Quarenta e dois pescadores angolanos encontram-se detidos, alguns há vários me- ses, em Ponta-Negra, República do Congo Brazzaville, e no Gabão acusados de violarem o espaço marítimo e de pescarem ilegalmente no território desses países, revelou, ao jornal OPAÍS, o presidente da Associação dos Pescadores de Cabinda (APC), Lucas Mataia Loto
Lucas Mataia Loto disse que um dos pescadores, deste grupo de angolanos detidos no Gabão, faleceu na semana passada por doença e foi sepultado naquele país, enquanto um outro encontra-se em estado de saúde preocupante. De acordo com os dados estatísticos fornecidos a este jornal pelo presidente da APC, no ano passado foram apreendidos pelas autoridades marítimas gabonesas cerca de três embarcações com 19 pescadores e os respectivos artefactos de pesca, e este ano mais duas embarcações e 16 pescadores. Ao nível de Ponta-Negra, uma embarcação e se- te pescadores foram apreendidos, além de uma outra chata detida na passada semana.
Os pescadores angolanos de- tidos nestes países, segundo fez saber Lucas Loto, estão a enfrentar dificuldades de vária ordem desde a falta de alimentos, vestuário e assistência médica codigna. Pelas informações que dispõe, já que tem mantido contactos permanentes com os detidos, um grupo de pescadores já foi ouvido pelo tribunal e conde- nado a dois anos de prisão. “Este é um assunto que requer uma intervenção directa do nosso Governo para que junto dos Governos do Congo Brazzaville e do Gabão possam ultrapassar esse impasse.”
Disse que a associação tem interagido com o nosso consulado em Ponta-Negra e com a embaixada de Angola no Gabão no intuito de se resolver a questão dos pescadores detidos nesses territórios. Lucas Loto reconheceu que, no passado, estas representações diplomáticas muito fizeram, com meios financeiros próprios, para que vários pescadores retidos nesses países fossem repatriados para Angola. As constantes violações dos angolanos das fronteiras marítimas dos países vizinhos levou o embaixador de Angola no Gabão a reunir-se, em Cabinda, com o governo provincial e a associação dos pescadores para transmitir as consequências desses actos já que as autoridades destes países já estavam a ficar agastadas com a situação.
No encontro, segundo o presidente da APC, o embaixador advertiu que a embaixada já não dispunha de verbas para repatriar as pessoas que se fazem ao mar do Gabão e caso isso acontecesse seria da responsabilidade do armador (dono da embarcação). “Razão pela qual, de lá para cá, o governo já não tem as- sumido essa responsabilidade”, explicou. As associações e os armadores que deveriam arcar essa responsabilidade, segundo Lucas Loto, não têm capacidade financeira para o fazer. Perante a situação grave e indefinida em que se encontram os pescadores, o nosso entrevista- do avançou que contactos têm sido feitos com as ligas das associações dos Direitos Humanos no sentido de haver uma entidade que possa ajudar aqueles concidadãos que estão em condições difíceis.
Os angolanos detidos nos países vizinhos estão longe daqueles casos em que os pescadores se viram aflitos com avarias nas embarcações que eram arrastadas pelas correntezas das águas até aqueles territórios. “Estes sempre mereceram um tratamento diferenciado ao contrário destes que violam, conscientemente, o mar de outros países para pescar e muitos deles que estão presos são reincidentes nessa prática.” O presidente da APC lançou um veemente apelo aos pescadores a abdicarem-se dessas práticas (violações) na medida em que os governos desses países estão a tomar medidas severas em relação ao assunto. “O governo lavou as mãos, a associação e os armadores não sabem o que fazer. Aconselho as pessoas a acatarem as medidas e os conselhos”, disse.
Razões para as violações Existe uma espécie de conflito de interesses na gestão do espaço marítimo na costa de Cabinda entre a Chevron e os pescadores que concorrem cada um com o seu objectivo para explorar os recursos marinhos e sub- marinhos. O decreto presidencial em vigor que regula a matéria estabelece as cláusulas que definem que num raio de 1000 (mil) metros é proibido o exercício da pesca ou mesmo a circulação de embarcações estranhas à actividade de exploração petrolífera.
Segundo o responsável do departamento das Pescas em Cabinda, Rafael Brás, essas medi- das vêm sendo aplicadas há mais de dez anos e ao longo desse período foi feito um grande trabalho de sensibilização e comunicação aos pescadores, através de encontros conjuntas entre o sector das pescas, capitania, Cabgoc e pescadores. “Não é estranho para nenhum pescador que não deve aproximar-se num raio inferior a 1000 metros das plataformas petrolíferas.”
A pesca mais praticada em Cabinda é artesanal que é feita com embarcações até 13 metros de comprimento movidas a motores fora de bordo até 40 cavalos. As embarcações de tipo chatas de fabrico artesanal não têm capacidade para se distanciarem- se muito para lá das 8 milhas da costa. Por isso, os pescadores abeiram-se junto das plataformas petrolíferas onde encontram algum pescado de qualidade para a sua sobrevivência. Esta prática, no entender de Rafael Brás, não deve ter qualquer acolhimento uma vez que o mar de Cabinda é vasto e os pescadores podem exercer, à vontade, a sua actividade.
Entretanto, Rafael Brás reconheceu que os pescadores não dispõe de condições e equipamento sofisticado para irem muito além da nossa costa. Mesmo assim, replicou que “as leis são para serem cumpridas sob pena de incorrerem em penalizações”. O trabalho de fiscalização da actividade pesqueira na costa é deficiente, porque o órgão de tu- tela tem grandes dificuldades em acompanhar o movimento dos pescadores para fazer valer o cumprimento rigoroso das medidas contidas no decreto presidencial por falta de meios e condições.
“Não possuímos uma única embarcação para fiscalizar a costa e temos um défice muito grande de técnicos inspectores de fiscalização pesqueira. Neste momento, a província só tem cinco inspectores de pesca entre os quais dois fazem trabalho administrativo”, justificou Rafael Brás. Como as dificuldades são enormes, para as acções de fiscalização o sector das pescas tem contado com a ajuda da Polícia Fiscal, da Marinha de Guerra e da Polícia de Fronteira. “Mesmo assim continuamos a achar que era necessário que o sector possuísse os seus próprios meios para poder agir na hora e no momento exacto de forma mais expedita.”
A justificação dos pescadores
O presidente da Associação dos Pescadores de Cabinda apre- sentou os seus argumentos de razão quanto ao cumprimento do Decreto Presidencial que delimita a área de pesca junto às plataformas petrolíferas “As dificuldades são imensas em função desse decreto, visto que o número de pescadores que temos por em- barcações que se fazem ao mar é elevado e o espaço em si na nossa costa de Cabinda só tem 100 quilómetros e o número de plataformas ou poços de petróleo existentes no nosso mar é elevado.” Neste contexto, referiu, são obrigados a percorrer longas distâncias de Cabinda para Soyo, Nzeto e Ambriz em busca de pescado para satisfazer o mercado.
Segundo Lucas Loto, em cada ano as dificuldades dos pescadores vão aumentando, porque há mais descobertas de petróleo e como consequência haverá mais plataformas e sondas no mar o que pode limitar ainda mais o espaço de pesca. O nosso entrevistado reconheceu que os seus associados violam, constantemente, os limites estabelecidos para a pesca junto das plataformas o que tem provocado um conflito de interesses entre a Chevron e os pescadores. “Para a captura do pescado sabemos que existem recifes artificiais e cada poço se constitui num recife artificial é aí que se pode conseguir obter o pescado. Nem todos os pescadores estão na disposição de acatar os conselhos e violam essas normas e mui- tas vezes são punidos pelas instâncias de direito.” Além de percorrerem distâncias longas dentro do país em busca de pescado, os pescadores violam insistentemente os espaços marítimos dos países vizinhos. As razões para que tal aconteça são justificadas pelo presidente da associação pelo facto de o mar de Cabinda ter pouco espaço para pesca e com o aumento do número de pescadores baixa os níveis de captura de pescado.
POR: Alberto Coelho, em Cabinda