Das mais de 400 famílias Kamussequele, no Cuito Cuanavale, província do Cuando, recolhidas pelo Governo para a sua reintegração social, apenas 100 conseguiram se manter no local em que foram reassentadas. O resto das famílias voltou à vida primitiva e nómada de andar de um lado para o outro noutra margem do rio Nshiengo à caça de animais, frutos silvestres, raízes e ervas. As autoridades locais dizem ter feito tudo para apoiar a comunidade com bens e serviços. Essa, por sua vez, nega e diz não conseguir se adaptar à civilização por causa da fome que, na pequena aldeia de Fulai Muti, fustiga velhos, crianças e mulheres
O sol escaldante que se apodera da pequena aldeia de Fulai Muti, no município do Cuito Cuanavale, província do Cuando, não impede as crianças, filhos de Kamussequele, de brincarem de um lado para o outro, numa pura inocência, embora não tenham a certeza do que comer depois dos pula-pula, as subidas e descidas nas árvores e as corridas às escondidas por detrás das casas.
Ao ver a equipa de reportagem do jornal OPAÍS, os meninos param a brincadeira e se concentram em nós. Curiosos, eles pegam em tudo, no gravador de palavras, máquina fotográfica, telefone e em outros objectos que a equipa carregava. A inocência e a falta de conhecimento fazem com que os meninos mexam de forma desordenada nos objectos e admirem pequenos detalhes. Um olhar rápido, percebia a terra ainda húmida e o verde do capim a gotejar pequenas quantidades de água.
É que no dia ante- rior havia chovido forte na aldeia. E as marcas da nature- za estavam ainda presentes nos pequenos recipientes cheios de água defronte à porta das casas de pau-a-pique que cercam todo o povoado. O precioso líquido recolhido servia para beber, cozinhar e a higiene dos moradores da comunidade.
Para fugir do sol abrasador de fora e do calor de dentro das habitações, a maior parte dos moradores estava refugiada debaixo de árvores onde, na língua local, mantinha conversa solta e viam o tempo correr sem pressa porque, naquela pequena aldeia, a vida passa sem controle dos ponteiros do relógio. Numa das margens da aldeia, está Rosa, sentada no seu banco, com um semblante triste, boca seca e de pouca fala.
A fuba de massan- go, que preparava numa pequena banheira, era o único alimento que Rosa tinha para alimentar os sete filhos que, desde a hora que os encontramos, por volta das 12 horas, não haviam comido nada.
Rosa não sabe a sua idade, tão pouco a idade dos filhos, e por isso tem dificuldades em falar com precisão de coisas que envolvem o tempo e números. Naquele dia, ela calculava as horas que estava sem comer a contar do momento em que havia acordado. Com a ajuda de outras pessoas, ela disse que quando havia acordado, naquele dia, os céus ainda estavam escuros, o que, calculadamente, poderia ter sido entre 4 e 5 horas.
Na língua local, ela conta que tentou, naquele dia, caçar pequenos animais, como rato da mata e cambuíge, mas não teve sucesso. Já habituada a cenários de fome, Rosa disse que o maior problema era o filho menor que acordara com muita dor de cabeça e que cada vez mais enfraquecia por causa da fome. “Acordamos e não temos nada para comer. Essa fuba vamos usar para fazer funje se até mais tarde o outro meu filho que foi na caça com o pai conseguir alguma coisa”, apontou