De acordo com a população, os animais já causaram a morte de oito pessoas, três das quais são militares das Forças Armadas Angolanas (FAA), em aldeias pertencentes aos municípios do Gulungo Alto e Cambambe, no Cuanza-Norte, desde o ano de 2016
Texto de: Milton Manaça
fotos de: Lito Cahongolo
“A fome tomou conta do nosso bairro. Os elefantes agora são os nossos patrões porque nós trabalhamos e eles aparecem para colher”, começou por desabafar a velha Joaquina Domingos, de 65 anos, enquanto enchia garrafas de petróleo para comercializar, actividade que passou a exercer como alternativa à agricultura.
A moradora da Boa Esperança, uma comunidade pertencente ao município do Gulungo Alto, na província do Cuanza-Norte, é uma das camponesas entre as dezenas ali residentes que não encontra solução para afugentar os elefantes que têm destruído as suas lavras.
Diariamente há movimento de elefantes que invadem as plantações, o que tem contribuído para o aumento da fome, tendo em conta que a agricultura é a principal fonte de subsistência. “Se continuarmos aqui, ou morreremos de fome ou seremos mortos pelos elefantes.
Então, é melhor procurarmos outro lugar tranquilo para viver e cultivar”, relatou Joaquina Domingos. Atenta aos pronunciamentos da anciã estava a sua filha, Marcela Marques, que há seis meses tornou- se viúva de Luciano Manuel, efectivo das Forças Armadas Angolas (FAA) que perdeu a vida depois de ter sido surpreendido por um elefante que invadiu a unidade militar situada no local.
Manuel encontrava-se a fazer trabalhos internos na unidade na companhia de mais dois colegas que conseguiram escapar da investida do animal. As histórias sucedem-se e de residência em residência encontramos Eva Magalhães, outra viúva cujo marido foi também vítima da acção dos elefantes enquanto cultivava na sua lavra, em Outubro do ano passado.
Eva contou que o seu marido foi encontrado já sem vida e com o corpo totalmente esmagado. Toda a área do campo de cultivo estava totalmente devastada e as pegadas do animal eram visíveis no local.
Segundo relatos dos habitantes, na Boa Esperança e noutras comunidades vizinhas afectas aos municípios do Gulundo Alto e Cambambe, a acção dos animais já causou oito mortos, dentre os quais três militares e cinco civis, desde o ano 2016.
Cultivo desperdiçados
Manadas de até 12 elefantes têm circulado por estas áreas devastando dezenas de lavras, o que faz com que a população não beneficie do esforço do trabalho que desenvolve anualmente, como contou Margarida Kilamba, representante da OMA.
Esta situação está a deixar os camponeses revoltados e, diante da situação, não encontram uma resposta das autoridades, apesar dos sucessivos apelos. Ironicamente, os habitantes dizem que os campos de cultivo já se transformaram em casas dos elefantes.
Horas antes da chegada da nossa equipa de reportagem ao local, uma manada já havia passado por alguns campos, sem entretanto, devastar as plantações. “Estes assim vieram fazer reconhecimento e mais tarde virão para o trabalho completo” disse um dos guias, enquanto apontava com o dedo indicador para as pegadas deixadas pelo animal.
Pneus queimados não afugentam
Para se defenderem das investidas dos mamíferos, os camponeses da Boa Esperança usam todos os meios à sua disposição que, entretanto, não têm sortido os efeitos desejados. Entre mitos e verdades, começaram a queimar pneus por, supostamente, o cheiro afastar os animais, o que nunca resultou. Posteriormente, foram aconselhados a fazere batucadas em tambores sempre que os elefantes se estiverem a aproximar. Mas, segundo os interlocutores ouvidos por OPAÍS, isso tem aumentado ainda mais a fúria dos animais.
“Quando ouvem o barulho parece até que pioraste a situação. Ali mesmo é que se dirigem para a população, contou o jovem Romualdo Fernandes.
Fora de controlo
Os moradores não acreditam que o Estado tenha controlo sobre os animais que nos últimos anos ron-dam estas comunidades. Trata-se, segundo eles, de elefantes que escaparam dos parques e outros que fugiram do barulho das armas dos caçadores furtivos.
Romualdo Fernandes sustentou que os primeiros animais que ali apareciam estavam numerados, mas os que estão a ser vistos nos últimos anos não apresentam sinal algum. “Isso quer dizer que estes elefantes foram-se multiplicando nos últimos anos e, como estão fora do parque, o Governo já não tem controlo sobre eles. Por isso, já não aparecem numerados”, afirmou Romualdo Fernandes.
Os munícipes dizem que os elefantes, por natureza, não atacam o homem, mas o barulho das armas levou-os a revoltarem-se.
Coordenador pede acções concretas O coordenador da Boa Esperança, Isaías Neto, disse que os campos agrícolas começaram a ser devastados há cinco anos, depois de as manadas os terem invadido.
O responsável reforçou a intenção que a população tem de abandonar a área, considerando que os seus clamores não estão a ser atendidos pelas autoridades, apesar dos sucessivos apelos que têm feito. “Quando nos dirigimos à Administração da Cerca foi-nos dito que seria melhor matar um filho nosso do que matar um elefante. Será que a vida do animal tem mais valor do que a nossa vida?”questionou o velho Neto, de 69 anos.
Isaías Neto pediu às autoridades que desenvolvam acções concretas para que o problema seja resolvido definitivamente, o que, na sua opinião, passa pela captura dos animais para leválos aos parques de conservação.
O coordenador diz que “o povo já está cansado e nós que cultivamos não podemos começar a procurar mais comida distante”, realçou, acrescentando que já existe a manifestação de muitos que desejam pegar em caçadeiras para atirar nos animais.
Já Manuel Francisco, secretário do soba da região da Beira Alta, partilha a opinião de que a solução do problema passa pela captura dos elefantes para devolvê-los a parques nacionais. Caso não se tome esta medida, Manuel Francisco diz que a população poderá abandonar paulatinamente aquela área.