A equipa de juízes da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, encarregada do processo que envolve os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, tem cinco dias para responder aos mais de dez requerimentos interpostos pelos advogados dos arguidos, entre os quais o pedido de absolvição de alguns dos crimes por alegadamente terem sido abrangidos pela Lei de Amnistia de 2016
A juíza presidente da causa, Anabela Valente, suspendeu, ontem, a audiência até próxima terça-feira, com o propósito de conferir a posibilidade de a equipa de representantes do Ministério Público, encabeçada pelo procurador Lucas Ramos, e a de juízes, da qual faz parte, analisarem os requerimentos apresentados pelos defensores dos arguidos de modo a darem a resposta cabal.
Entretanto, a decisão tomada pelo colectivo de magistrados judiciais, do qual fazem parte os juízes conselheiros Raul Rodrigues e Inácio Paixão, vai determinar os passos subsequentes deste julgamento que corre os seus trâmites legais na Câmara Criminal do Tribunal Supremo pelo facto de os dois generais gozarem de foro especial.
“Concedeu agora cinco dias para que o Ministério Público possa oferecer a sua defesa em relação, no fundo, é respeitando o direito do contraditório, em relação às questões prévias colocadas pela defesa. Depois do Ministério Público apresentar as questões, o Tribunal terá de decidir sobre elas, sobre todas as outras questões prévias que foram colocadas”, afirmou o advogado Benja Satula, em declarações à imprensa, no final da audiência.
Os advogados recorreram à Lei de Amnistia para tentarem ilibar os seus constituintes da maioria dos crimes de que foram acusados e pronunciados, designadamente, burla por defraudação, falsificação de documentos, associação criminosa, abuso de poder, branqueamento de capitais e tráfico de influências, cujas penas são de até 12 anos.
Deste modo, no ponto de vista deles, restará apenas a acusação da prática do crime de peculato, cuja moldura penal, prevista na lei em vigor na data dos factos, era superior a 12 anos de prisão, excedendo assim o limite da moldura penal dos crimes abrangidos pela Lei n.º 11/16, de 12 de Agosto (Lei de Amnistia). A referida lei contempla todos os crimes puníveis com penas de até 12 anos que foram cometidos de 11 de Novembro de 1975 a 11 de Novembro de 2015.
Aval do Tribunal Constitucional
Para já, o Tribunal Supremo indeferiu o pedido de suspensão do julgamento apresentado por Benja Satula, alegando estar a correr no Tribunal Constitucional um recurso ordinário de inconstitucio- nalidade, interposto em defesa dos interesses das empresas China International Found (CIF) Angola, Plansmart International Limited e Utter Right International Limited.
A juíza presidente do Tribunal Constitucional (TC), Laurinda Monteiro Cardoso, enviou um ofício ao tribunal dando nota de que nada impede que se prossiga com as sessões de discussão e produção de provas sobre este processo, pois, tratando-se de um recurso, com um despacho interlocutório, o seu efeito é meramente evolutivo.
Em resposta ao pedido de esclarecimento sobre a existência e o estado dos autos deste recurso apresentado pela juíza Anabela Valente, “escudando-se” na legislação em vigor, Laurinda Cardoso declarou que não se deve suspender o curso normal da audiência de julgamento por causa deste recurso de inconstitucionalidade.
A juíza do TC afirmou que o ilustre mandatário judicial interpôs recurso para o plenário do Tribunal Constitucional e sobre este emitiu um despacho de admissão de recurso. “Assim, constata-se que o recurso apresentado pelo mandatário não se refere ao recurso ordinário de inconstitucionalidade, que efectivamente, nos termos da lei, atribui ao mesmo efeito suspensivo.
Pelo aqui exposto, conclui-se que ainda não recaiu nenhum despacho de admissão acerca do recurso ordinário de inconstitucionalidade”, afirmou Anabela Valente, no momento em que procedia à leitura do documento que recebeu do TC.
Em declarações à imprensa, Benja Satula afirmou que essa decisão não altera nada, por se tratar de direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, pelo que os membros da instância de defesa vão continuar a bater-se para que tais direitos sejam respeitados neste processo e em qualquer outro.
Por outro lado, manifestou que não ficou surpreendido com a decisão do TC, embora o mesmo tenha dei- xado bastante claro que, apesar de tudo, o recurso ainda não foi admitido, ou seja, tem que ser discutido para ser admitido. “O que nós achamos honestamente estranho, mas vamos respeitar, porque estamos num Estado Democrático de Direitos e, enquanto defesa, nós respeitamos as decisões dos órgãos, sem prejuízo de podermos reagir diante destas decisões”, desabafou.
SIC e Interpol reforçam o tribunal com dois tradutores de mandarim
A audiência de ontem começou com a apresentação de dois tradutores de mandarim, disponibilizados ao tribunal pelo Serviço de Investigação Criminal e pela delegação local da organização de Polícia Internacional (Interpol), para dar resposta à necessidade de assegurar que o arguido Yiu Haiming possa compreender tudo o que se está a passar durante as audiências de julgamento.
No entanto, a presença dos dois angolanos que dominam essa língua na sala de audiência acabou por despoletar um aceso debate pelo facto de terem admitido, depois de ter jurado que faria uma tradução fiel dos depoimentos dos arguidos, que teriam dificuldades na tradução de termos técnico-jurídicos.
Após ouvir todas as partes envolvidas no processo, incluindo o próprio arguido de nacionalidade chinesa, a juíza presidente da causa, Anabela Valente, optou por prosseguir com a audiência. Para o efeito, concedeu a palavra ao advogado Adriano Sapulenta, para apresentar as questões prévias em defesa do seu constituinte, Yiu Haiming.
Alinhando-se aos requerimentos apresentados pelo advogado João Gourgel (defensor do general Kopelipa e do também advogado Fernando Gomes dos Santos), Bangula Kemba (do general Dino), Benja Satula (das três empresas), Adriano Sapulenta recorreu à Lei da Amnistia em benefício do seu constituinte. Benja Satula explicou à imprensa que concluiu-se que devia avançar com as questões prévias do arguido Yiu Haiming e só numa fase seguinte é que se poderia indicar o intérprete com competências técnico-jurídicas para a produção da prova.
“O direito a intérprete, porque todos nós, não é só o Yiu Haiming que tem o direito de compreender a linguagem do Tribunal. Também os outros arguidos têm o direito de compreender o que o Yiu Haiming está a dizer”, frisou. Acrescentou de seguida que “se as questões técnico-jurídicas se constituírem um empecilho para que a prova seja produzida, claramente que também ficaremos prejudicados porque não vamos perceber o que ele está a dizer, os termos em que ele estará a dizer”.
Por esse motivo, o causídico considera fundamental que o tribunal consiga um intérprete que domine e compreenda questões técnico-jurídicas para poder permitir que a produção da prova em relação a ele e a todos seja feita da melhor forma possível. Sublinhou que, sendo o processo penal sensível, todos os pas- sos que a serem marcados neste âmbito devem estar de acordo com a garantia do processo penal que a Constituição estabelece.
“E como a Constituição estabelece que ao arguido deve ser facultado um intérprete caso não fale a língua oficial do Tribunal, é fundamental que se façam todas as diligências para que isto aconteça”, frisou.