Há números desencontrados sobre os valores recebidos e usados para pagar os atrasados aos professores da Huíla entre os dados do Governo e da Direcção local da Educação. O governador diz não haver mais reclamantes por pagar, a Educação fala em ainda 45. O dinheiro para os laboratórios que o director da Educação dizia, na semana passada estar em posse da empresa contratada, diz o governador que está no BPC. A PGR diz que vai investigar o caso
POR: João Katombela, na Huíla
As denúncias contra a Direcção Provincial da Educação na Província da Huíla, de um suposto desvio de 2.408.085.343,75 (dois mil milhões, quatrocentos e oito milhões e oitenta e cinco mil trezentos e quarenta e três Kwanzas e setenta e cinco cêntimos), foram desmentidas ontem, em conferência de imprensa, no Lubango, pelo governador provincial da Huíla, João Marcelino Tyipinge, que, no entanto, não evitou contradições com o que havia dito também em conferência de imprensa, na semana passada, o director provincial da Educação, Américo Chicoty. Procurando obter uma reacção às afirmações do director da Educação relativas à denúncia feita por alguns directores de escolas e detentores de cargos de direcção e chefia, OPAÍS, em conjunto com a Rádio Mais Huíla, solicitaram uma entrevista ao governador provincial, no entanto, a resposta acabaria por surgir com a convocação da conferência imprensa. Nesta, o governador provincial da Huíla começou por apresentar os meandros em que foram feitos os pagamentos.
Tyipinge disse que, para proceder aos referidos pagamentos, a província da Huíla recebeu do Tesouro Nacional, um total de 3.364.043.681,43 (três mil milhões, trezentos e sessenta e quatro milhões, quarenta e três mil e seiscentos oitenta e um Kwanzas e quarenta e três cêntimos) para pagar as dívidas a 3.545 funcionários do sector da educação. Entretanto, de acordo com um documento saído do Gabinete do Governador Provincial da Huíla, dos mais de 3 mil funcionários, entre directores de escolas, sub-directores e professores examinadores, apenas foram pagos 837 funcionários. Porém, estes dados contradizem uma outra nota, enviada pela Direcção Provincial da Educação ao Gabinete de João Marcelino Tyipinge. Na nota da Educação consta que o processo de pagamentos, foi terceirizado recorrendo a sete entidades, incluindo o próprio Governo Provincial, e não apenas a seis, como havia sido antes anunciado por OPAÍS, na edição de Sexta-feira passada, e confirmados pelo director provincial da Educação.
Ontem, na conferência de imprensa, soube-se que a estas entidades (empresas privadas) coube valores monetários que foram dos 88.577.787,80 (oitenta e oito milhões, quinhentos e setenta e sete mil e setecentos e oitenta e sete Kwanzas oitenta cêntimos) a 200.216.600,00 (Duzentos milhões, duzentos e dezasseis mil e seiscentos Kwanzas). Assim, para a Rikuma-Jefil Lda foi transferido o montante de 179.999.995,60 (cento e setenta e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e cinco Kwanzas e sessenta cêntimos), de acordo as ordens de saque nº 3857,3858 e 3859; ao Governo Provincial. 99. 999.999,96 (noventa e nove milhões novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove Kwanzas e noventa e seis cêntimos), da ordem de saque nº 3855 foram para a empresa Clarice Cauape Nunda.
Assim como 178.577.001,20 (cento e setenta e oito milhões, quinhentos e setenta e sete mil e um Kwanzas e vinte cêntimos) da ordem número e 3856. Sobre a empresa Clarice e Filhos Lda, uma nota da Direcção Provincial da Educação, sob o nº 0001007/ GAB.DIR/DIPECTH/2015, atesta que lhe foi transferido o valor de 200.031.155,89 (Duzentos milhões, trinta e um ml e cento e cinquenta e cinco Kwanzas e oitenta e nove cêntimos). No entanto, um outro documento, dirigido ao Governo Provincial da Huíla pela mesma Direcção de Américo Chicoty, diz que foram transferidos para esta empresa 200.216.600.00 (duzentos milhões, duzentos e dezasseis mil e seiscentos Kwanzas). Com as ordens de saque nº 3863,3864 e 3865, a empresa Lúcia e Filhos Lda recebeu 122.346.149,00 (cento e vinte e dois milhões, trezentos e quarenta e seis mil e cento e quarenta e nove mil Kwanzas). Já as ordens de saque nº 3866 e 3867 levaram à H e F Lda 88.577.787,80 (oitocentos e oitenta e oito milhões, quinhentos e setenta e sete mil e trezentos e oitenta e sete Kwanzas). As ordens de saque nº 3870 e 3871 foram transferidas para a empresa Henrique C e Filhos o valor de 99.978.136,00 (novecentos e noventa milhões, novecentos e setenta e oito mil e cento e trinta e seis Kwanzas), ordem de saque nº 3868 e 3869.
Américo Chicoty fala em 45 funcionários por pagar
Na conferência de imprensa convocada pelo director provincial da Educação, na última semana, Américo Chicoty, reconheceu haver ainda alguns professores detentores de cargos de direcção e chefia por pagar. Segundo o responsável da Educação na província da Huíla, o número de professores que apresentaram as suas reclamações por não terem recebido as suas diferenças salariais ronda os 45. Para o seu pagamento, Américo Chicoty garantiu à imprensa que a sua Direcção espera por um despacho do governador provincial para que, caso se comprovem as reclamações, as dívidas sejam liquidadas. “As reclamações são legais, pecam pelo facto de terem dado entrada de forma tardia, na medida em que poderiam ter sido apresentadas no momento em que estava a ser efectuado o pagamento, porque se isso ocorresse, se calhar até esse remanescente não existiria. Vamos cumprir com aquilo que é o despacho do senhor governador que diz, que tão-logo a província tenha em sua posse recursos para dar tratamento a essa novas reclamações, o processo (de pagamentos) vai retomar até à sua fase de conclusão”, revelou.
Para Tyipinge já não existem professores por pagar
Ontem, no Governo Provincial, João Marcelino Tyipinge disse que já não existe professor algum por pagar. De acordo com o gestor máximo da província, depois do encerramento do processo de pagamento, apenas existiam 33 funcionários por pagar. Embora não tenha dito o período em que os mesmos receberam, garantiu que estes já foram pagos. “Não se trata de salários, trata-se de subsídios de colaboração, subsídios de exames, diferenças salariais para aqueles indivíduos que tinham cargos de direcção e chefia! Portanto, com apoio dos sindicatos, o número foi encontrado, criou-se uma comissão coordenada pelo ex-delegado das Finanças, que integrava a Educação e outras estruturas da nossa inspecção, só para ver a seriedade do caso. Numa primeira fase foram compulsados cerca de 3.540 trabalhadores nessas condições”, explicou.
O governador provincial insistiu que depois do processo de pagamento, apenas apareceram 33 reclamações, de igual número de funcionários, e que foram todas atendidas. “Com as reclamações, o número subiu e esta comissão (de pagamentos) vigorou durante 17 meses para trabalhar e outro tempo suplementar para atender às questões reclamadas, e eu, depois, recebi, no fim do ano de 2014, um relatório que dizia: ‘todos os beneficiários devem ter o seu processo individual devidamente constituído’, pelo que nesta altura já não existe nenhum professor por pagar, por orientação minha, e assim conseguimos resolver o problema daqueles que não tinham sido pagos” afirmou.
Ofertas de bens e serviços ditam selecção de empresas privadas para pagamento a funcionários públicos
Relativamente aos critérios de selecção das empresas privadas subcontratadas pelo Governo Provincial, através da Direcção da Educação, para pagamento aos funcionários públicos do sector da Educação na província da Huíla, o governante disse ter havido critérios previamente obedecidos. Ao detalhar quais foram tais critérios, João Marcelino Tyipinge, disse que se basearam em alguns favores que estas empresas fizeram ao Estado. “Nós conhecemos o mercado, conhecemos aquelas empresas dedicadas que quando a gente dá tarefas ou ganham obras e empreitadas, realizam-nas com eficiência, realizam bem os trabalhos.
Vou dar-vos um exemplo das empresas: a Enrique e Filhos é uma empresa que opera no mercado já há muito tempo e que tem capacidades boas… mas de onde é que parte a nossa confiança nessa empresa?… Nós estávamos, há tempos, aflitíssimos com medicamentos para a maternidade, essa empresa ofereceu medicamentos num total de Kz 11.300.000,00. Oferta! Ofereceu ao Gambos 7.300.000.00 de medicamentos, portanto, isso é oferta, alimentação para os Gambos, 5.100.000, 00. Ofereceu-me aqui motorizadas que entreguei à Agricultura para a vacinação do gado, cerca de 15 motorizadas. Então cria-se confiança nessas empresas”, afirmou.
“O Dinheiro para a compra dos laboratórios está no BPC”
Dos mais de 3 mil milhões de Kwanzas que o governador afirma terem servido para o pagamento à divida de 3.545 funcionários do sector da Educação no ano de 2014, houve um remanescente de 199.999.999,96 (cento e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e nove Kwanzas e noventa e seis cêntimos). Este valor, segundo afirma, foi aplicado para a compra de laboratórios distribuídos nos seguintes moldes: cinco laboratórios de Física para o segundo ciclo, orçados em Kz 60.704.228,30; três laboratórios de Biologia para o primeiro ciclo com o custo de Kz 15.808.594,20; três laboratórios de Física para o primeiro ciclo, orçados em Kz 33.422.776,92, e três laboratórios de Química para o primeiro ciclo não avaliados em Kz 26.136.803,55. Um cópia do contrato celebrado entre o Governo Provincial da Huíla e a Empresa CIKO SOLU ÇÕES GESTÃO E EMPREENDIMENTOS, com sede em Luanda, representada por Costa de Oliveira, assinado pelo secretário do Governo Provincial da Huíla, atesta no seu artigo 19º, ponto único sobre a entrada em vigor, que o contrato inicia-se e adquire validade com a assinatura pelos contratantes e após terem sido anexos os documentos previstos nos artigos terceiro e décimo.
Já o Artigo 11º do mesmo contrato, sobre o período de garantias, diz que todos os fornecimentos realizados ao abrigo deste contrato, terão a garantia de três anos. Entretanto, desde 14 de Dezembro do ano de 2015, altura em que o referido contrato foi assinado pelo secretário do Governo Provincial, António Ndasindondyo, como contratante, e Costa de Oliveira como fornecedor, homologado pelo governador provincial da Huíla, João Marcelino Tyipinge, já passam quase três anos e até agora nenhum dos laboratórios está no país. Sobre o assunto, o governador provincial da Huíla informou que estes valores encontram-se depositados no Banco de Poupança e Crédito (BPC), embora não tenha especificado o número da conta, nem a razão para ainda permanecerem neste banco. “O remanescente não é dos professores, o remanescente é do Estado. Sobrou e serviu para outros interesses também públicos do Estado. A empresa fez solicitação ao BPC de recursos para se fazer a transferência destes recursos para comprar divisas para a importação e encontrou dificuldades até hoje”, informou Tyipinge.
Governador descarta abertura de um inquérito, mas PGR vai investigar
Todos os esclarecimentos dados pelo governador provincial da Huíla e pelo titular da Educação acabariam, no entanto, por levantar mais dúvidas em torno deste processo que envolve avultadas somas de dinheiro. Os jornalistas colocaram várias questões sobre a confiança de João Marcelino Tyipinge no seu subordinado (director provincial da Educação) tendo em conta a reacção social a este caso na província. OPÁIS, questionou sobre a possibilidade de se abrir um inquérito com o objectivo se esclarecer qualquer dúvida em torno do assunto, ao que o político respondeu que tal só será possível com orientação superior.
“Não há necessidade de abrir qualquer inquérito para se apurar a verdade, ao nosso nível está tudo claro, a não ser que uma entidade superior a mim mo exija. Da nossa parte não há necessidade”, disse. Entretanto, este jornal contactou a Procuradoria Geral da República (PGR) na Huíla, na pessoa do seu titular, Hernâni João de Freitas Beira Grande, que garantiu que abrirá uma investigação para o bem da verdade e da justiça. “Não temos nenhuma informação sobre o assunto, mas vamos abrir aqui um processo de investigação, para se apurar a veracidade dos factos arrolados pelos meios de comunicação”, disse.