Enquanto se aguarda por alguma decisão clínica, o quadro de saúde das bebés continua estável, sem grandes alterações. A mãe, que segue internada com a terceira gémea na Maternidade Augusto Ngangula, em Luanda, mostra-se apreensiva e inconsolável com a situação das meninas que partilham fígado e coração. O médico que as segue recusa render-se
Texto de: Domingos Bento
Franzinas, coladas uma na outra e sempre tranquilas, seguem a vida as bebés siameses numa incubadora da sala de cuidados intensivos da Pediatria de Luanda. Já lá vão mais de três dias desde que foram transferidas para aquela unidade sanitária em busca de uma solução clínica que as separe uma da outra.
Porém, Quarta-feira, as esperanças da família e dos médicos foram reduzidas, ao se descobrir que, afinal, as duas irmãs partilham um único fígado e um único coração, o que torna, para já, impossível avançar com um procedimento cirúrgico.
Para os médicos, a experiência de outras histórias demonstra que, mesmo que se sacrifique uma das irmãs, a que ficar poderá não sobreviver. Por este motivo, o chefe dos cuidados intensivos da Pediatria, Carlos Faustino, disse, em entrevista ao OPAÍS, que, para já, as “maninhas” devem continuar no hospital até que se encontre alguma solução clínica que beneficie a todos.
No entanto, para os próximos dias, o médico diz que será feita uma “bateria” de análises para aferir a localização certa do fígado e do coração, para ver se há alguma possibilidade de cirurgia. Segundo Carlos Faustino, o caso das gémeas é preocupante, mas é prematuro tomar uma decisão final sem esgotar todas as possibilidades clínicas.
O importante, para o chefe dos cuidados intensivos da Pediatria, é que as irmãs apresentam um estado de saúde estável e não têm causado qualquer agitação ao pessoal clínico. “
Os próximos dias vão ser determinantes porque todas as decisões serão realizadas em função do quadro que elas forem apresentando e dos resultados das análises. Para já, não há nenhuma solução concreta. O caso não está encerrado. Há uma equipa multidisciplinar que está em permanente vigilância”, frisou.
Carlos Faustino explicou ainda que, com base em outras experiencias pelo mundo, como é o caso dos irmãos siameses tailandeses Eng e Chang, se de facto a posição do coração e do fígado não possibilitar que se faça uma cirurgia de separação, as irmãs podem viver “ligadas”, desde que apesentem um quadro de saúde estável.
“Portanto os casos de siameses no mundo que não foram operados conseguiram viver até uma certa idade. Na medicina nada é considerado um caso perdido. É importante que se esgote todos os recursos de resolução. E nós estamos aqui para estar ao lado dessas crianças e possibilitar que tenham vida”.
Mãe inconsolável
Enquanto na pediatria os médicos buscam por todos os recursos para salvar as gémeas, na maternidade Augusto Nangugula contínua internada Maria Madalena, mãe das gémeas, ao lado da terceira bebé, que nasceu separada. Encontrámo-la sozinha, sem o marido ao lado.
Os médicos dizem não haver necessidade da sua permanência a tempo inteiro no hospital. Aos 26 anos, Maria ficou radiante quando soube que iria ter o seu o primeiro filho. No entanto, o susto chegou com a primeira ecografia, aos cinco meses de gestão, quando soube que, ao invés de um, teria três bebés, sendo que dois eram siameses e uma nasceria isolada.
A partir daquela altura, conta ela, viu o mundo a desabar sobre as suas costas. A primeira reação, conforme contou, foi a de interromper a gravidez, mas com auxílio de médicos e aconselhamentos psicológicos desistiu da ideia e decidiu continuar. Maria afirma ter tido um uma gravidez saudável e sem queixas, porque cumpriu todos os procedimentos recomendados pelos médicos.
As bebés maceram por cesariana no dia 02 de Abril. A data, que seria para festejar, foi-lhe dolorosa, por que depois do parto viu-se forçada a separar-se das duas filhas prematuramente. Na conversa com OPAÍS, Maria Madalena não conteve as lagrimas ao falar do futuro das filhas.
Disse já se ter apercebido de que as irmãzinhas não vão poder ser separadas uma da outra. Esta ideia, diz, tem vindo a acabar consigo aos poucos, porque não sabe como se irá adaptar para cuidar de dois seres tão sensíveis. Contudo, para Maria Madalena, nem mesmo a bebé “separada” preenche o vazio deixado pela separação das siamesas. “Não sei o que será de mim, nem delas.
Não as vejo desde que as tive. Além da saudade, não sei se estão bem, se estão mal e se vão viver. Não sei de nada, só sei que elas me fazem falta, isto deixa-me com muito medo”, desabafou, aos choros, tendo dito que teria preferido interromper a gravidez.
A directora da Maternidade Augusto Nangula, Lígia Alves, disse que, apesar da situação emocional, a mãe e a terceira das irmãs apresentam um quadro clínico estável. Devido à cesariana, elas devem continuar no hospital até que se verifiquem melhorias efectivas. Segundo a responsável, toda a equipa médica e até mesmo as outras colegas de sala estão engajadas em apoiar maria Madalena, dada a situação complexa que vive.
Este, relatou a médica, é o segundo caso que o hospital regista em cinco anos, mas este apresenta-se também como o mais desafiador. “O outro caso, não soubemos como ficou porque depois, à semelhança deste, encaminhamos para à pediatria porque eles lá possuem todos os cuidados necessários. Mas este é muito desafiador, e a mãe necessita do apoio de todos nós, até por ser jovem e sem experiencia. No hospital, temos seguido a para a mãe e a outra bebé, e esperamos que haja uma solução para as outras duas”.
Todos contam para um final feliz
A psicóloga clínica Marcela Simão, que está a acompanhar a mãe das bebés desde os cincos meses de gravidez, disse que nesta fase é indispensável o apoio de todos para que a historia tenha um final feliz. Conforme contou, Maria Madalena vem enfrentando desafios psicológicos desde muito cedo e, por isso mesmo, teve muitos contratempos ao longo da sua gravidez como a falta de apetite, isolamento e outras situações que lhe estavam a remeter a um quadro psíquico grave.
Porém, com as terapias e aconselhamentos a que foi submetida, teve uma recuperação considerada satisfatória.
Agora, nesta fase, em que vê o futuro das filhas num mar de incertezas, todos contam para que ela tenha uma saúde mental estável, que evite recaídas graves que possam afectar directamente as crianças. Segundo Marcela simão, actualmente se está a trabalhar no sentido de permitir que ela aceite a situação e, independentemente do que vier a acontecer, ela possa seguir em frente com a vida. Para o efeito, é importante que a família esteja ao seu lado.
“Para uma Jovem na fase da dela, o primeiro impulso que se tem é de rejeição e de vergonha. E se não trabalharmos no sentido de fazê-la compreender que, apesar de tudo, ela pode seguir a sua vida com normalidade, o seu quadro mental pode não ser dos melhores. Então, estamos a trabalhar de forma coordenada para permitir que tudo termine bem”, atestou.