Toto Yumbi Willy e Kokolomani Ngand Clemente, médicos de clínica geral, acusam a Ordem dos Médicos de Angola (ORM ED) de os descriminar por serem militantes da UNITA.
POR: Paulo Sérgio
Dois médicos angolanos, formados na Universidade de Kinshasa, República Democrática do Congo (RDC), ávidos por ajudar a acudir os milhares de cidadãos que acorrem às unidades hospitalares do país, “lutam”, desde 2015, pelo reconhecimento e emissão da carteira profissional por parte da ORMED. Toto Yumbi Willy e Kokolomani Ngand Clemente, ambos médicos de clínica geral, têm os seus diplomas reconhecidos pela Universidade Agostinho Neto, pelo Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES), pelo Ministério das Relações Exteriores e pela Embaixada de Angola na RDC. Sob orientação da ORMED, conforme documentos a que OPAÍS teve acesso, fizeram um estágio profissional no Hospital Josina Machel que teve a duraçãou de quase três meses, em que alcançaram um satisfatório nível de aproveitamento, facto que, porém, foi insuficiente.
“Fizemos os estágios perante professores, médicos e especialistas de diversas áreas. Está aqui o meu relatório de fim de estágio”, exibiu Kokolomani Clemente. Desesperados, recorreram a diversas instituições do Executivo, incluindo os gabinetes do Presidente e do vice-presidente da República, solicitando a sua intervenção no sentido de se repor a legalidade, porém sem sucesso.
Início do martírio
Ambos acreditam piamente que, para além da sua filiação política, estão a enfrentar essas dificuldades por terem abandonado a clínica privada do antigo vice-bastonário da ORMED, Josenando Teheophile, onde trabalhavam, por serem mal remunerados. Os médicos ingressaram em 2005 nos quadros de funcionários do Centro de Cuidados Médicos Essenciais e Investigação em Saúde “GRASCO”, após dele receberem a promessa de que os ajudaria a obter as respectivas cédulas profissionais. Atendendo à questão salarial e o incumprimento da promessa, em 2006 abandonaram a clínica do também ex-presidente do Conselho Regional Norte da Ordem dos Médicos de Angola e antigo 1º conselheiro do então Ministro da Saúde, José Van-Dúnem, acreditando que conseguiriam a cédula sem a “cunha” do ex-patrão.
“O professor doutor Josenando Teheophile me ameaçara que se abandonasse a sua clínica não exerceria a medicina em Angola. O melhor seria regressar ao Congo ou ir a outro país”, afirmou. Três dias depois foram surpreendidos com a inclusão dos seus nomes numa lista de alegados médicos falsos publicada no Jornal de Angola, na edição de 26 de Junho de 2006. Kokolomani Clemente disse que o caso foi levado aos órgãos de investigação criminal, tendo como base um relatório de Josenando Teheophile, datado deste mesmo ano, no qual atesta que ambos não estão inscritos na Ordem dos Médicos da RDC. O queixoso justifica que não estão inscritos naquela organização porque depois de se licenciarem, em 1996, regressaram ao país e passaram a trabalhar em zonas sob controlo do antigo braço armado da UNITA nas Lundas.
Processo na ex-DNIC
Em 2008 foram convocados às instalações da antiga Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), actual Serviço de Investigação Criminal (SIC), para responderem sobre tais acusações, com outros indivíduos, e proibidos de se ausentarem do território nacional. Dois anos depois, isto é, em 2010, este órgão afecto ao Ministério do Interior, anulou todo o processo que ambos entregaram como prova material de que são médicos e orientados a tratarem a segunda via dos diplomas nas universidades onde estudaram, e assim o fizeram.
Segundo Toto Willy, a Ordem alegava que não pode atribuir a tão almejada cédula profissional sem que a justiça se pronuncie sobre este processo. Recorreram à Procuradoria- Geral da República junto do SIC, que emitiu um despacho à Ordem, com o conhecimento do Mistério da Saúde e da Provedoria de Justiça, favorecendo os queixosos, mas a cédula continua condicionada ao processo anterior. Kokolomani Clemente, saturado com a situação, intentou uma acção judicial contra a ORMED, cujo processo, número 1064/016-A, corre os seus trâmites legais no Tribunal Provincial de Luanda.
“Eles não eram médicos”
Contactado pelo OPAÍS, Josenando Teheophile afirmou que na altura que os conheceu eram médicos falsos e foram detectados através de um trabalho apurado realizado pela ORM ED na altura em que fazia parte do corpo directivo. “Fizemos um trabalho apurado, em nome do Estado Angolano, junto da Ordem dos Médicos do Congo e da Universidade de Kinshasa e constatamos que não estavam inscritos nestas duas instituições”. Contrariou a informação dos queixosos, alegando que os afastou do seu posto médico por ter descoberto a falsidade e que não foram eles que se demitiram nas circunstâncias como mencionam.
“Eram enfermeiros ou auxiliares de técnicos de enfermagem, um deles com alguma experiência em cirurgia, mas na altura que trabalharam comigo não eram médicos, talvez estudaram medicina depois”, frisou. Quanto à acusação de que a Ordem, por sua influência, descrimina-os por serem militantes do maior partido na Oposição, também refutou, alegando que não faz parte do corpo directivo desta organização há 11 anos e que acabava de tomar conhecimento da filiação partidária dos mesmos e que trabalharam, na época do conflito armado, nas zonas sob controlo dos militares deste partido.
“Se nas áreas que eram controladas pela UNITA existia faculdade de medicina, onde eles estudaram, eu não sei”, ironizou. OPAÍS tentou contactar o bastonário da ORM ED, Carlos Pinto de Sousa, pelo seu telemóvel, mas não teve sucesso. Foi atendido por uma funcionária desta instituição, identificada apenas por Juliana, que atestou que ele não se encontra no país e que desconhece a data do seu regresso. De seguida, ligou João Valente, assessor de imprensa do bastonário, manifestando que o seu chefe estará em Luanda na próxima semana e falará para OPAÍS.