A inexistência de instituições de ensino a nível do país, que formem artistas de Jazz, a todos os níveis, e a falta de clubes para que estes possam praticar e desenvolver o estilo, segundo o músico e produtor Jerónimo Belo, constituem as maiores barreiras para a expansão deste género musical em Angola
Em véspera da celebração do dia internacional do Jazz, a ser assinalado no Domingo,30, Jerónimo Belo concedeu uma breve entrevista a este jornal para falar da celebração da data e o estado da música no país.
O Jazz é um estilo que começou nas ruas dos Estados Unidos, com os afro-americanos. Como e quando surge o em Angola?
O Jazz em Angola começou desde a era colonial. Não lhe consigo precisar uma data concreta, até porque já encontrei o estilo, mas posso adiantá-lo que começa a ganhar notoriedade na década de 1930, muito antes da independência, na província de Benguela.
Quem foram os percursores na altura?
Na história do surgimento do Jazz em Angola, isto em finais do século XX, destacam-se alguns nomes importantíssimos: Rogério de Vasconcelos (funcionário português que trabalhou na então emissora radiofónica de Angola, actualmente Rádio Benguela), Rui Romano, funcionário angolano, foi colega e auxilia de Vasconcelos na Rádio, e, anos depois, ao pé da revolução de 25 de Abril de 1974, data da queda da ditadura Salazarista, surge José Andrade, pintor angolano que faleceu em Lisboa, em 2015, vítima de doença.
Quando é que começa a ser expandido o Jazz no país?
É difícil precisar datas, mas posso-lhe dizer que nos 1930/35 havia uma orquestra de Jazz de Angola, na província de Benguela, na altura a única referência no país, e pertencia à família “Corte Real”, era assim que era conhecido a família do maestro.
Isto consta do arquivo que me foi dado a conhecer pelo doctor Francisco Soares.
Há uma outra referência de uma orquestra que surge anos depois, ligada a um indivíduo que era musicólogo chamado Sambo, na província de Cabinda.
É um dos impulsionadores e apreciadores deste estilo no país. Quando é que entrou para o mundo do Jazz?
Eu entro para o mundo do Jazz apenas na década de 1970, na véspera da Independência, apoiando José Andrade nas suas acções, que eram chamadas “Audições de Jazz”.
Comecei com os meus 14 anos de idade.
Naquela altura, nós fazíamos audições nas universidades. Lembro-me de uma audição que fizemos na então universidade de Luanda, actual Universidade Agostinho Neto, onde havia já gente intelectual que já lutava pela independência.
Fizemos também na ‘Casa Pia’, onde os alunos aprendiam música com os sargentos do exército e da polícia.
Nesta altura, a rádio foi fundamental para a expansão do Jazz. O José Andrade tinha vários programas de Jazz na rádio, com destaque para “A Grande Música Negra”, “Música Viva”, na Rádio Nacional, isto já na fase de transição para a consolidação da independência.
Depois da independência, eu fui largado para trabalhar sozinho e passei também a fazer programas na rádio como “Raízes” e “Jazz no Calor da Noite”.
Qual é a avaliação faz do Jazz nacional actualmente?
O Jazz é um estilo que começou nas ruas dos Estados Unidos, com os afro-americanos, mas, depois dos anos 80, com a emancipação dos direitos dos negros, a cultura passou a ser de pessoas intelectuais, e ganhou complexidades que são estudadas nas universidades.
Em Angola, é preciso que se criem instituições de ensino onde possam ser lecionadas as tipologias do Jazz, porque ela é uma cultura que precisa ser estudada para melhor ser explorada e entendida.
Por outro lado, há a não existência de um local onde os músicos de Jazz pudessem encontrar-se com regularidade para praticar e desenvolver o estilo. Falo propriamente de um ‘club de jazz’, é também um problema para a nossa realidade.
Reconheço que há artistas muito bons em Angola, jovens talentosos e que têm muito potencial no jazz, mas estes jovens precisam ser lapidados.
Precisam de formação específica para poderem chegar ao nível de outros, como o caso da África do Sul e Brasil, onde o Jazz é muito desenvolvido e misturado com os estilos locais.
Temos assistido, algumas vezes, à realização de workshops de Jazz com artistas nacionais e estrangeiros. Recentemente aconteceu um no Palácio de Ferro. Estes eventos não têm servido de incentivo para capacitação dos nossos artistas?
Como lhe disse, o Jazz é uma arte muito complexa. Ela tem técnicas e tipologias muito específicas.
Grande parte dos nossos artistas nacionais não têm formação, cantam Jazz com conhecimento de rua, ou porque ouviram ou porque acompanham vídeo aulas na internet, mas isso não é suficiente.
É preciso formação específica. Os grandes artistas que temos no país tiverem que se formar no estrangeiro para poderem desenvolver as suas habilidades, como é o caso da Afrikanitaque estudou nos Estados Unidos de América e tantos outros.
Por outro lado, é preciso entender que, se formando no estrangeiro, os artistas correm o risco de não voltar por causa da falta de oportunidades e das péssimas condições que o país oferece para o desenvolvimento das artes.
O que dizer dos festivais de Jazz em Angola: não têm servido de potencial para alavancar o mercado nacional?
Organizei o primeiro festival internacional de Jazz de Luanda (2009), com artistas nacionais e estrangeiros que partilharam experiências e conhecimentos.
Notouse que há muito talento por aqui, há jovens com muito potencial, mas isso precisa de ser trabalhado, com investimento e políticas certas em prol das artes.
Recentemente, em Novembro de 2022, realizámos uma sessão de formações com artistas angolanos e professores portugueses já experientes.
Os estrangeiros aplaudiram a capacidade dos jovens angolanos e admiraram com tamanho talento, e isso ficou patente. Mas repito, é preciso investimento e formação.
Como pensam em festejar o dia Internacional do Jazz?
Para esta festividade preparamos dois dias de celebrações: Quinta -feira e Sexta (27 e 28).
O dia 27, ontem, foi comemorado na Casa das Artes, em Talatona, e teremos a actuação de vários artistas com destaque para Dimbo Makiesse, Lionel, King Jaime, Mário Gomes, Nino Jazz, e outros.
Já o dia 28 será celebrado no Camões-Centro Cultural Português, em Luanda, a partir das 18horas. Será um total de 11 artistas, entre cantores e instrumentistas, todos prontos para os dois dias de festa.
Tem contado com algum apoio ou patrocínio na realização destas actividades?
Lamentavelmente devo-lhe dizer que praticamente não. Tem tido às vezes algum apoio institucional por parte do Ministério da Cultura e Turismo, entidades governamentais, a título individual, mas patrocínio como tal é difícil.
Alguns apreciadores de Jazz dão pequenos suportes numa ou noutra actividade, mas é muito pouco para a dimensão dos gastos que estes festivais exigem. Gostaria de poder fazer algo melhor, mas o apoio é quase inexistente.
Sobre o entrevistado
Jerónimo Belo nasceu em Luanda em 1948. Bibliotecário, documentalista, jornalista e promotor cultural, trabalhou no Departamento de Documentação e Informação da Universidade Agostinho Neto (1973-1995) e na Delegação da Comissão Europeia em Angola (1995-2009).
Desde a juventude que se dedica com paixão ao estudo do Jazz, promovendo a sua divulgação em Angola, em programas na RNA “Raízes”, “Jazz no Calor da Noite”, “Triângulo do Mar”, na TPA onde entre 1987-2002 conduziu semanalmente o programa “Clube de Jazz-TPA”.
Actualmente conduz às segundas-feiras, às 18 horas, o espaço “Jazz –LAC” na Luanda Antena Comercial (LAC).
Como crítico de Jazz tem participado em importantes festivais de Jazz pelo mundo.
É ainda ambientalista, para além de autor dos livros “Jazz Geometria Variável” (1991), Feijoada (1998) e Blues e a Poética contra a Indiferença (2005).
Por: Bernardo Pires