Dado o impacto que a revolta da sociedade está a causar, o grupo de subscritores da petição pública e providência cautelar, Quarta-feira, foi chamado para conversar com o governador Rui Falcão.
POR: Zuleide de Carvalho
em Benguela
Um grupo de habitantes da cidade das acácias rubras deu entrada, ontem, a uma providência cautelar em prol da protecção da praia do Pequeno Brasil, na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Benguela. Os subescritores, entre os quais juristas, jornalistas e anciãos, pretendem o embargo da construção que diariamente cresce na areia da referida praia. Assim, em tom de protesto pacífico, a sociedade civil no município de Benguela está unida e organizada, sendo este o segundo documento legal remetido pois, Sexta-feira, 2 de Fevereiro, uma petição pública foi remetida à Administração Municipal.
Esses documentos, em defesa do bem comum, foram assinados por figuras credíveis da cidade das acácias rubras que, assistindo Benguela a perder-se aos poucos, estão dispostas a recuperá-la. Dado o impacto que a situação está a causar no seio da sociedade revoltada, Quarta-feira, dia 7, os subscritores da petição pública e providência cautelar, foram chamados para dialogar com o governador provincial, Rui Falcão. O encontro de duas horas não satisfez os intentos dos cidadãos. Segundo apurou OPAÍS, Falcão terá declarado que foi constituída uma comissão técnica para avaliar a questão, porém, a sí atribuirá a decisão final.
À frente da referida comissão está Leopoldo Muhongo, vice-governador para infra-estruturas. Contudo, quando o terreno foi cedido pela Administração Municipal à empresa que está a erguer um ginásio na areia da praia, Muhongo era o administrador. Deste modo, os reclamantes sugeriram a inserção de especialistas multidisciplinares que não fazem parte do governo da comissão para que se faça uma análise imparcial dos aspectos em discórdia, tendo Falcão negado, alegando “confiar nos seus”. No papel de presidente da Associação dos Naturais e Amigos de Benguela, Jorge Gabriel acredita que o Pequeno Brasil deva ser preservado. Não concordando com as actuais invasões verificadas na área, para si, o ideal seria surgirem, sim, projectos empresariais que contribuam para a riqueza do país mas, respeitando os espaços públicos.
Como tal, em conjunto com outras entidades afins, já fez chegar a preocupação às autoridades estatais concernentes, como a Administração e o Governo. Na altura, segundo ele, foi-lhe dito “que os aspectos técnicos e ambientais estavam salvaguardados”. Todavia, acerca disso, especialistas em arquitectura e ambiente entrevistados por OPAÍS defendem que as infra-estruturas edificadas no Pequeno Brasil não respeitam esses parâmetros, o que consistiu crime ambiental. Para o veterano munícipe Eurico Carmelino Pereira, há indícios de que esta obra em andamento possa ser ilícita, dedução sustentada no facto de não haver placa de identificação da construção.
Sabendo que Benguela precisa de investimentos, sublinhou que abraça todos, desde que devidamente autorizados pelo Estado, crendo que este, na qualidade de entidade de bem, apenas aprovará o que for benéfico para o povo. Já um historiador renomado em Benguela, José Joaquim Grilo, declarou-se estupefacto com a privatização da Praia Morena. Ao que designou, do ponto de vista legal, “uma transgressão desenfreada”. Também nas lides da defesa dessa causa, que veio uma vez mais pôr à prova a força dos benguelenses, o ancião Grilo descreveu esta privatização como um crime. “Qualquer dia, não vamos ter praia”, lastimou.
Anciãos e juventude na frente desta causa
Osvaldo dos Santos, uma das figuras de referência de Benguela, que já foi inúmeras vezes entrevistada por vários órgãos de comunicação social, incluindo este, integra o grupo de subescritores da referida impugnação. Sem hesitar, garantiu a este jornal que lutará até conseguir o embargo da mais recente obra de carácter definitivo que está a ser erguida no Pequeno Brasil, perfazendo já três, apenas nos últimos dois anos. A empreitada, no seu entender, vem furtar o direito à praia da população, principalmente daqueles que habitam nos bairros circundantes à zona, nas proximidades do Hospital Geral de Benguela.
A isto, Osvaldo dos Santos diz “basta!” Indignado, alertou que “as praias de Santo António e Baía Azul deixaram de ser populares para serem privatizadas, não se devia deixar fazer.” De seguida, nomeou um risco ambiental inerente, caso se efective a ocupação da praia: contaminar as águas (marinhas) com águas fecais. Desde “há 69 anos, recordo que a Praia Morena sempre foi para todos”, enunciou. As privatizações de agora, a seu ver, devemse aos “grandes senhores do poder económico, que querem fazer disto a sua casa”. Como benguelense, lamenta ver o favoritismo da minoria, “elites”, em detrimento dos direitos da maioria, o povo. Pois, sendo privatizada, a praia servirá apenas quem tem dinheiro para frequentá-la. Osvaldo dos Santos recordou que, segundo a Lei da Costa Marítima, todo o terreno ao longo da costa, até aos 200m do nível médio do mar, pertence à Capitania e não às administrações.
Sublinhou que, como ex-funcionário da Câmara Municipal, conhece as leis. Razão pela qual adverte que a recente obra no Pequeno Brasil é uma ilegalidade, uma vez que foi a Administração Municipal de Benguela quem cedeu o espaço e Licença de Construção. Reprovando e denunciando este tipo de prática, Osvaldo dos Santos informou que, por Benguela, na alçada do urbanismo e ordenamento do território, tema inerente, muita coisa tem sido feita de forma “errada em benefício de terceiros”. De realçar que, abordado no quadricentenário do município, a 17 de Maio de 2017, declarou, com um misto de orgulho e tristeza que o seu recanto preferido em Benguela sempre foi a Praia Morena… Até deixar de ser. Deixou de ser e nunca o senhor Osvaldo conseguiu encontrar beleza natural que lhe preenchesse a alma do mesmo modo que a “morena praia” conseguia. Hoje, desgostoso, tem saudades da Benguela do seu tempo. No presente, outro grande pedaço das memórias da Benguela do tempo de Osvaldo, época de tantos outros senhores e senhoras, está sob ameaça iminente, com a privatização do Pequeno Brasil, na praia Morena.
Curiosidades sobre o Pequeno Brasil de Benguela
O Pequeno Brasil é, na verdade, uma parcela da famosa Praia Morena, situando-se a poucas centenas de metros do Palácio de Benguela. É uma zona balnear que muitos habitantes dos bairros Quioche e Massangarala frequentam. Para além desses cidadãos que marcam presença diariamente, qualquer Benguelense se sente à vontade para lá fazer o seu jogging e muitos filhos das acácias naquele ponto decidiram casar-se, com um magnífico pôr-do-sol como testemunha. Há décadas que se têm vindo a criar preciosas memórias naquela pequena praia, outrora grande em areia e mar, que, agora, está a ser condenada ao cimento e betão armado, para frustração dos benguelenses.