O ano está no fim. Confesso que apanhou-me de surpresa. Sem me aperceber, passaram-se onze meses e, agora, restam apenas poucos dias para o fim de 2023.
Outrora, o final do ano era aguardado com ansiedade, contávamos os dias nos dedos, demorava a chegar, mas quando o fizesse, encontrava-nos prontos, com as casas enfeitadas, as ruas decoradas, os corações cheios de alegria e de esperança e o bloco de apontamentos na mão.
Era o tempo de balanços, de contarmos os deveres e os haveres, de pegar na nossa lista de planos feita no ano anterior e de ir riscando, com satisfação, todos os projectos que foram concretizados e traçar novos planos para o novo ano.
Mas isso era antes. Para 2023, o melhor é nem fazer balanços. Esse ano mais se pareceu a uma peça de teatro em que os actores não ensaiaram e tentaram fazer tudo de improviso. Correunos quase tudo mal.
Os azares sucederam-se, os preços subiram, o Kwanza perdeu valor, ficamos todos mais pobres, o emprego não apareceu, os engarrafamentos aumentaram, o transporte público ficou mais difícil.
Para piorar, Novembro e Abril trocaram os cintos, e a chuva “só mesmo de água” caiu em quase todo o país e durante quase todos os dias do mês, alagandonos os bairros, inundando-nos as casas e tornando intransitáveis até aquelas ruas e avenidas que eram consideradas as melhores da província.
Como maus actores, esquecemonos das nossas falas e das nossas acções. Ninguém sabe bem o que fazer para impedir essas inundações que, volta e meia, batem a nossa porta e já nem sequer sabemos o que dizer, ou como pedir e, por isso, vamos sofrendo calados, acalentados pela esperança de que cada chuva seja, finalmente, aquela chuva bendita de comida e de kupapatas como cantou o agora famoso Rap Gang.
As malambas aceleraram o desejo de muitos de emigrar.
Perdi a conta dos amigos de quem me despedi, daqueles de quem nem tive tempo de me despedir e dos tantos que estão na calha, em surdina, preparando-se para também partir.
Dizem todos padecer do mesmo mal: essa sensação de impotência diante de problemas que se amontoam e perpetuam e dessa sensação de desespero, dessa falta de fé, de esperança. Canso-me da quantidade de vezes que me perguntam se vou emigrar.
Emigrar exige planificar e eu já não planifico. Sofro de medo só de pensar na quantidade de planos e sonhos que vou adiando consecutivamente, ano após ano. Pareceme que há no cosmos algum tipo de força que zomba conosco.
Que cada vez que vamos crescendo, melhorando pelo menos um pouco, acreditando que chegou a nossa vez de estarmos no topo do mundo, surge uma crise que ninguém sabe de onde vem, nem até onde vai, sempre regada com escassez de divisas, com inflação altíssima, com um trânsito caótico, e com chuva.
Portanto, sei que se começar a planear até mesmo uma simples viagem, os passaportes vão ficar mais difíceis, os vistos ficarão impossíveis, os preços dos bilhetes de passagem vão disparar, até o dinheiro nos ATMs vai desaparecer. Está cada vez mais difícil planear e alcançar os objectivos.
Devem contar-se pelos dedos de uma mão as pessoas que conseguiram alcançar os objectivos traçados na virada do ano. Ficou tudo por fazer. A maior parte de nós cumpriu apenas o objectivo mínimo: manter-se vivo. Outros tantos, infelizmente, nem isso. Por isso, não faço balanços para este ano, nem traço planos para o próximo.
Deixo nas mãos do acaso o que tiver de vir. Espero que me surpreenda e, desta vez, para variar, espero que seja pela positiva.
Se alguma coisa tiver de acontecer, espero que sejam preços mais baixos, um pouco de mais de emprego, um trânsito mais fluído, e que as chuvas não nos estraguem as casas e os bairros.
É o que espero, mas não é um plano, e se nada disto se concretizar no ano que vem, se chegarmos ao final do ano com vida, já será motivo suficiente para celebração.
Por: SÉRGIO FERNANDES
Escritor