Na sua primeira entrevista enquanto Presidente do Conselho de Administração da Agência de Investimento e Promoção das Exportações (AIPEX), Lello João Francisco fala sobre os incentivos fiscais, a importância do investimento nacional e o facto de África ser essencialmente hospedeiro de investimento. Projecta ao longo do seu mandato uma agência com melhor pujança, capaz de contribuir efectivamente para a diversificação da economia e promete mudanças no seu funcionamento. Mas detalhes na conversa que se segue
Está há pouco tempo na pasta de Presidente do Conselho de Administração. Como é presidir uma instituição como a AIPEX?
Está a ser desafiante. Mas, acima de tudo, está a ser um bom desafio
Porquê?
Pelas responsabilidades da instituição. Essencialmente pelo que sentimos que a instituição pode fazer.
E o que a instituição pode fazer?
Achamos que pode ser determinante no desempenho da economia. Espera-se muito da AIPEX, e faz sentido, já que o nosso modelo económico está assente no domínio do sector privado.
Ouvindo-lhe falar assim, sente- se o peso da responsabilidade da AIPEX e naturalmente uma pressão associada. Sente que tem o peso do país às costas?
Temos muitas responsabilidades e temos noção do peso da nossa responsabilidade. Mas não sinto que tenha o peso do país. Somos apenas parte de um todo. E quando assim é, as responsabilidades são partilhadas, de acordo com as atribuições de cada um.
Vai efectuar mudanças no funcionamento da agência?
Sim. Aliás, já estamos a fazer. Vamos procurar a expansão dos serviços, criar serviços de apoio à implementação dos projectos, melhorar os serviços de after care. Mas, para isso precisamos capital humano, pelo que vamos procurar a melhoria da qualidade dos nossos. O objectivo é termos os melhores quadros para termos uma agência de excelência.
Além destas mudanças, podemos esperar alguma outra alteração?
Sim, vamos procurar o reposicionamento da agência do ponto de vista estratégico. Ou seja, focar mais em acções direccionadas aos investidores no país e no exterior.
Falou em reposicionar a agência. Sente que faz mais ou menos ?
Faz menos do que pode. Vamos procurar que seja vista como deve ser. Somos uma instituição transversal e é importante que todos percebam isso.
Sente que a agência não é bem compreendida?
Não é necessariamente isso. Mas é importante que todos percebam o papel da agência na promoção e atracção de investimento e se concentre esforços em torná-la numa instituição de excelência.
Há um, digamos, main project do seu mandado?
O main project é contribuir para a diversificação da economia. Contudo, estamos interessados em contribuir para a criação do complexo industrial farmacêutico em Angola, trazendo indústrias farmacêuticas para o nosso país.
Já há contactos?
Estivemos na Índia, com a ministra da Saúde, e , sim, há interesse. Algumas farmacêuticas importantes manifestaram interesse no país. Devemos, em breve, recebê-las cá em visita de prospecção e contamos trabalhar para no curto prazo termos presença industrial no país do sector farmacêutico.
Como avalia a situação do investimento no país?
A minha visão é optimista. E justifico com as muitas migrações de investidores de sectores de baixo risco como o comércio para investimentos mais arriscados. Investidores que iniciaram no nosso país actividades em sectores de menor risco e decidem passar para outros sectores de maior risco. É sinal de confiança.
Sente que os investidores confiam no país?
Sim. Temos estabilidade política, social e macroeconómica. Um sinal claro da confiança dos investidores é termos mais investimentos no sector da indústria. Um sinal de confiança que ao mesmo tempo vai ao encontro da estratégia de diversificação da economia.
A propósito, o investimento cresceu muito nos últimos cinco anos, tendo chegado aos 3,5 mil milhões de dólares. O que acha que esteve na base desse crescimento?
Essencialmente a melhoria nas condições para as empresas investirem no nosso mercado.
Sente que os investidores olham para o país com outros olhos?
Claro. A visão que se tem do país hoje é diferente. As estabilidades política, económica e social ajudam. Ninguém investe onde não pode fazer previsão. Aliado a isso, o combate à corrupção também ajuda a passar uma mensagem importante para fora do país.
O país tem necessidades pontuais e específicas. Tem sido possível encaminhar o investimento para o sítio certo?
Na verdade, a maior parte dos investidores que vem espontaneamente já vem com ideia de onde vai investir, mas o nosso esforço de promoção está concentrado nos sectores prioritários. Na agricultura, indústria e na criação das cadeias de valores nos diferentes segmentos.
“Não digo que não temos problemas, mas nos últimos cinco anos fizemos progressos”
Pode explicar melhor?
O que fazemos é tentar direccionar investimentos para segmentos e actividades que ajudam a completar cadeias produtivas, indicar condições para implementação de determinadas indústrias, a existência de matéria-prima e de mercado. Sempre que possível e solicitado.
Porquê o foco na cadeia de valor?
Porque sentimos que é aí que está o segredo de virmos a ser sustentáveis. Veja que nem na indústria de bebida, que é a mais desenvolvida no país, fora do sector petrolífero, temos toda a cadeia de valor e ainda dependemos de importações de polpa e etc.
Qual é a percentagem de investidores que recebem esse “empurrão” para investir no sítio certo?
Muitos. Até quem vem com ideia de negócio pede alguma ajuda da AIPEX e damos esse supor- te. Qualquer homem de negócios quer aproveitar melhor as oportunidades do mercado e a AIPEX posiciona-se em situação favorável.
Como estamos quanto ao ambiene de negócios?
Parece que não, mas grande parte da nossa conversa tem sido sobre ambiente de negócios. Respondendo directamente a questão: estamos melhor. Não digo que não temos problemas, mas no comparativo com o registo anterior, nos últimos cinco anos fizemos importantes progressos.
Podemos então esperar uma grande melhoria na classificação de Angola quando o Doing Business retornar?
Sim, acho que Angola será dos países que vai melhorar muito.
Mas esta posição contraria a evolução dos factos. Se Angola melhorou tanto, porque não atrai to- dos investidores?
Há que pensar que não estamos sozinhos. Os outros também estão a melhorar e competimos para os mesmos investimentos. Portanto, é um trabalho contínuo.
O que acha que mais contribuiu para a melhoria do ambiente de negócios?
As decisões políticas são sinais que o Governo dá, foram implementadas reformas importantes no quadro legislativo, económico e administrativo no sentido da redução da burocracia e precisamos continuar a melhorar. E depois o que disse acima, nomeadamente a estabilidade política, económica e social, aliado ao combate à corrupção, também passam sinais positivos para o ambiente de negócios.
Dos itens do Doing Business. O que acha que mais melhorou?
Vários. Por exemplo, entre os itens analisados pelo Doing Business, a questão do imposto é essencialmente ligada ao tempo que se demora para pagar. E acho que o nosso tempo reduziu grandemente. A AGT deve ser das instituições que mais se modernizou. Mas não ficamos por aí, o tempo de ligação à energia também reduziu, apesar de ainda haver vários constrangimentos, leva-se menos tempo do que era necessário nos últimos cinco anos. O mesmo se pode dizer do tempo e o custo para se constituir firmas em Angola.
Já há sinais de repercussão destas melhorias?
Penso que sim. Em tempos saiu uma lista, da Inside Africa, em que dos dez melhores países para investir em África, Angola está no top 5 destes destinos. É prova de que a percepção actual de Angola no exterior é positiva.
Então podemos concluir que Angola tem hoje uma imagem imaculada lá fora?
Não exageremos, mas não é má. Temos desde algum tempo trabalhado com a Bloomberg na promoção da imagem do país. Eles encomendaram um estudo junto de investidores de vários países e num período de dois anos a percepção deste grupo de investidores mudou. Hoje cerca de 78% dos inqueridos manifestaram intenção em investir no nosso país. E na região subsariana, apenas a África do Sul está acima de Angola, enquanto destino preferencial para investimentos deste grupo de inqueridos.
Sente que o trabalho da AIPEX está mais facilitado, tendo em conta as reformas?
Sim. O nosso trabalho é mostrar o país lá fora. Quanto melhor a imagem, mais fácil o nosso trabalho. E as reformas ajudam a tornar o país mais atractivo para o investimento estrangeiro.
Hoje fala-se cada vez mais da Zona de Livre Comercio de África. Acha que ajuda de facto? Como olha para isso?
Sim, acho que vai ajudar a impulsionar e a tornar Angola mais atractiva, mas em boa verdade sabemos que vai obrigar a que tenhamos mais empresas capazes e competitivas.
Conforme o vosso relatório, tem muito investimento de Angola nos últimos cinco anos. Como olha para isso?
É bom quando os nacionais investem. É fundamental que tenha- mos uma carteira de investidores nacionais sólidos. Mas deixa recodar que , apesar do volume relativamente alto do investimento nacional, os números do investimento directo estrangeiro são maiores.
Quem são esses investidores nacionais?
São empresas nacionais que investem nos diferentes sectores, mas também muitos deles são estrangeiros que estando em Angola avançam para a expansão e diversificação dos seus negócios. E financiam-se internamente.
Qual o peso do investimento tendo em conta a origem?
Desde Agosto de 2018, a AIPEX registou um total de 581 projectos de investimento no valor de USD 11.669,89 milhões. Destes USD 5.885,48 milhões, 50,43% é de projectos de origem externa, enquanto USD 3.383,14 milhões, que corres- ponde a 29%, é de projectos internos e USD 2.401,28 milhões, que corresponde a cerca de 20,57%, é de projectos mistos.
Porquê que defende ser bom quando os nacionais investem?
Porque sinalizam para os estrangeiros que o nosso país é um mercado bom, sinaliza confiança e criação de riqueza por nacionais. Foi recentemente aprovado um pacote de incentivos fiscais, essencialmente para a atracção de investimento. Qual é a opinião que tem ?
“O prato principal para a atracção de investimentos não são os benefícios fiscais”
Os incentivos fiscais são importantes. Mas acho que estão sobre- avaliados na sua relevância para a atracção de investimento. Porquê?
Não é o determinante principal para o investidor quando decide investir em um determinado mercado ou país.
Pode explicar melhor?
Vou explicar com exemplo: Sempre tivemos um quadro de incentivos que privilegia as zonas do interior do país, mas sempre os investimentos concentraram-se em Luanda. Hoje cerca de 90% dos investimentos registados concentram-se em Luanda e na zona litoral. Porque nunca tivemos um grande fluxo de investimentos para o Moxico, Cuando Cubango, Malanje, etc, se são localidades em zonas de maiores incentivos…? Isso responde a sua questão.
Os incentivos fiscais não são importantes nessa conta?
Sem extremos! São importantes sim, mas o elemento fundamental na condição de investir não são os benefícios fiscais. O prato principal não são os benefícios. Estes são a sobremesa.
Seguindo a sua analogia, qual é o prato principal?
O prato principal tem vários ingredientes. Um mercado com dimensão e que funcione bem. Infraestruturas, logística funcional e facilitada. Os incentivos fiscais são parte disso, mas não o factor principal.
Os números mostram que não temos sido eficazes na atracção de investimento africano. O que se passa com o investimento africano?
É normal que tenhamos pouco investimento africano. Os países africanos são normalmente hospedeiros, destinos de investimento e não exactamente investidores. Não há muita tradição neste sentido. Por exemplo, o comércio intra- africano é pequeno, a dinamização do comércio intra-africano vai ser importante para impulsionar o próprio investimento. Acho que a Zona de Livre Comércio vai ajudar.
Então esse registo continental é para manter?
Acho que temos de prestar atenção ao nosso continente. Com o tempo, vamos ter aumento do investimento africano. Aliás, recebemos algumas de- legações de países africanos. A Zâmbia é um exemplo. E mais, apesar de fraco, temos algum investimento sul africano e eritreu, com as devidas aspas para o investimento eritreu, normalmente de cidadãos eritreus provenientes do Dubai, Canadá, Estados Unidos da América, etc.
Os números remetem a mais de 10 mil empregos criados. Que empregos são estes e qual a condição dos mesmos?
São empregos directos e permanentes nos segmentos registados e implementados pelos investidores.
Mas há garantia de efectividade destes empregos?
Sim. Depois de registados, tratamos de acompanhar. Temos um departamento que acompanha a implementação efectiva dos projectos.
Qual é a percentagem dos projectos implementados que geraram empregos?
Em todos os 167 projectos efectivamente implementados. Do total de 581, portanto em 29%.
Há a obrigação de criar empre- gos quando se vem investir em Angola?
A criação de emprego é uma consequência natural da actividade económica, espera-se sempre que os projectos registados criem empregos e que estes postos de trabalho sejam maioritariamente ocupados por nacionais.
Temos então uma porta aberta para a mão-de-obra estrangeira?
Há uma obrigação legal. As empresas não podem empregar mais de 30% de força de trabalho expatriada e devem substitui-la ao longo do tempo. Mas também só quando comprovadamente não existir no mercado nacional os técnicos de que necessitam. Além do mais, a força de trabalho estrangeira custa mais cara que a nacional e do ponto de vista económico não interessa aos investidores terem um grande efectivo de força de trabalho estrangeira.
Há uma discrepância notória entre projectos recebidos e projectos implementados, a que se deve isso?
É normal por conta do tempo necessário para implementação dos projectos. Veja que uma indústria demora três anos a ser implementada. Na fase de construção ainda é um projecto em implementação, então até começar a funcionar de- mora. É normal!
Qual é o peso dos projectos cancelados?
A taxa de cancelamento é de 2%. É baixa.
POR: Ladislau Francisco