sabe-se que os grandes velocistas são maioritariamente negros, por conta do trabalho diário que fazem.
Em relação à natação, os melhores são os que evoluem na Europa e trabalham mesmo muito, por isso temos que acompanhar a evolução para não se perder a passada.
As condições são somente condições ou deve ser ideais?
Isto é muito importante, porque as condições podem ser criadas, mas elas devem ser ideais do ponto da alimentação, do treino e da gestão que se exige para as modalidades cíclicas no geral.
Se o nadador não tiver alimentação que vá compensar o desgaste de energia que exerce no processo de treinamento, na competição, ele não vai render. É preciso ter atenção a isso.
A nossa população aumenta no Cazenga, em Viana e no Sambizanga, porém é preciso garantir infra-estruturas e condições de alimentação aos jovens, aliás, sem esses elementos, o atleta não ganha massa muscular, fica por falta de alimentação.
O Estado, mediante projectos e programas, aqui, tem que aparecer para apoiar, porque tem potencial, mas não conseguem, porque os clubes nestas modalidades não têm muitas condições.
E os apoios da World Aquatics?
Os apoios da Federação Internacional de Natação (FINA), hoje World Aquatics, mantêm-se e isso serve para incentivar também os pais que continuam a apoiar os filhos nesta modalidade. Por isso, temos que ser mais sérios. É uma brincadeira monitores acompanharem as selecções nacionais.
Porquê?
Um monitor não tem conhecimentos suficientes em termos de trabalhos de alto rendimento para acompanhar uma equipa para o nível que já alcançamos.
Tem que haver seriedade. A formação de quadros desportivos também é um problema nacional. Isto tem que estar regulamentado, ou as pessoas com capacidades profissionais possam ser as únicas, ou também terem a carteira do nível A, B ou C. Isto lesa o desenvolvimento desporto em Angola.
Um treinador de natação pode, hipoteticamente, fazer avaliação de quanto custa formar um atleta para a alta competição?
Em teoria, a formação passa dos dez mil dólares, porque as exigências começam a chegar a partir do momento das conquistas e o número elevado de provas para ganhar rodagem competitiva.
Quem deve ir ao Campeonato do Mundo de natação?
É preciso estabelecer critérios para um nadador ir ao Campeonato do Mundo, no sentido de forçar cada vez mais os atletas a melhorarem as suas marcas e entregarem-se nos treinos.
Muitas vezes, levamos atletas ao Mundial que nem sequer vão a uma final em África. Isso só pode ser má realidade com os atletas que chegam a uma final. Há muitas formas de se fazer com que o atleta cresça, isto é, noutros torneios locais ou internacionais, mas, para o Mundial, só podem ir os melhores.
Se o atleta não tiver nível para chegar a uma final africana e for para o Mundial e tiver uma marca razoável, acomoda-se. Às vezes, gastase muito dinheiro para levar uma comitiva muito alargada aos Jogos Olímpicos e não temos dinheiro para montar um ginásio na Piscina do Alvalade.
Faz sentido?
Risos… Mesmo as nossas marcas, por pontuação, nos levam aos jogos de Paris, porque depois surgem outros critérios de qualificação. As questões de natureza financeira não podem ser descuradas… Por isso, é que devem ir os melhores e não adianta, como às vezes acontece, levar cinco ou seis atletas e ficarem logo na primeira fase, porque os gastos devem justificar o nível do atleta. Temos que mudar e ser mais orgulhosos.
Nos últimos tempos, realizam-se várias provas em Luanda, quanto à sua qualidade e o nível competitivo?
As provas têm crescido muito. Há nadadores a fazerem boas marcas e muitos vão chegando às finais. Sem desprimor aos demais clubes, o 1.º de Agosto e o CNIL têm feito bons resultados e, mesmo a treinarem em Luanda, esses atletas continuam a fazer bons resultados.
Temos uma pirâmide, cuja base é larga e mais lá para frente fica estreita. É preciso trabalhar com os meninos mais cedo para haver depois a selecção de talentos, e o Estado depois os assistir em vários sentidos.
“Em matéria de alto rendimento não se pode alegar o frio como fuga de escape”
Egipto, África do Sul e a Tunísia lideram o ranking africano de natação. Onde é que Angola se enquadra?
Primeiro temos que criar um programa de formação de quadros, de modo que só orienta a selecção quem tiver um nível definido e regulamentado e também assegurar as selecções por idade, seminários e estágios noutras paragens, somente com esse e outros critérios teremos Angola perto ou próximo dos grandes na natação africana.
Há condições para se treinar no tempo de frio?
É importante o Estado criar condições para mais piscinas, sobretudo cobertas e internacionalmente exigidas, porque fica difícil, neste momento, treinar em Angola por conta das baixas temperaturas que se fazem sentir. Se for no Lubango ou no Huambo é insuportável. Em matéria de alto rendimento, não se pode alegar o frio como fuga de escape, porque tudo está programado e deve ser cumprido. A época de frio são de três meses e com esses condicionalismos não se chega lá.
Os testes médicos para a prática da natação têm sido rigorosos?
É preciso ver o teste médico em relação à saúde para poder praticar desporto. O teste mais importante é o electrocardiograma. No processo de selecção, para cada etapa, ao mais alto nível, os atletas são obrigados a fazerem teste de marcas, peso, altura e outros critérios que devem ser rigorosamente estabelecidos. Lia Lima, Salvador Gordo e outros atletas angolanos evoluem no estrangeiro.
Estão ao pé dos melhores?
Primeiro quero felicitar os pais desses nadadores, são muitos, que fazem precisamente esse investimento de enviarem os jovens para o estrangeiro para continuarem a evoluir, uns com bolsa da World Aquatics e outros a título pessoal.
Esses são aqueles que estão a fomentar a natação no país, eles são os promotores das grandes marcas. Não é a FAN, ela aparece em segundo plano e depois dão seguimento e os atletas conseguem a bolsa por via Wolrd Aquatics e devo felicitar também os clubes, que não têm apoio do Estado por via de projectos e programas, mas continuam firmes nesta luta pela natação, que são o ADEO, ONDA, Barracuda e outros.