Os estudantes do Complexo das Escolas de Arte (CEART) têm sido vítimas de assaltos e de violações durante o percurso apeado de cerca de três quilómetros, que separa a instituição da Avenida Fidel de Castro Ruz. Estes culpam a direcção por não colocar em circulação os dois veículos novos, deixando-os percorrer a distância entre matagais, onde marginais fazem das suas
Um grupo de jovens está a caminhar entre matas. O capim está ligeiramente alto. Alguns deles estão de batas brancas, e outros não. Da mesma forma, uns estão com mochilas às costas, sem que, necessariamente, os seus companheiros estejam, também. Há uma única mulher no meio desse conjunto. O seu nome é Esperança Dilo. É uma jovem com corpo e passos pequenos. A sua bata de escola quase que lhe cobre os pés. Na sua voz de timbre suave, a estudante da 11.ª classe do curso de Artes Plásticas diz ter sido testemunha de várias situações em que colegas foram abusadas, sexualmente.
Dilo conta que muitas sofreram violações, e o trauma não as deixou regressarem às salas de aula, enquanto outras, por ouvirem estes relatos de pessoas com quem partilham o mesmo espaço académico, decidiram, igualmente, pela desistência. A desistência tem sido o caminho para muitas das suas companheiras de sala, por conta dos perigos a que estão expostas, durante os cinco dias normais de aulas semanais. Tudo isso ocorre pelo facto de os estudantes percorrerem um itinerário apinhado de dificuldades impostas pelos marginais, que se aproveitam da acalmia que caracteriza a zona, com pouco movimento de pessoas e veículos em circulação, para praticarem os seus actos delituosos.
A realidade pode ser evitada com a entrada em funcionamento dos dois autocarros que, como dizem os próprios estudantes, permanecem num belo descanso, no parque de estacionamento da instituição, aparentemente sem quaisquer razões plausíveis. Enquanto os meios continuam sem utilidade, Esperança Dilo, que acorda às 4h:50, decidiu passar a pagar uma corrida de moto- táxi, da referida avenida à escola, a fim de evitar os perigos do caminho, onde estão vulneráveis ante aos marginais. Entretanto, a jovem que ainda tem dois anos pela frente, para concluir a formação média, antevê dias piores, na 12ª e 13ª classe, em que as aulas serão ministradas no período da tarde, e vão passar a largar perto do anoitecer. Mas, apesar disso, confessa que desistir não faz parte dos seus planos. “No princípio fiquei assustada, quando ouvi que há violações. Para estudar, eu corro risco, por- que, por vezes, vou de moto, e não passo mais pela mata. Mas não posso pegar sempre moto, por- que os motoqueiros podem ser um dos violadores”, disse.
Andar em grupo de 10 alunos pode ajudar Simão Katumba caminhava com os seus colegas, após às aulas, já de regresso a casa. Eram perto das 13 horas, quando se de- pararam com um jovem em posse de uma arma branca do tipo faca, com a qual os intimidou. Por este meliante estar sozinho, os estudantes tentaram de- fender-se do malfeitor. No entanto, entre as matas, saíram mais pessoas, que contribuíram para consumação do assalto, do qual levaram consigo os pertences dos estudantes. A data ficou marcada, triste- mente, na memória de Simão e dos seus colegas que, desde o sucedido, conta, o sentimento de insegurança instalou-se no seu interior, de formas que permanecem unicamente por conta da vontade de aprender. “Nós não nos sentimos mais confortáveis em sair da escola sozinhos.
Não temos transporte e, ultimamente, está muito perigoso. Só de saber que se viermos por aqui podemos ser assaltados, dá- nos medo e insegurança de vir à escola”, lamentou. Por conta disso, Josemar Matamba, do curso de Artes Plásticas, disse que, para fazerem a perigosa caminhada de cerca de 20 minutos, onde tudo pode acontecer, são obrigados a juntarem-se em grupos de pelo menos 10 colegas, mas, alertou, “nunca um estudante deve percorrer o caminho sozinho”. “Por não termos transporte em funcionamento, há vários roubos, aqui. Ontem e anteontem as- saltaram muitos estudantes. Isso está a prejudicar os alunos. No primeiro ano, as primeiras colegas foram violadas. As colegas desistiram”, recordou, acrescentando que “há coisas que acontecem aqui, ninguém conta”.
“Na próxima semana, os autocarros começam a circular”
A garantia foi dada ao jornal OPAÍS pelo sub-director pedagógico do CEART, Gaspar Neto. Este responsável reconheceu a falta de verba para a contratação dos motoristas, mas que garante a situação já está resolvida
Em entrevista exclusiva ao jornal OPAÍS, anteon- tem, o responsável pela área pedagógica disse que um dia antes da nossa conversa tinha reunido com o novo director da instituição e o mote do encontro foi a colocação em funcionamento dos dois autocarros. Garantiu-nos que os autocarros não têm qualquer problema técnico, aliás, são novos, e estão fora de circulação apenas por falta de motorista.
“Nós precisamos de pessoal. Só para o internato funcionar, por exemplo, precisamos de assistentes sociais, pessoal de limpeza, entre outros, e o Estado não está a admitir este pessoal. Por outro lado, o CEART podia admitir, por via de contratos, mas não é uma unidade orçamenta- da”, esclareceu. Não tendo dinheiro para pagar, não tem como admitir pessoal e ficam dependentes do ministério da tutela, o da Cultura.
“Como sabemos, este ministério é um parente pobre, recebe pouco dinheiro em relação aos outros. Com o pouco que nos conseguem ajudar canalizamos para as despesas fixas (pagar a empresa de segurança, de limpeza, pagar a água e a energia)”, acrescentou. Só agora é que terão motoristas para os autocarros, que o ministério da tutela vai pagar em regime de contratação. A direcção da escola prepara uma reunião, também para a próxima semana, de carácter informativo, com os encarregados de educação.
Na referida reunião, serão analisadas as modalidades de acesso aos autocarros, pois os alunos terão de contribuir com algum valor, bem como as rotas. Por fim, fez saber que, por conta dos assaltos, já conversaram com a Polícia para intensificar a ronda naquela zona. Por outro lado, de modo que os assaltantes não mudem de local de actuação, está-se a ver a possibilidade de terem um agente infiltrado dentro dos autocarros.
“Não há dinheiro para contratar um motorista”
A direcção, segundo os estudantes, chegou a informar, que não há dinheiro para contratar um motorista e cus- tear as despesas correntes das viaturas, como a compra de combustível, fundamentalmente, além de manutenções preventivas e correctivas. “A escola, actualmente, tem nova direcção. O director cessante realizou uma actividade, no anfiteatro, onde se pronunciou sobre os autocarros, no princípio do acto lectivo. Disse que os transportes, para entrarem em funcionamento, não levaria os alunos grátis.
Deveriam pagar uma taxa de 25/30 kwanzas”, contou o estudante Inácio Afonso. Flávio Francisco, outro estudante, subscreve o que os seus colega disseram. Disse que muitos estão a desistir por conta dos assaltos, bem como dos custos relacionados com o transporte e com os materiais que são caros. Destacou os meios de especialidade, particularizando as tintas e os cadernos. Mas, Francisco refere que, a força de vontade para realizar o sonho, que o levou àquela escola tem sido suficiente para o fazer persistir na formação, sob todos os riscos descritos. “O que nos faz persistir é o nosso sonho de nos tornarmos artistas plásticos, ou bons professores de arte. É o que escolhemos. Vamos prevalecer até ao final”, disse.