Maquela do Zombo, a secular vila que Norton de Matos quis transformar na capital do Congo português, em oposição às capitais dos Congos Belga e Francês, continua a ser uma vila pacata onde procurar por falantes da língua portuguesa é um bico-de-obra. Por cá, é o lingala que domina
Por: André Mussamo, enviado a Maquela do Zombo
Consta dos anais da história que tal como o general Norton de Matos tomara a decisão de criar uma cidade, a partir de uma fortificação existente no Planalto Central de Angola: a cidade do Huambo, houve decisão de carácter idêntico, tomada pelo mesmo governador-geral de Angola. Todavia, logrou êxitos com a Cidade Vida, mas no extremo Norte de Angola, a dois passos da fronteira com o Congo, fracassou.
Apesar do fracasso daquela entidade colonial, Maquela do Zombo faz jus à sua história, mantém-se viva e firme, mas a reclamar por mais atenção. Por cá não há asfalto e a principal carência colocada pelas poucas fontes que se expressam em português é “a falta de emprego”. Tal como no resto do país, o sector informal continua a ser uma das fontes vitais de sobrevivência de inúmeras famílias.
O campo é “o tesouro”. O nosso guia, um taxista que sobrevive, ele e a família de mais oito membros, fazendo mototaxi, diz que a melhor decisão que tomou na vida foi comprar uma motorizada de 125cc que lhe permite arrecadar em média de 2.500 a 3 mil Kwanzas por dia. Conta que na localidade clientes para táxi é uma raridade. Os estudantes via de regra caminham a pé e não usam táxi na ida e regresso das escolas.
A nossa oferta em troca de levar-nos a conhecer Maquela, por 1500Kz, soou-lhe como uma dádiva caída do céu. E para expressar verdadeiramente a sua gratidão preferiu comunicar em língua nacional: “tu tondele tata”. Depois de se certificar que podia dialogar em kikongo , o mototaxista aumenta o seu grau de confiança e conta-nos mais detalhes: “em Maquela quase todos os funcionários têm uma lavra por mais pequena que seja e a delinquência é ao nível de roubo de galinha, cabritos e migração ilegal”.
Aconselhado a rodar mais devagar, replica dizendo que colecciona anos de prática a conduzir motorizada, incluindo idas à fronteira com o Congo, fazendo-se transportar sobre o seu veiculo de duas rodas. Leva-nos a conhecer os pequenos mercados e auxilia na tradução. As pessoas vendem um pouco de tudo. Felizmente, Maquela é ainda uma vila ordeira. Sem trafego caótico e nem venda ambulante desordenada. Conta-nos que as autoridades fazem questão de combater a ideia de cada um fazer a sua praça. Mais, a toda extensão da vila, vende-se de tudo um pouco.
Quem chega de Luanda quase que considera oferta comprar o quilo de fuba de bombó a 50 Kz, a mesma unidade de gingubadescascada a 250 Kz, o monte de ginguba torrada fresca a 100, safo, milho fresco, mel, mandioca, e por aí… Entretanto, na zona mais comercial da extensa vila parece que a disputa é entre o melhor sistema sonoro. A cada porta os comerciantes colocam colunas de som para chamar a atenção para o seu estabelecimento.
A música predominante é a congolesa, mas de forma salpicada aqui e ali ouve-se alguma música nacional. O guia clarifica: “estes vícios vêm do Congo, papa! Nós aqui essa anarquia não”. Seguindo viagem, desembocámos na “maratona”, uma improvisada feira com barracas de “comes e bebes” que funciona em plena Terça-Feira.
As vendedeiras convidam, mas somente em lingala. Mais uma vez esclarece o nosso cicerone que a vinda de peregrinos à localidade é uma grande oportunidade para fazer negócio. Maquela reclama por investimentos A decisão tomada pelo general Norton de Matos em reanimar a histórica vila, transformando-a numa cidade e fazer dela a capital do Congo Português, de tal sorte que ela fosse capaz de rivalizar com as capitais dos Congos belga e francês, bem podia ser retomada no projecto de Angola independente, mas não se notam sinais de tal vontade.
A vila continua sem asfalto, pouco crescimento urbano e um tímido movimento comercial alimentado por produtos manufacturados de importação que são vendidos a uma população de consumidores de baixíssimos rendimentos.
Felizmente já chegou a energia eléctrica de Capanda, fruto de um grande investimento público, que permitiu a extensão de uma linha desde Lucala, passando por Samba Caju, Camabatela (localidades do Cuanza-Norte), e que vem desembocar em Maquela do Zombo. Para os cidadãos, a chegada da electricidade foi um “grande avanço”. Contam que antes viveram dias amargos com geradores comprados a preço de ouro e combustível escasso.
Revelaram as nossas fontes que a região é detentora de um potencial agropecuário invejável. Neste quesito acrescentaram os nossos entrevistados que Maquela aguarda por verdadeiros fazendeiros “que venham para trabalhar de verdade e dar emprego às pessoas e não turistas que ocupam vastas extensões apenas para se exibirem”.
Sinais de grandeza profunda religiosidade
Os edifícios da administração local revelam a grandeza que resta do adiado sonho do então colonizador. Por exemplo, os resquícios de um luxuoso palácio (para a época), no meio de um exuberante jardim tropical, ainda prevalecem, embora já desgastados pelo tempo.
Dizem os nossos interlocutores que a exuberância de Norton de Matos teria sido propositada para que os que chegassem de Léopoldville vissem bem aquele símbolo da “grandeza da colonização portuguesa assim que entrassem em Angola”. Apesar do sonho de Norton de Matos ter fracassado e a capital do distrito ter sido transferida para a actual cidade do Uíge, ficaram por cá sinais claros do ambicioso projecto.
Por exemplo, as avenidas amplas, se bem que sem asfalto, até aos nossos dias. Parece que a intenção das autoridades da época também foi acompanhada por um projecto de expansão do cristianismo, tal é a abundancia de estruturas missionárias e templos de adoração a Deus na região.
Uma das notas positivas registadas no nosso passeio de constatação é o fervor com que adolescentes e jovens frequentam as aulas. Podem até atropelar as regras da língua veicular no país, mas é bem perceptível no comportamento dos estudantes a vontade de aprender. Porém, esta vontade deverá ser correspondida por um esforço maior.
Foi surpresa no intervalo das aulas ter ouvido crianças do ensino primário a falar apenas em lingala e, se questionados em português, literalmente fugirem à fala.
“Por cá, encontrar pessoas para dialogar em português é o mesmo que procurar uma agulha no palheiro”, disse-nos o nosso guia, o motoqueiro João Ngombo, que sonha um dia ser um grande fazendeiro.