Sinprof defende realização de estudo sobre as causas do abandono escolar

O secretário-geral do Sindicato dos Professores (Sinprof), Ademar Jinguma, defende que o governo, através do ministério da Educação (MED), deve realizar um estudo mais profundo que lhe permita chegar às conclusões do que é que faz com que quase um milhão de crianças tenham que desistir da escola em anos consecutivos

O sindicalista, que falava ao jornal OPAÍS sobre os dados constantes no Anuário Estatístico da Educação 2022/2023, publicado recentemente, descreveu a situação como sendo bastante grave, por indicar que 961 mil e 979 estudantes, dentre os 8 milhões, 729 mil e 595 matricula- dos, abandonaram as aulas. Para justificar a sua opinião, sublinhou que o país tem “um exército” de crianças que não consegue ter acesso à escola todos os anos, porque, infelizmente, as salas de aula são insuficientes.

“Eu acho que todos nós, enquanto actores da educação, devemos nos preocupar com esses números e olhar exactamente para aquelas províncias onde há muito mais. Nós, lá no sul da Angola, temos um grande problema de desistência porque temos aqueles grupos culturais que às vezes não querem que os seus filhos vão exactamente à escola”, detalhou.

A título de exemplo, contou que registraram há dois anos, no município do Virei, casos de pais que foram à escola falar com os professores que têm de ser pagos pelo facto de os seus filhos estarem a frequentar a escola. É como se naquela comunidade, as famílias estivessem a fazer um favor ao mandar os filhos para a escola, além de existir lá alguma resistência por motivos culturais.

Depois, na zona sul do país também, e não só, temos o facto de as crianças serem os principais suportes das mães. E, portanto, às vezes elas preferem ir com os filhos à lavra e os pais preferem ir com eles à caça ou à pesca.

Por outro lado, apesar de o relatório do MED não especificar as causas que estão na base do abandono escolar, o sindicalista apontou como uma delas o facto de as escolas não serem atractivas, principalmente as do ensino primário, que é o nível que enfrenta maiores dificuldades.

De acordo com o estudo, o ensino primário, que acolhe alunos da 1.ª à 6.ª classe, é o que registrou maior número de desistentes no período em referência, pois atingiu a cifra de 617 mil e 027, dos 5 milhões, 373 mil e 424 alunos matriculados.

“A infra-estrutura escolar colocada à disposição dos alunos do ensino primário é a mais precária que se pode encontrar no país”, frisou o sindicalista, salientando que essa situação é agravada com o facto de os professores terem dificuldades de atender os alunos desse nível, atendendo às suas especificidades, por trabalharem com um número de crianças muito grande e precisarem de cuidado especial.

“Portanto, nós temos uma escola que não é atractiva, não atrai. O professor dificilmente tem o controlo da sua turma. Porque ele devia ter 25, 30 alunos e tem quantos alunos? Ele tem 100, tem 120, tem 80”, enfatizou. Sublinhou que não é possível o professor, neste nível, acompanhar o desenvolvimento das crianças, prestando especial atenção às suas particularidades, com a devida ênfase para aquelas que precisam de um atendimento particular.

Por essa razão, muitos acabam por não ter controlo e, por vezes, podem nem saber as causas de desistência das crianças. Justificou que, às vezes, a criança tem alguma coisa particular e precisa de uma atenção particular e o professor não tem como o fazer por serem muitíssimas crianças a estudar em um espaço precário. Ademar Jinguma acrescentou de seguida que isso está aliado ao facto de existirem encarregados de educação que estão um pouco preocupados no acompanhamento da criança na escola.

“Então, por aí, esses problemas todos podem levar a criança a desistir da escola”, frisou, salientando que há também crianças que desistem por ter ocorrido alguma coisa na escola e não dizem, optam apenas por ir embora. Segundo a fonte, as crianças vão para a escola às 7 horas e voltam para casa às 12 horas, excepto em algumas províncias onde, por dificuldade de sala de aulas, dividem o primeiro período de aulas em dois. Uns entram das 7h30 às 10h00 e outros das 10h00 às 12h00.

A situação social das famílias das crianças que estudam nas escolas públicas também é outro factor determinante, pois, segundo o nosso interlocutor, a maioria delas é desfavorecida, ou seja, famílias que vivem uma condição económica muito difícil. Para ser mais específicos, afirmou serem filhos de pequenos comerciantes e de pessoas que trabalham no funcionalismo público, onde o salário também é precário e não chega, sequer, para assegurar as refeições durante todo o mês.

Falta de merenda escolar contribuiu para o abandono

Ademar Jinguma considera que a falta de merenda escolar também terá contribuído para o abandono escolar neste nível, porque mui- tas delas ficam com fome das 7 às 12 horas, o que torna o ambiente sem condições de aprendizagem. “A merenda escolar não existe. Ela evoluiu agora para um programa de alimentação escolar. Ainda estivemos agora no Fórum Nacional da Educação a discutir isso mesmo”, sublinhou.

No entanto, a fonte manifesta-se céptico com relação à eficácia deste novo programa, que resulta da experiência que o Governo foi buscar no Brasil, tendo em conta o fracasso que foi o programa de distribuição diária de merenda escolar. Apesar de não precisar do valor, Ademar Jinguma disse que, para manter o novo programa, vai ser bastante oneroso para o Estado, porque as crianças do ensino pré- escolar e da primeira à sexta classe têm que ter um prato de comida todos os dias, em todas as escolas do país.

“Penso que as crianças que já saem da escola fome e vão para a escola. Se pudessem encontrar na escola alguma coisa para se alimentar, talvez isso fosse um elemento de atração, porque aqui, para a nossa condição social, a alimentação escolar desempenha muitas funções”, justificou.

O sindicalista explicou que, às vezes, aquilo que a criança come na escola é a única refeição do dia, porque ela sai de casa com fome, volta para casa com fome e não sabe a que horas e nem se vai comer. Ao se proceder deste modo, estará-se a cobrir não só a necessidade de alimentação da criança, como também a questão nutricional e a fazer com que a criança tenha disposição e vontade de aprender.

“Quem tem fome não aprende. Nós mesmos, adultos, quando te- mos fome, não absorvemos na- da, quanto mais a criança. Então, se calhar, temos aqui um dos elementos fundamentais para ter essa fuga à escola muito grande”, frisou.

Por outro lado, Ademar Jinguma apontou também a gestão escolar como sendo outro entrave por estar focada em muitas coisas e não nos alunos. E, depois, há em muitas províncias casos de que as crianças têm de percorrer longas distâncias para ir à escola. Nestes casos, elas acabam por percorrer entre 10, 15 e 20 quilómetros todos os dias.

“Nós mesmos, às vezes, quando passamos com as nossas viaturas, vemos crianças ao longo do asfalto, para aquelas localidades que estão ao longo das estradas nacionais ou intermunicipais”, frisou. Sublinhou que algumas delas acabam por ficar na beira da estrada à espera de uma “alma caridosa” para poder ir à escola, e quando tal não acontece, não vão.

“Mas é importante que a escola esteja o mais próxima possível das pessoas para evitar que as nossas crianças percorram longas distâncias e às vezes isso faz com que elas também desistam da escola. São algumas pistas que nós entendemos dar para contribuir na resolução deste problema”, frisou.

De salientar que o I ciclo, que congrega alunos da 7.ª à 8.ª classe, ocupa o segundo lugar com 160 mil e 366 desistentes, dentre os 1 milhão, 607 mil e 366 matriculados, ao passo que no II Ciclo do Ensino Secundário, correspondente ao ensino médio, a cifra está em 111 mil e 656 estudantes, dentre os 924 mil e 855 matriculados.

Já na iniciação, os pais e encarregados de educação de 72 mil e 930 crianças deixaram de as levar aos estabelecimentos de ensino vocacionados para as acolherem, de um total de 823 mil e 901 matriculadas.

MEA alerta para aumento nas taxas de abandono escolar em 2023/2024

O presidente do Movimento Estudantil Angolano (MEA), Francisco Teixeira, alerta que a quantidade de estudantes que abandonaram o sistema de ensino no ano lectivo 2023/2024 pode ter sido maior, tendo em conta que as dificuldades que existiam no ano lectivo anterior não foram ultrapassadas.

O líder associativo manifestou que a sua organização está preocupada com essa situação por considerar que a formação é a “arma mais poderosa” para proporcionar às pessoas a possibilidade de melhorarem as suas condições de vida, em alguns casos, até, de as famílias saírem da extrema pobreza. “São dados que nos deixam tristes, indignados, porque uma das poucas salvações que os pobres têm para se tornar alguém na sociedade, aumentar o status quo, é por via da educação”, frisou.

O presidente do MEA também comunga da ideia de que a falta de condições adequadas para o processo de ensino e aprendizagem nas escolas desmotiva os alunos. Para ser mais preciso, indicou que nas salas não existem condições básicas, como pequenos panfletos com conteúdos a serem ministrados, os professores não cantam e não dão aulas fora da sala.

Apontou também a construção de muitas escolas distantes dos bairros e a existência de novos bairros sem escolas públicas como factores que contribuem para o aumento do número de crianças fora do sistema de ensino, quer seja por falta de vagas, quer por desistência. “Há muitos bairros que nascem sem escola pública e os pais são obrigados a matricular as crianças um pouco distantes. As crianças andam longas distâncias e chegam à escola, não têm carteira, não têm água e elas passam lá metade do dia”, detalhou.

Acrescentou de seguida que “O Estado criou todas as condições necessárias para que as crianças abandonem a escola, para que desistam de estudar”. O MEA considera que, para se inverter esse quadro, deve-se assegurar que as crianças desfrutem do direito de usufruir de uma refeição nas escolas (a merenda escolar), água, tenham carteiras, livros e sejam estimuladas por via, também, da sua inserção em escolas próximas dos locais de residências. “Acho que são as medidas necessárias e urgentes que devem ser feitas para que esse fenómeno seja combatido”, enfatizou.

 

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