Teixeira Cândido é secretário-geral do SJA desde 2015. Liderar o sindicato sempre fez parte dos seus ideais ou acabou sendo o “imperativo” movido pelo facto de fazer frente às injustiças e desigualdades que afecta(vam) a classe?
Para ser sincero, nunca projectei sequer fazer parte do sindicato dos jornalistas, tão pouco assumir a liderança. Aliás, quando ingressei à profissão de jornalista, a visibilidade do sindicato nem era tanta assim como actualmente. Não sei se chamo isso sentido de justiça, uma mania ou algo nato de mim.
O certo é que, mesmo nos tempos em que eu era estudante do IMEL (Instituto Médio de Economia de Luanda) ou nas redacções em que trabalhei, sempre me propus a falar pelos outros. O convite para liderar o sindicato foi algo inesperado.
Na altura, Luísa Rogério ia concorrer para o cargo de secretária-geral do SJA e eu fui convidado a representar a sua lista na comissão eleitoral.
Após a eleição, no acto de tomada de posse, o porta-voz da comissão, impossibilitado na altura por qualquer coisa, achou que devia o substituir naquele dia. A Luísa aceitou e fiquei no cargo por quatro anos, depois passei a secretário-geral adjunto por mais uns quatro ou cinco anos e, a partir daí, estava basicamente traçado o caminho para o cargo de secretário-geral, o que veio a acontecer em 2015.
Aliás, após o primeiro mandato, Luísa Rogério achava que eu já estava em condições de assumir a pasta, mas achei por bem esperar mais um pouco para poder estudar melhor as coisas e ter maior domínio e competência.
Quais os pilares que, desde o primeiro mandato, vêm norteando a sua liderança?
É importante perceber que o SJA tem dois pilares: o primeiro tem a ver com a defesa da liberdade de imprensa, baseado na declaração de Windhoek de 1991, de onde surgem todos os sindicatos de jornalistas dos países africanos; e a segunda tem que ver com a melhoria das condições sociais e de trabalho dos jornalistas.
Então, basicamente, foram estes dois pilares que, desde o começo, sempre definiram o nosso modo de trabalho, quer no primeiro mandato, quer neste que termina daqui a alguns meses.
Se reparar, nós nunca deixamos de defender a liberdade de imprensa. Todas as nossas posições foram sempre direccionadas para uma imprensa livre, independente do poder político e, por outro lado, aperfeiçoamento dos mecanismos de autorregulação, ou uma entidade reguladora efectiva.
Mas entendemos que era fundamental melhorarmos as condições de trabalho dos profissionais e, mais do que isso, era importante “forçarmos” a existência, nos órgãos públicos de comunicação, da projecção de carreira, o que fizemos.
E quanto ao sector privado?
Nós estamos a fazer um esforço enorme para ver se, antes mesmo do final do mandato, possamos chegar a um acordo de entendimento com os órgãos privados sobre a questão da projecção de carreira.
A nossa expectativa é que possamos conseguir um acordo colectivo de trabalho ou, pelo menos, também os qualificadores colectivos ocupacionais.
Essa questão do qualificador, nós discutimos de forma particular com cada órgão no sentido de vermos um meiotermo de avaliação, enquanto esperamos uma uniformização que deve ser feita através de um diploma legal. Mas, pelo menos, há já alguns órgãos a aplicarem o qualificador ocupacional, sobretudo nos órgãos públicos.
Dos jornalistas, o feedback tem sido positivo, tem havido um grande apoio e colaboração, e acreditamos que não seria diferente.
Quanto às direcções dos órgãos, por serem as entidades empregadoras, claro que há uma certa resistência, mas nós já esperávamos isso, e continuamos a trabalhar no sentido de cumprir o nosso propósito.
As dificuldades e barreiras são inúmeras, mas vamos fazer a nossa parte, cumprindo aquilo que nos propusemos desde a criação do sindicato.
“Tem de haver uma transferência de competências [do Governo para um órgão independente] no licenciamento dos órgãos de comunicação social”
Sendo a liberdade de imprensa a bandeira que sempre ditou a matriz e a identidade do sindicato, como estamos em termos de liberdade de imprensa no país?
Costumo a dizer que tivemos mais liberdade de imprensa em finais da década de 90 do que nos dias de hoje. E qual é o fundamento? Em finais da década de 1990, assistimos o surgimento e ressurgimento dos órgãos privados dirigidos por jornalistas, e estes órgãos, de facto, ampliaram a liberdade de imprensa em Angola de forma absoluta.
Só para vermos, naquela altura, tínhamos cerca de 13 a 14 jornais semanários privados e estes órgãos promoviam debates acesos sobre várias questões relacionadas com a vivência dos angolanos. Era discutido de tudo um pouco.
Eu chamo de mais liberdade de imprensa o pluralismo de expressão. Era possível lermos nestes jornais debates abertos e muito fortes dos temas fracturantes, opiniões contraditórias, mais livres e realísticas, e discussões acesas entre deputados dos diferentes grupos parlamentares, sem censura.
De lá pra cá, não houve mais qualquer período que considere impulsionador da liberdade de imprensa em Angola?
Não na mesma proporção, mas, a partir de 2007, 2008, começamos a assistir ao surgimento de uma nova vaga de órgãos de comunicação social privados.
Surge o Grupo Medianova, com a TV Zimbo, o Jornal OPAÍS e a Rádio Mais, surge o Novo Jornal, o Jornal Expansão e outros órgãos que também vão contribuindo efusivamente para ampliar a liberdade de imprensa.
Podia elucidar três elementos ou factos que o fazem dizer que actualmente há menos liberdade de imprensa em Angola?
Bom, uma das questões tem a ver com o desaparecimento desses órgãos, sobretudo jornais, que eram grandes impulsionadores dos debates livres. Em segundo lugar, está o facto de o Estado, hoje, ser o principal detentor dos órgãos de comunicação social e, por último, o facto de o Estado ser também o senhor e dono da televisão.
O Estado tem mais de 45 canais de rádio e continua a ser a única entidade com jornal diário. O desaparecimento dos órgãos privados dirigidos por jornalistas demonstra um retrocesso visível da liberdade de imprensa em Angola.
Nós defendemos claramente o surgimento de mais órgãos de comunicação social. A questão que se coloca é ‘a quem pertencem estes órgãos que vão surgindo? Qual é a relação que têm com o poder político e o quão independentes são?’.
Sem desprimor dos profissionais destes órgãos, a verdade é que grande parte deles são controlados pelo Poder Político, são órgãos cujos ‘patrões’ são pessoas do Governo ou com fortes ligações ao aparelho do Estado e, quer queiramos, quer não, acabam intervindo naquilo que é o tipo de jornalismo que estes órgãos vão fazendo.
Não temos actualmente órgãos que promovam os debates e discussões sobre os temas fracturantes, que reflictam a liberdade de expressão, de pensamentos e de imprensa, num cômpito geral?
Eu valorizo, sem desprimor de nenhum, o esforço de vários órgãos que têm sido um exemplo nestes contextos difíceis, há rádios que têm-se mostrado bons exemplos na promoção de debates e discussões sobre as principais questões da governação, mas, hoje, temos as redacções dominadas por muitos jovens que estão a se iniciar na profissão que, talvez, só daqui a 10 ou 15 anos é que vamos poder ver o impacto do trabalho deles na governação do país.
Que comparação faz entre o governo de JES e de João Lourenço no capítulo da liberdade de imprensa?
Temos que ser justos na análise, pois o facto é que, quando João Lourenço chegou ao poder, grande parte dos órgãos privados já tinham desaparecido e alguns passados para a esfera do Estado.
É verdade que a nossa expectativa é que o governo de João Lourenço pudesse conferir maior abertura à comunicação social, e, de facto, nos primeiros anos do seu primeiro mandato assistimos um pouco dessa abertura, mas, depois, nos anos seguintes, vimos um retrocesso em que hoje quase que os debates que as rádios e televisões promovem, tendencialmente, são debates sem grande pluralidade, com um painel constituído, maioritariamente, por pessoas que comungam as ideias mais próximas ao governo e pouquíssimas pessoas com sentido crítico. É importante lembrar que o papel da comunicação social é de fundamentalmente fiscalizar os poderes.
A legislação vigente neste capítulo constitui uma barreira para a liberdade de imprensa em Angola?
Sim, pelas seguintes razões: primeiro, porque confere o poder de regulação ao Governo quando devia confiar este poder a uma entidade reguladora independente. Segundo, cria barreiras a partir do momento em que faz exigências altas àqueles que queiram criar rádios comunitárias, por exemplo.
A outra nota crítica a esta questão é o facto de a lei proibir que determinados órgãos tratem de assuntos políticos, isso não faz o menor sentido. Em suma, são essencialmente estes e outros factores que tornam a legislação vigente uma barreira à liberdade de imprensa.
Que caminhos aponta para o “resgate” da liberdade de imprensa em Angola?
Para os media públicos, a primeira coisa a fazer é o surgimento de uma reforma legislativa que permita que o Titular do Poder Executivo (TPE) não continue a nomear/exonerar os gestores dos órgãos de comunicação social públicos; tem de haver uma transferência de competências da esfera do Governo para um órgão independente no que diz respeito ao licenciamento dos órgãos de comunicação social.
Sou de opinião que, a partir do momento em que se desfazer essa relação de dependência entre o TPE e os gestores dos órgãos públicos, teremos caminho para começar a trilhar a liberdade de imprensa. Quanto ao sector privado, é importante que hajam políticas públicas de incentivo ao surgimento de órgãos privados.
O Estado devia criar políticas públicas de, por exemplo, alívio da carga fiscal aos órgãos privados. Devem existir órgãos públicos quase que na mesma proporção que os privados e não o Estado ser o maior detentor da quota de mercado.
“O Sindicato quando foi criado já era visto como uma ameaça para o Governo”
Dentro de alguns meses termina o seu mandato, que balanço faz da sua liderança até ao momento?
Tenho muitas dificuldades de fazer balanços sobre mim mesmo, porque depois se configuram numa espécie de “autoelogio”. Gosto de citar Papa Francisco que diz “A vida é boa quando se é feliz, mas é ela melhor quando se vive para os outros”.
Acho que quem assume a função de ser líder de um sindicato tem de olhar mais para os outros do que para si mesmo. Portanto, o melhor balanço que se pode fazer é perguntar aos outros se nós fomos capazes de melhorar, de algum modo, as suas vidas.
Mas, respondendo directamente à sua questão, o que eu posso dizer é que dedicámos o nosso máximo, procurámos, com todas as forças, fazer o nosso melhor, e se conseguimos ou não, talvez seja uma questão de perguntarmos aos nossos colegas.
A nossa convicção é que, quando sairmos, vamos descansar com a consciência tranquila, com o sentido de que, da nossa parte, não faltou entrega, empenho e vontade de deixar o sindicato melhor do que encontramos.
Os objectivos preconizados desde o princípio do mandato foram alcançados ou estiveram perto disso?
Sim, fomos conseguindo executar os programas que nos propusemos a realizar.
Se olharmos para a lista de prioridades traçadas no início do nosso mandato, podemos ver que grande parte do que está traçado foi feito.
Lutámos para o surgimento de uma Entidade Reguladora da Comunicação Social, e foi conseguido; para o surgimento de uma Comissão de Carteira e Ética; conseguimos a aprovação, pela primeira vez, do Código Deontológico do Jornalismo; procuramos ter os Conselhos de Redacção funcionais, embora ainda não esteja visível em todos os órgãos; e fizemos, de Cabinda ao Cunene, um conjunto de formações de capacitação dos jornalistas em matéria de lei e de constituição dos conselhos de redacção. Conseguimos ainda marcar passos no capítulo da promoção das carreiras profissionais.
Claro que, nalgumas situações, não fomos bem-sucedidos, mas, no grosso modo, as actividades a que nos propusemos foram realizadas com sucesso.
O Sindicato de jornalistas está nas 18 províncias do país. Em todas as províncias, temos conselhos provinciais que são independentes e que têm uma dinâmica própria.
A esta altura, podemos dizer que estamos com mais de três mil filiados. Como sabe, o SJA foi o primeiro sindicato a ser constituído em Angola, então temos filiados que tiveram que ir para a reforma e, num abrir e fechar de olhos, perdemos dezenas de filiados por já não estarem no activo, na profissão de jornalismo, então, devemos estar aí em torno de três mil e pouco.
Que objectivos ficaram por se cumprir?
São poucos, talvez um ou outro. Uma das metas que pretendemos alcançar, não cremos que ainda consigamos, é a obtenção de uma sede para o sindicato.
Esta tem sido a nossa luta há mais de 30 anos. O sindicato existe há sensivelmente 33 anos, mas nunca teve um espaço próprio que pudesse servir de sede.
Outro desafio é a efectivação dos qualificadores ocupacionais no sector privado, que é um assunto que temos vindo a discutir junto dos gestores privados e fazemos fé que tenhamos este capítulo já resolvido, ainda antes do fim do mandato.
Que desafios aponta para a futura liderança do sindicato?
Bom, os desafios do sindicato são inúmeros, como sabemos, o SJA é visto como um “confrontador” do Poder Político, então, os nossos propósitos acabam sempre sendo vistos como um “incómodo” para quem governa, mas mantém-se a matriz: lutar pela liberdade de imprensa e pela melhoria das condições sociais dos jornalistas.
Para terminar, a título pessoal, foi/tem sido uma missão muito difícil liderar o SJA?
O Sindicato, quando foi criado, já era visto como uma “ameaça” para o governo, se olharmos para a relação do poder político e o SJA, desde os seus primórdios, foi marcada por ‘conflitos’.
O SJA foi marcado para ser desfeito/destruído, e estar em pé é quase que uma resistência. Por outro lado, de forma muito pessoal, as pessoas às vezes idealizam o sindicato como se fosse uma associação e tentam associar-nos sempre a uma organização político-partidária, e esquecem-se que somos um grupo de pressão social e, de forma pessoal, eu não preciso de estar associado àquele ou a este partido, não tenho filiação partidária, por vontade própria.
Infelizmente, inclusive alguns colegas nossos, quando passam a desempenhar cargos de gestão pública acabam por mudar a posição, criam um discurso de combate, de incompreensão do papel do sindicato, mas, apesar de tudo, estamos tranquilos. Entendemos que estamos no exercício das nossas liberdades.