A balança do lixo e o negócio das garrafas aberto pela indústria produtora de aguardente, INAR, são apontados como os factores de atracção da população que decidiu habitar no “lixo”
POR: Alberto Bambi
Aumenta cada vez mais o número de famílias que, desde 2010, decidiram fazer do antigo aterro sanitário do Lobito, em Benguela, o seu habitat. Problemas de saúde pública e outros são ignorados pelos “moradores do lixo”, como são tratados pelo pessoal dos arredores, alegando não terem outra escolha. Victorina Nassessa, uma das primeiras moradoras do bairro que ganhou o nome de Caimbra, contou que a correria ao referido local começou há oito anos com alguns trabalhadores que controlavam a balança de lixo.
“Como os camiões depositavam o lixo de noite e tinha de ser medido para se determinar o valor a ser pago às empresas de limpeza, então, muitas vezes, esses trabalhadores tinham de pernoitar aí”, referiu em língua Umbundu, tendo acrescentado que, nessa altura, o local já era frequentado por catadores de lixo. De acordo com a entrevistada, a zona começou a ganhar mais inquilinos quando a INAR decidiu proceder à compra de garrafas para os seus produtos. “Foi aí que as pessoas provenientes dos bairros Eléctrica, Alto Bocoio, Lixeira e do vizinho município do Bocoio passaram a constituir casebres no bairro Caimbra”, disse Victorina Nassessa. Questionada se como mãe não lhe preocupava o risco de saúde que as condições da zona oferecem aos moradores, Victorina, que revelou a existência de grávidas de mais de sete meses no bairro, esboçou um sorriso, enquanto respondia, dizendo que ela, os seus e os miúdos dos vizinhos já estavam acostumados a lidar com a situação.
O antigo aterro sanitário já testemunha a construção de casas definitivas, mas quase todas não possuem quarto de banho, pois, de acordo com o senhor João, não adianta construir este compartimento, porque a lixeira já está próxima. Assim, segundo deixou patente, às noites e às madrugadas são os períodos que os adultos reservam para defecar ao ar livre, ao passo que as crianças podem satisfazer essa necessidade a qualquer hora do dia. João contou que no princípio das ocupações houve uma tentativa de os tirar daí, mas as necessidades da Administração de ter prestadores de serviço da balança, e da INAR de ter catadores de garrafas, garantiram a extensão do bairro Caimbra. A venda de terrenos que acontece nas imediações do antigo aterro sanitário anima os moradores do lixo a permanecerem no local, sob pretexto de ganharem legalidade das suas propriedades. “Se aqui próximo, estão a vender terrenos, então, nós não estamos ilegais aqui e queremos ver a nossa aventura compensada”, observou João.
Lixo de luxo
Apesar de já não ser frequente o depósito de lixo no bairro Caimbra, não são poucas as vezes em que algumas basculantes traçam este destino. Quando isso acontece, os moradores correm imediatamente ao local do depósito para verem se encontram alguma coisa valiosa. “Nem tudo o que vem aqui é lixo, porque há pessoas que se enganam em deitar alguma coisa”, referiram os moradores, citando ocasiões em que já encontraram dinheiro e objectos de muito valor no meio dos resíduos sólidos.
Água da chuva
Como era de se esperar a água constitui o maior desafio para os aventureiros de Caimbra. Para terem o precioso líquido, os moradores submetem recorrem aos camiões cisternas que passam pela área, uma alternativa que os mesmos dizem não ter sempre sucesso. Por isso, eles consideram o tempo chuvoso como o período de graça, pois, quando chove, envidam esforço para armazenar água para beber e cozinha, deixando o banho diário para os grandes buracos abertos pelas máquinas das empresas de construção destacadas na Estrada Número 100. Num desses depósitos, a reportagem de O PAÍS constatou a presença de crianças que tomavam banho, sob o olhar impávido dos progenitores, que alegaram não terem muitas opções. Carlinhos, o pequeno que comanda e domina as acrobacias durante a natação revelou que, algumas vezes, os mais velhos de Caimbra também se servem do referido charco para os banhos.