O Pontificado de Bento XVI durou simplesmente sete anos, todavia deram abundantes frutos apostólicos, abriram horizontes inimagináveis na fé e na razão da humanidade, mas também foram muito intensos e conturbados, deixando marcas profundas e visíveis na mente e no coração dum Ratzinger cuja espiritualidade, racionalidade e amor a Deus sempre foram o cerne da sua existência.
Recordemos a crise com o Islão, depois do seu discurso de Ratisbona, onde evocou a violência religiosa; A deformação das suas palavras sobre a Sida, durante a primeira viagem a África, que suscitou um protesto mundial; A vergonha sofrida pelo explodir da questão dos sacerdotes pedófilos e por ele enfrentada de forma determinada, transparente, corajosa e intransigente.
O caso Williamson, onde o seu gesto de generosidade em relação aos quatro bispos ordenados por D. Lefébvre (em que, revogou as ex-comunhões que lhe tinham sido impostas), se transformou numa reprovação mundial contra Bento XVI, porque não tinha sido informado sobre os discursos negacionistas da Shoah, feitos por um deles.
As incompreensões e dificuldades de pôr em acção o seu desejo de transparência quanto às finanças do Vaticano.
A traição de uma parte do seu grupo mais próximo, no caso Vatileaks, como o do seu mordomo que subtraiu cartas confidenciais, para as publicar, denegrindo e com perversa intencionalidade, alterar o contexto e boicotar o seu objectivo de corrigir desvios doutrinais e orgânicos.
Bento XVI não teve tréguas, a umas desgraças sucediam-se outras ainda piores, nada lhe foi poupado.
Não sofreu atentados físicos como João Paulo II, mas provações morais de rara violência e requinte foram uma constante e intensa agressão contra si e contra sua amada Igreja.
Entre os temas centrais do pontificado estiveram as críticas ao relativismo e ao secularismo da sociedade ocidental, a denúncia do perigo das ideologias, a permanente preocupação com as questões bioéticas – aborto, eutanásia, investigação em embriões , o ataque à família no seu verdadeiro conceito antropológico, a abordagem da crise financeira e da problemática ecológica, com uma abrangente clarividência e propondo caminhos orientadores.
Só Deus conhece o poder e a fecundidade da sua humildade, da dignidade da sua retirada e dos seus propósitos para bem continuar o seu espírito de serviço.
A tranquilidade e a elegância com que soube conduzir a Barca de Pedro, num mar tenebroso, fizeram dele o Papa perfeito para o início do século XXI.
Corajosamente resignou, prometendo ficar em recolhida oração, num colóquio constante e permanente com o seu Amado, longe da maldade e da pequenez dum mundo excessivamente mundano.
O Papa emérito Bento XVI faleceu a 30 de dezembro de 2022, aos 95 anos de idade.
Filósofo, Teólogo e Pastor, sempre foi um humilde e dedicado trabalhador numa época em que a Igreja vacila, vítima de convulsões internas e externas.
Nesta vinha dessacralizada, Bento XVI, como servo bom e fiel, não se absteve de apelar à Razão e à Fé, falou de Deus aos homens e agora falará a Deus dos homens, com a radicalidade e a clarividência que o caracterizaram no primado do Amor, que foi uma característica constante da sua vida em prol da Verdade.
Fiel no pouco e no muito, para sempre repousará no reino do seu e nosso Senhor a quem tanto amou.