Os habitantes desta localidade da Barra do Cuanza, município de Belas, estão aflitos, em consequência da notícia que obtiveram de terceiros, no final de 2017, segundo a qual o bairro onde vivem foi vendido. Tomás Muanza, administrador, desdramatiza a informação dos munícipes
- Por: Maria Teixeira
- Fotos de: Jacinto Figueiredo
Eram 10 horas da manhã de Sexta-feira, quando a nossa equipa de reportagem decidiu rumar para a localidade do Cabarril, na Barra do Cuanza, município de Belas, com o pretexto de apurar uma informação que dias antes nos havia chegado. Falava-se que o bairro, habitado por mais de 230 famílias, desde a década de 1980, foi vendido em 2014, sem o consentimento de quem lá constituiu um lar e sonha com um futuro melhor.
Chegados ao local, o ambiente que encontramos, apesar de o “Rei Sol” afastar qualquer preocupação com estragos de possíveis chuvas, era de tristeza profunda. Homens e mulheres de diferentes idades, reunidos debaixo de uma árvore, com semblantes de tristeza e lábios secos.
Cada um, sentado à sua maneira, entre o chão e as salientes raízes da árvore, procurava compreender como foi possível vender um terreno no qual o próprio Estado ergueu uma escola para a comunidade. O bairro está dentro de um apetecível terreno de 25 hectares e tem como um dos limites a Estrada Nacional 100.
De acordo com os documentos a que OPAÍS teve acesso, a repartição de Gestão Urbanística, Construção e Habitação da Administração Municipal de Belas emitiu uma declaração, este ano, na qual atesta que o terreno pertence a um alto dirigente do partido do poder, actualmente deputado à Assembleia Nacional.
Daniel Chambambi, um dos moradores, contou que a apetência por esta parcela de terra é antiga. Na altura em que a Barra do Cuanza pertencia ao município de Viana, o governo local estava a envidar esforços para melhorar as condições sociais dos habitantes. “Em 1990, os nossos mais velhos foram à administração de Viana e pediram que fosse construída aqui uma escola e a ideia foi aceite. Enquanto a projectavam, o próprio Estado apetrechou a capela feita de capim, onde as crianças estudavam, com carteiras”, contou.
Um ano depois, a Escola de construção definitiva, erguida pelo Fundo de Apoio Social (FAS), ficou concluída e está registada no Governo Provincial de Luanda com o número 2070. Em 2013, Fernanda Baião foi apresentada aos moradores como administradora comunal da Barra do Cuanza, afecta ao município de Belas. Na ocasião, segundo contam, ela aconselhouos a legalizarem as suas parcelas de terra por estarem numa área turística e que todos que por ali passavam mostravam interesse em investir.
Apanhados desprevenidos No ano seguinte, isto é, no primeiro trimestre de 2015, foram surpreendidos com uma ordem da pessoa que lhes aconselhara a legalizar as suas parcelas de terra, não só proibindo de o fazer como de construírem qualquer imóvel. “Posteriormente, apareceu uma equipa de técnicos da administração que mediu os terrenos e o sinalizou com estacas”, contou Daniel Chambambi.
Outro morador, vendo na equipa de reportagem de OPAÍS um meio para fazer chegar a quem de direito a sua preocupação, contou que aquando da visita do ex-governador provincial de Luanda, Higino Carneiro, à comuna, a administradora ordenou que se retirassem as máquinas da empreitada do terreno para supostamente não despertar a atenção dos visitantes. Algum tempo depois, as residências foram enumeradas com tinta vermelha, alegadamente como parte do processo de requalificação do bairro e foi anunciado que os moradores seriam transferidos para uma área designada de “Cabeça do Boi”.
Quando menos esperavam, Fernanda Baião foi exonerada e o assunto ficou aparente-mente no esquecimento. Entretanto, no dia 20 de Dezembro do ano passado, apareceu um casal que atende pelos nomes de Rui Mateus e Cátia Proença, proibindo as pessoas de construírem, alegando que o terreno era sua propriedade. Exibiram alguns documentos que tinham em mãos, emitido a favor do alto dirigente do partido no poder, como prova de que eram os proprietários do referido bairro.
Na esperança de estarem em melhores condições de exigir que se respeitem os seus direitos, os munícipes solicitaram o patrocínio jurídico a pessoas entendidas na matéria. Recordaram que a Constituição da República de Angola é bastante clara, no seu artigo 15º, número 2 e 3, ao estabelecer que o Estado deve respeitar as comunidades locais e só devem ser alvo de expropriação com justa indeminização.
Por esta razão, acreditam que o administrador municipal não tem competência para passar a terceiros uma escola pública e um bairro inteiro, que foi reconhecido em 19820.
Munícipes requerem anulação da venda
Os moradores, embalados na frescura proporcionada pela árvore, afirmaram, em uníssono, que auguram que o processo de compra e venda celebrado entre o administrador e a entidade politicamente exposta seja anulado. Manifestaram a pretensão de levar o processo a Tribunal de modo a que seja reposta a legalidade e se cumpra o estipulado na Lei Constitucional e na Lei de Terra.
A esperança de que poderão vencer esta causa, segundo contam, ganhou maior impulso assim que ouviram o Presidente da República, João Lourenço, prometer, ao discursar na tomada de posse, que “ninguém é rico ou poderoso demais para se furtar a ser punido, nem ninguém é pobre demais ao ponto de não poder ser protegido”.
Dona Idalina, residente no bairro desde 1993, diz que a sua preocupação não se resume apenas ao seu local de residência, mas também à lavra, a área onde ela e várias amigas desenvolvem a agricultura, cujos recursos têm servido para o sustento da família. “Não fomos contactados e venderam o bairro como se fôssemos animais. Aqui cultivamos milho, mandioca, batata, melancia, feijão, entre outros”, detalhou, exaltada.
“Somos reconhecidos pelo Estado”
Virgílio Inácio, o primeiro coordenador, contou que a maioria dos moradores são famílias que ao fugirem das zonas de conflito armado, à procura de melhores condições de vida, encontraram no Cabarril um ambiente de paz, sossego e tranquilidade, pelo que ali se instalaram e criaram os seus filhos. “Na altura fazíamos carvão e maruvo.
Depois vimos que a terra era boa para a agricultura e começamos a semear milho, mandioca e feijão. E, em 1982, fomos reconhecer o bairro na Comuna da Barra do Cuanza, diante do administrador, o senhor Simão e o seu adjunto, Kiculo. Desde então, ficamos instalados nesta zona turística”, revelou. Face às promessas do Executivo de que serão prestados apoios ao sector da agricultura, os munícipes ambicionam aumentar a produção e criar melhores condições para o seu armazenamento, mas “a venda do bairro” está a perigar tais iniciativas.
“Assim o povo também foi vendido com o bairro!? Fomos todos também comprados que nem animais numa feira e ficamos à mercê dos novos donos”, desabafou Virgílio Inácio, olhando para os seus vizinhos. Instalou-se, por alguns segundos, um silêncio quase total não fosse o barrulho do dançar ao vento da ramagem da árvore, que foi dando como que um sinal de abertura da conversação.
“Nós até podemos sair, mas que seja de forma humana. Conversando e concordando com os moradores. Agora chegarem e ordenarem-nos que abandonemos o bairro porque já foi vendido, por via de um processo que teve início em 2015, isso é desumano”, frisou.
Mais de 230 famílias em risco
O actual coordenador do bairro Cabarril, José Miguel, revelou que, neste momento, existem 234 famílias a viverem na localidade, das quais, as pessoas que fizeram o registo assinalaram apenas 107 casas cujos proprietários poderão ser realojados. “Os responsáveis pelo projecto disseram apenas que a administração é que vai responder pelas famílias não cadastradas porque pretendem apenas realojar as pessoas que estão no perímetro que alegam pertencer- lhes”, elucidou.