Uma jovem angolana, de 30 anos, separada, mãe de quatro filhos, está a alugar a sua barriga a casais que queiram ter filhos por esta via. Diz que tomou esta atitude, não muito comum na nossa sociedade, por falta de emprego e assim poder sustentar filhos e ter casa própria.
POR: Stela Cambamba
A decisão de passar a investir no “negócio de barriga de aluguer” surge, para além do facto já referenciado, em consequência de ter registado que muita gente, no exterior do país, lucra com casais que tencionam ter filhos por esta via de gestação, fruto dos recursos financeiros arrecadados com o aluguer de barriga. Embora não tenha definida a tabela de preço, Débora Alves de Carvalho, 30 anos, cidadã angolana residente em Benguela, mostra-se disponível para alugar a sua barriga. Está disposta a receber o suficiente para adquirir uma residência ou terreno, sem especificar as dimensões, tudo pelo sonho da casa própria. Diz fazer “trinta por uma linha” para sustentar os filhos, depois de se ter separado do segundo marido, desde trançar cabelo à confeccionar bolinhos, mas o que lhe tem tirado o sono é a falta de casa própria.
Por isso, opta em alugar a sua barriga. Já houve um casal interessado em alugá-la. Fizeram exames médicos, mas de um tempo a esta parte tem tido dificuldade em se comunicar com os mesmos, por falta de saldo de dados, uma vez que apenas conversavam por via de correios electrónicos. O casal interessado, que parece ser estrangeiro, pelo sotaque e a cor da pele, reside na cidade de Lobito e encontra-se no país em missão de serviço. Coube a eles, ao casal, custear os exames que foram feitos no local de trabalho de um deles, como teste de VIH, hepatite, urina, entre outros. Apesar de se tratar de um negócio, Débora de Carvalho diz que selecciona previamente os interessados, porque “ser mãe requer muita responsabilidade”. Nem todos que solicitaram o aluguer da sua barriga receberam resposta positiva. Uma das condições que impõe aos interessados é que sejam casados, por recear que os solteiros possam tratar mal a criança.
Sem riscos de criar afecto
Quanto aos riscos deste tipo de negócio, reconhece que é frequente o afecto pelo recém-nascido, por parte de quem aluga a barriga, mas garante estar descartada essa possibilidade, por já ter a quantidade de filhos que pretendia ter. Explicou que, por uma questão de segurança, trabalhará com contratos, de forma a que, caso alguém deixe de assumir as suas responsabilidades, seja levado às barras da justiça para ser penalizado. A sua primogénita tem 13 anos, o segundo 9, a terceira 5 e o quarto 2. Os quatros filhos são de pais separados. Contou que na primeira relação teve um casal, igual número na segunda, e que está separada há mais de um ano. O pai dos primeiros filhos não dá assistência às crianças e o dos segundos ajuda pouco. Considera o facto de ter dado à luz aos quatro filhos por via de partos normais, como uma vantagem significativa para este tipo de negócio.
Opiniões divididas quanto ao aluguer
A equipa de reportagem de OPAÍS foi à rua ouvir a opinião de algumas mulheres angolanas sobre o assunto: alugar a barriga para gerar filhos.
Numa das unidades sanitárias, encontramos Vilma Garcia, de 29 anos, mãe de dois filhos, que considera insensato alguém enveredar por esta prática. É de opinião que deve-se sentir amor pelo filho, ainda no ventre. Caso ocorresse consigo, não teria a coragem de entregar a outra família. “Penso que este acto de alugar a barriga apenas é praticado por pessoas que vivem sob extrema pobreza”, defende. Ana Márcio, outra jovem, disse que esta iniciativa acarreta muitos riscos.
Por experiência própria, uma vez que é mãe de três filhos, sabe o quanto é difícil carregar um beber no ventre. “Ao longo da gestação, podemos registar situações de saúde muito graves. Particularmente não tomaria essa decisão, mas acredito que ela [Débora de Carvalho] deve ter razões fortes para chegar a este ponto, pelo que lhe desejo apenas muita força”, disse. Já para Florinda Francisco, o aluguer de barriga é também uma forma de ajudar alguém que não tem condições de gerar um filho. Indagada se aceitaria, respondeu que “pelo facto de ter já os meus quatros, preferiria alugar a uma pessoa próxima e apenas ficaria triste por não poder amamentar a criança”.
Condição social da família angolana deve ser analisada
Solicitada a analisar a decisão da jovem, a socióloga Tânia de Carvalho explicou que esta situação merece reflexão a todos os níveis. Lembra que, recentemente, o país registou um caso do pai que matou o seu filho, por falta de possibilidade de o sustentar (divulgado neste jornal), e agora, aparece a jovem mãe que quer alugar a sua barriga. Alerta o Governo sobre a necessidade de se rever os níveis de carência desta família que leva a mãe a entregar por empréstimo o seu corpo ou o seu útero. Deve-se ainda analisar a ausência de recursos, bem como a situação psicológica, porque acha que está a ser mutilada a todos os níveis.
“Particularmente, não consigo entender, enquanto mulher, como uma mãe que vai gerar vida, carregar durante nove meses, alimentar e dar carinho, poder se desfazer do filho”, disse. De acordo com Tânia de Carvalho, o Estado deve ainda rever a condição social da família angolana. “Hoje, sabemos que os actuais salários perderam o poder de compra, o custo de vida está mais alto, e as consequências são as que estamos a registar de um tempo a esta parte”, sublinhou. Disse ainda que este caso não é comum, é novo para a sociedade angolana, pelo que há a preocupação de ser reflectido.
Especialista aconselha a procurar órgãos legais
Embora reconheça que o sistema de barriga de aluguer seja novo no nosso país, a médica obstétrica e ginecologista, da Maternidade Lucrécia Paim, Eurídice António Chongolola, explica que este processo não é algo que alguém que queira fazer, simplesmente o faz, pois deve obedecer a regras, tanto para a doação de gametas, óvulos, sémen, quanto a todos os procedimentos clínicos legais. Uma vez que deve haver um envolvimento de leis, é importante para a especialista que se crie uma legislação sobre isso no país, de forma a proteger e/ou a defender, quem estiver interessado em alugar a barriga.
Para a médica, a jovem Débora, devia antes comunicar os órgãos legais porque não procedendo desta forma ou agindo por si só, a lei pode não permitir que a criança seja entregue aos que solicitaram o aluguer da sua barriga. Clinicamente existem vários métodos de o fazer, que podem ser com gameta própria ou utilizando os óvulos da doadora ou extra. De acordo como a médica, o sistema acontece com o embrião feito, que é a junção do óvulo e do sémen, e quando o feto atingir uma certa maturidade é posto dentro do útero da pessoa que quer alugar. A outra forma é tirar o espermatozoide do parceiro e introduzir em quem aluga a bariga ou ter relações sexuais directamente com a senhora que está a alugar – um método em que não se descarta a possibilidade de existir afinidade. Existem sistemas que, por norma, não se conhece os doadores para evitar o eixo de familiaridade.
“Quando chegar o momento do parto, a equipa médica chama os donos do recém-nascido a quem, após o trabalho de parto, entregam de imediato a criança. Evita-se que esta tenha contacto pessoal com a senhora que a carregou no ventre e a trouxe ao mundo”, frisou, Eurídice Chongolola. A Maternidade Lucrécia Paim está aberta para aconselhar os jovens que pretendam enveredar por esta prática, dando explicações sobre como funciona o mundo dos doadores, entre outras questões sociais.