Apesar do risco elevado de perderem a vida (sua ou a do bebé), mulheres com insuficiência renal crónica (IRC) ficam grávidas. Alguns especialistas não aconselham, outros apenas defendem a intensificação dos cuidados, mas a verdade é que casos do género têm-se registado na nossa sociedade e há a necessidade de se criar uma equipa multidisciplinar
POR: Romão Brandão
A gestação em diálise, as complicações da gravidez na doença renal, bem como as complicações materno-fetais, estiveram em análise no Iº Simpósio de Nefrologia da Clínica Multiperfil, também porque, nos últimos tempos, se tem registado casos de mulheres em hemodiálise que decidem ter filhos. A maior parte das mulheres atendidas pela Multiperfil nesta condição, segundo a médica nefrologista Edna Cardoso, não é mãe de primeira viagem, pelo que estas, mesmo sabendo do risco de correm, procuram ter cada vez mais filhos.
A decisão de ter filhos muitas vezes é influenciada pela família, ou pela discriminação da sociedade, ao saber que só tem um filho, por exemplo. “Muitas são dependentes do marido e a nossa sociedade, infelizmente, condena as mulheres que não têm filhos ou que só têm filho único. Para preservar o casamento ou com medo de sofrer discriminação, muitas preferem arriscar. Nós, como médicos, damos todo o suporte com seguimento rigoroso”, disse. Por incrível que pareça, o desejo de ser mãe tem ajudado a superar todos os outros problemas que advêm da diálise. Inclusive, há casos de pacientes que pouco se interessavam com o tratamento e ao descobrirem que estão grávidas procuram cumprir todas as orientações e seguem rigorosamente o tratamento.
ferida clínica têm casos que não terminam em complicações graves, “não tivemos nem óbito materno, nem fetal”, sublinha, tendo assumido que podem surgir normalmente complicações como partos prematuros, pois muitas começam a dar a luz com 28 semanas e os bebés devem permanecer na incubadora. Algumas vezes estes bebés de mães dialíticas nascem com alguma dificuldade respiratória; as pacientes têm tido hemorragia pós-parto causada pela oscilação da pressão arterial, que durante a gestação cursa este problema e no final se agrava, o que compromete a vida materna e do feto.
Probabilidade bastante baixa de chegar ao fim
João Bispo, responsável do centro de Hemodiálise do Lobito, disse que a gravidez na mulher com insuficiência renal é, por vários factores explicados cientificamente, pouco provável, por não terem condições para tal, em termos metabológicos, entre outros vários factores. Quando engravidam, o risco de perda do feto durante a gestação é muito grande, ou seja, numa mulher em hemodiálise a probabilidade de uma gravidez chegar ao fim é relativamente baixa. Mas, isso depende muito da mulher, pois há quem engravida e decide interromper a mesma para evitar situações perigosas, mas há aquelas que nunca tiveram filhos e que querem muito ter um. “Tivemos, em Benguela, o caso de uma enfermeira que estava em hemodiálise há 11 anos, casou e fez filho mesmo assim.
Neste momento está grávida pela segunda vez, e esperamos que chegue a dar à luz”, conta. Dado o facto de a probabilidade de a gravidez chegar ao fim ser baixa, é importante que se explique à paciente esta situação e os riscos que corre. Há algumas regras que ajudam, segundo o especialista, a diminuir o risco, como aumentar as vitaminas, aumentar alguns medicamentos e as horas de diálise. Normalmente, um paciente com IRC faz diálise três vezes por semana, durante quatro horas ao dia, mas no caso da mulher gestante, explica, terá de fazer 6 vezes por semana. O aumento do tempo de diálise permitirá que o feto tenha maior probabilidade de sobrevivência. A maior parte das pacientes nesta condição não é muito informada sobre a possibilidade de engravidar, para além de as mesmas não terem esta preocupação, por ser uma possibilidade muito baixa.
“Não se aconselha a mulher que esteja a fazer hemodiálise a engravidar”, defende Simão Canga, responsável da nefrologia da Multiperfil. A sua posição é sustentada nos riscos que a gravidez traz para a própria mulher e para o feto, bem como na evolução da doença renal. Dentre os riscos para a mãe são apontados: o aborto, a evolução para a eclâmpsia, pré-eclampsia, etc. quanto ao feto: baixo peso ao nascer, o que pode levar a muitos serem nados mortos ou terem pouca expectativa de vida. Tem-se feito grandes esforços para garantir que se diminua as complicações. “Com a melhoria das condições de atendimento destes pacientes é possível que haja poucos riscos caso estejam em situação de gestação. Toda a sua estratégia de tratamento acaba mudando por estar grávida, como ter mais cuidados maternos e pela equipa de nefrologia”, sublinha.
Especialistas defendem a criação de equipa multidisciplinar
A criação de uma equipa multidisciplinar, composta não apenas por nefrologistas, como também psicólogos, obstetras e ginecologistas, que se irá responsabilizar pela grávida dialítica, e que não seja de uma instituição específica, deve ajudar a minimizar os riscos. Quanto à criação de uma equipa multidisciplinar para atender estes pacientes, Edna Cardoso acha ser pertinente, porque, a par da Clínica Multiperfil, há outros centros de Hemodiálise, alguns dos quais estão vinculados a hospitais que não têm médicos obstetras ou ginecologistas. “A equipa multidisciplinar vai ajudar a colmatar este vazio. É bom quando se cria condições para que estas pacientes sejam seguidas por um único obstetra e tenha o parto numa unidade hospitalar de referência, dado o alto risco da gravidez”, defende. Da mesma forma, a criação de programas de formação e aconselhamento à mulher com IRC em idade fértil é aconselhável, uma vez que muitas pensam não engravidar ou que é difícil engravidar. Entretanto, para este tipo de gestantes, a literatura aconselha que o parto seja por via de cesariana.