“Nós no gueto” é o nome da associação juvenil que anda por diversos bairros de Luanda com o propósito de identificar, dialogar, auscultar e ajudar menores a livrarem-se da dependência das drogas.
Por: Domingos Bento
O objectivo é minimizar o consumo de substancias tóxicas e o nível de delinquência no seio dos menores e adolescentes de vários estratos sociais. À semelhança da denominação do projecto, o contacto com os menores é feito na base da informalidade, de forma a permitir que estes se abram e contem, sem tabus, sobre os seus problemas e a forma como gostariam que fossem ajudados.
O foco, segundo a presidente do projecto, Carla António, recai para o grupo de menores dos 10 aos 15 anos de idade que, infelizmente, por alguma falha no processo de educação e orientação familiar, tiveram o “azar” de caír no mundo das drogas. De acordo com Carla António, só ao longo dos dois anos de existência do programa, mais de 200 menores (entre meninos e meninas) foram identificados e auscultados durante as acções de visitas e ajudas comunitárias.
Deste total, 53 menores aceitaram receber ajudas psicológicas e estão a ser acompanhados directamente pela associação, de forma a livrarem-se da toxicode
pendência. Grande parte destes menores residem em bairros periféricos de Luanda como o Prenda, Benfica, Golf, Cazenga. Nestas zonas, conta a interlocutora, a quantidade de menores envolvidos com drogas é alarmante.
E os casos são abafados porque as famílias não procuram por ajuda e as rádios e as televisões passam ao lado desta realidade, a não ser que estes menores comentam alguma atrocidade que venha a ganhar impacto como, por exemplo matar, roubar ou violentar.
Libertos
Apesar da dificuldade de aceitar a superação e a ajuda psicológica, alguns dos menores, com empenho e dedicação, conseguiram livrar-se das drogas. É o caso de Josemar Francisco, 16 anos de idade. Segundo o rapaz, a sua relação com os estupefacientes começou aos 13 anos de idade, com o uso de bebidas pesadas como whisky. Posteriormente, com a influência dos amigos, passou a usar liamba e os conhecidos comprimidos diazepam, gasolina e outras substancias tóxicas.
De acordo com o menor, os pais aperceberam-se tarde da sua condição porque passava a maior parte do dia fora de casa. No entanto, o tempo foi passando e quando os progenitores se aperceberam já a sua vida estava bastante dependente dos estupefacientes, ao ponto de passar largos dias fora de casa sem dar satisfações. “Foram anos muito difíceis.
Quando estava no meu estado inconsciente, só me dava vontade de lutar, roubar fazer outras coisas fora da lei. Eu próprio não tinha noção das coisas que fazia. Sentia que estava ligado a forças muito estranhas e que me possuíam”, lembrou. A ajuda, na explicação de Josemar Francisco, começou a ser procurada depois de os pais passarem a sofrer com o seu estado. Bateram varias portas no sentido de livrá-lo das drogas, mas a solução parecia cada vez mais difícil.
“Mas um dia vi o projecto “Nós no Gueto” a fazer palestras e a sensibilizar os jovens do meu bairro. Fui lá ter, expliquei o meu problema e até agora continuo a fazer as terapias. Posso dizer que estou livre porque já lá se vai quase um ano que não uso nenhuma droga “Para Carla António, os menores libertos são usados pelo projecto como modelos, de forma a ajudarem outros dependentes a livrarem-se da dependência das drogas. Estes modelos contam as suas experiencias, as suas trajectórias e dão a conhecer sobre os males que as substancias fizeram nas suas vidas.
“Falar, educar e orientar é bom. Mas nada melhor do que o exemplo na primeira pessoa. Os recuperados têm servido de verdadeiros mestres e exemplos práticos do quanto as drogas podem comprometer o futuro de uma criança e sua família. É por este motivo que os recuperados vêm trabalhando connosco.
Acaba por ser uma forma de retribuição pelo bem”, atestou. Torres Burica, hoje com 16 anos, é usado como um dos modelos para salvar outros menores. Depois de ter estado mergulhado no mundo das drogas por cerca de três anos, Torres empenha-se, a todo custo, por via de palestras e campanhas de sensibilização, a educar outros dependentes sobre o mal que os estupefacientes causam nas famílias.
“Fugi da escola, criei vários problemas para a minha família e a mim mesmo. Mas hoje pus a mão na cabeça e conclui que de nada me valeu. Por este motivo procuro dar o meu conselho aos outros para ajuda-los a sair desse mal. Não há nada nas drogas senão a perdição e muito prejuízo”, reconheceu o menor.