Os equipamentos hospitalares postos ao serviço dos cidadãos, nas mais variadas unidades sanitárias do país, têm estado a ficar inoperantes por inexistência de manutenções preventivas e reparação em caso de avaria. Em causa está a gritante falta de técnicos especializados nessa matéria, resultante da fraca aposta na formação de quadros em electromedicina
Os aparelhos médicos são de particular importância para a realização de várias intervenções médicas. Por exemplo, os utentes recorrem aos hospitais com alguma frequência para solicitarem a realização de exames ou para que sejam submetidos a procedimentos cirúrgicos.
Para que, por exemplo, um analista clínico possa determinar se um paciente tem ou não malária, é preciso que recorra a um microscópio, ou, em caso de outras patologias, faça recurso a outros equipamentos laboratoriais. Nos hospitais públicos, a procura por um exame médico tem sido frequente. A queixa dos utentes está relacionada com a falta desses serviços, uma vez que, na altura da inauguração dessas infraestruturas, foi feito o anúncio de que todas as valências estavam ali concentradas.
O facto leva muitos utentes recorrerem às instituições médicas privadas, a fim de conseguirem um exame, principalmente os de alta complexidade, como endoscopia, eletrocardiograma, e Raio X do Tórax, só para citar alguns. A reportagem do jornal OPAÍS apurou que muitas unidades sanitárias públicas têm esta- do a deixar de prestar estes ser- viços por conta da inoperância dos equipamentos, que, sem manutenção regular, chegam a ficar avariados. Este é o caso do aparelho de anestesia do Hospital de Cate- te, no município de Icolo e Bengo, que por falta da devida atenção técnica chegou a ficar inoperante durante dois anos.
O facto deixou os utentes, que necessitavam de intervenções cirúrgicas, sem o serviço, sendo forçados a procurarem outros estabelecimentos, a fim de verem resolvidas as suas preocupações. O director municipal da Saúde em Icolo e Bengo, Luís Domingos, em exclusivo ao jornal OPAÍS, avançou que, por conta dessa situação, que em parte resulta da falta de formação de técnicos em electromedicina, o Governo Provincial de Luanda preferiu investir no pagamento de uma empresa de profissionais cubanos. Esses contratados são os responsáveis pela manutenção e reparação de equipamentos, sendo que, por esta via, o hospital conseguiu reaver o equipamento que esteve inoperante. “Nós, quando queremos uma reparação, chamamos esta equipa.
São eles que recuperaram o nosso aparelho de aneste- sia. Pensava-se em um novo, mas eles mexeram e está ali, com boa garantia”, frisou. Na mesma senda, o aparelho de Raio X está avariado há longos anos. O tempo desde que apresentou o problema técnico estendeu-se demasiadamente, sem que fosse intervencionado, até que chegou a cair em desuso. Actualmente, sem o aparelho que permite a realização de exames, o hospital necessita de um novo, já que o que têm avaria- do está antiquado, e não existem mais materiais, no mercado para a sua reparação. “Até agora, é só o Raio X do Hospital Municipal. A marca da antiga geração já está descontinuada, no mercado nacional e internacional; já não tem materiais de substituição. O hospital precisa mesmo de um novo aparelho”, alertou.
“Na imagiologia temos necessidade de regularizar a manutenção”
De acordo com o director geral do Hospital Municipal de Tala- tona, Domingos Jacinto, a unidade que dirige conta com uma diversidade de valências, dispondo de vários equipamentos médicos, que necessitam, permanente, de manutenções preventivas, para evitar as correctivas que são mais caras. O laboratório do hospital está equipado com os microscópios e aparelhos que permitem a realização de exames de sangue (hematologia) e, também, para análises bioquímicas, assim como de falciforme.
No entanto, com excepção do equipamento de Raio X que, como disse, “tem a manutenção mais regular da empresa que montou”, as demais má- quinas, como o tomógrafo e o ecógrafo, o director admite que há necessidade “de regularizar a manutenção”. “Realmente, as manutenções permanentes e regulares são uma grande dificuldade e o Hospital Municipal de Talatona não foge à regra.
Pois, os equipamentos médicos, devido à sua especificidade, não têm muitas opções no mercado e as poucas existentes vão cobrando preços, por vezes, muito além das capacidades da unidade” Para gerir a dificuldade, Domingos Jacinto disse que a unidade tem procurado por melhores opções no mercado e contou: “sempre que é necessário recorre-se à administração, que prontamente tem acudido as necessidades do hospital” Sem avançar o valor exacto de investimento, em manutenção e reparação, o médico-cirurgião avançou que o hospital gasta, mensalmente, “cerca de 1/4 do orçamento destinado ao hospital”.
Projecto do CINFOTEC para formar técnicos “sem pernas para andar”
O Centro Integrado de Formação Tecnológica de Angola (CINFOTEC) apresentou ao Mi- nistério da Saúde, em 2017, uma proposta de promoção de um curso de electromedicina para suprir o grande défice existente. No entanto, segundo o antigo director-geral adjunto para a área técnica e pedagógica do CINFOTEC, Anselmo Azevedo, que esteve na linha de frente do projecto, os cursos nunca chegaram a ser ministrados “em função da mudança política e de direção do CINFOTEC”.
“Os cursos iriam arrancar, na nossa nova unidade do Rangel, com parceria do Ministério da Saúde, mas que, em função da mudança política e de direção do CINFOTEC, o projecto não avançou”, explicou. A instituição estava em posse do projecto devidamente estrutura e apenas aguardava pelos meios para a montagem dos laboratórios, que seriam doados por em- presas parceiras e pelos hospitais públicos e privados. Por isso, disse, a real causa que fez com que o projecto não avançasse é o que chamou de “falta de visão política para dar seguimento”, depois da exoneração do ex-ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, António Pitra Neto.
“Ele tinha uma outra visão sobre o assunto”, explicou. Anselmo Azevedo alerta para a necessidade urgente de o país começar a formar quadros nesse seguimento, uma vez que, disse, o CINFOTEC realizou um diagnóstico que conclui a existência de uma falta gritante desses quadros nos hospitais. “O país precisa, e muito, de profissionais nesta área. Só para ter uma ideia, fizemos um diagnóstico nas principais unidades hospitalares, públicas e privadas, e todas elas possuem um défice.
Não têm técnicos. Os poucos que possuem eram profissionais de outras áreas que foram adaptados”, avançou. O engenheiro referiu ainda que, consequentemente, em muitos hospitais públicos e privados os equipamentos acabaram por estragar por falta de manuseio correcto dos mesmos, além da falta de manutenção
MINSA “ignora” sugestão do Sindicato dos Médicos
O Sindicato Nacional dos Médicos Angolanos (SINMEA) revelou ao jornal OPAÍS que tem elaborado um plano de formação de quadros, para que estes respondam às questões de avariais técnicas manifestadas nos aparelhos hospitalares utilizados em laboratórios e blocos operatórios.
No entanto, o secretário- geral desta organização sindical, Pedro da Rosa, disse que o Ministério da Saúde (MINSA) não acolheu a iniciativa, o que tem resultado, normalmente, naquilo que considera ser “abandono precoce de muitos equipamentos”, em muitas unidades sanitárias no país por falta de técnicos de electromedicina. Pedro da Rosa referiu que esta questão tem sido discutida constantemente com o MINSA, mas este não tem emprestado os seus ouvidos no sentido de atenuar as preocupações que há muito são apresentadas.
“Nós falamos sobre isso. Mas, ninguém nos dá ouvidos. A principal proposta para se inverter esse quadro é o diálogo. É preciso que o Ministério da Saúde dialogue mais com os seus parceiros sociais, inclusive o Sindicato. Nós temos um plano de formação de quadros, mas o Ministério não abraça, não acolhe”, referiu. A propósito do assunto, o jornal OPAÍS tentou contactar este departamento ministerial, mas não teve êxitos.