A Associação dos Doentes com Insuficiência Renal (AAIR), que alberga 1050 pessoas que padecem desta doença só em Luanda, diz continuar a ser gritante a situação por que passam estes cidadãos, com destaque para a falta de transporte, falta do que comer, bem como a falta de emprego. Muitos, por conta da sua doença foram demitidos e dependem de uma mão caridosa para se alimentar
Sempre gostou de trabalhar no sector do comércio, propriamente em supermercados. Tinha um cateter no pé, que depois foi-lhe retirado e submetido a uma cirurgia ao peito. No seu local de trabalho era responsável pelo departamento do talho e, num certo dia, enquanto preparava uma picanha, a ferida no peito de Rui Domingos abriu-se e o director, que estava a fazer o serviço de inspecção presenciou aquela cena.
No dia seguinte, foi chamado à área dos recursos humanos, onde recebeu a informação de que não podia continuar a trabalhar, por conta da sua situação de saúde. Fizeram os cálculos dos três anos de trabalho, rescindiram e o indemnizaram.
“Estou sem trabalhar desde 2016.
Trabalhar e fazer o tratamento de hemodialise é muito duro. Vivo de ajudas de amigos e pessoas de boa-fé, bem como de familiares”, disse Rui Domingos, residente no bairro da Sapú, com a esposa e cinco filhos. Ele ainda tentou procurar em- prego noutras empresas, mas por causa do seu estado de saúde não conseguiu. Acredita que se existissem patrões que entendessem o seu estado de saúde, dariam conta do recado.
Já que trabalhar para as outras pessoas não tem sido possível, defende que se o Estado angola- no disponibilizasse um pequeno crédito, para que estes doentes pudessem fazer um negócio, seria um ganho para muitos. “Depois tem outros problemas, uma vez que alguns não acordam bem por causa do problema de hipertensão, mal estar, tomamos uns comprimidos que são muito fortes que, às vezes, causa náuseas, ou se você não se alimentar a tempo e hora podes vomitar.
Não podes deixar de tomar o medicamento porque ele é que protege o TPH, senão vais parar na cadeira de rodas”, avançou o cidadão de 48 anos de idade. Aconselha ao governo no senti- do de velar pela situação dos pacientes com doença renal, dando um subsídio, ou com o programa do Kwenda, por exemplo, uma máquina de costura, de pipoca, alguma coisa que ele possa manter o sustento.
Problemas com a transportação do pessoal
A Associação dos Doentes com Insuficiência Renal, que conta com 1050 membros, só em Luanda, também elenca inúmeros problemas que afectam a classe, desde a falta de transporte para ajudar os pacientes nos dias de consulta, a falta de cesta básica e de meios financeiros para a realização de um pequeno negócio que possa ajudar na renda das famílias. Receberam reclamações dos doentes da clínica do Exército, que não têm transporte para apoiar o pessoal de hemodiálise há mais de seis meses, o que é vista como uma situação dolorosa.
Receberam também, dos doentes do Hospital Josina Machel, a reclamação da intermitência no funcionamento do transporte, dificuldades no processo de recolha do pessoal, uma vez que só o pessoal do primeiro e segundo turno beneficiam, enquanto o do terceiro, por questão de segurança, fica de parte.
O vice-presidente da associação AAIR, Dionísio da Silva, reconheceu os ganhos neste sector, os investimentos feitos nos últimos tempos pelo Governo a favor dos doentes renais, com destaque para a inauguração do Centro Sol, mas ainda assim disse que precisam de mais apoio do Ministério da Saúde, Ministério dos Transportes, do Comércio, entre outros. “Temos de sair de casa e, depois da hemodiálise, procurar uma paragem de táxi para voltar à casa tem sido bastante complicado para nós. O transporte é um dos grandes problemas que temos”, desabafou o dirigente.
As sessões de hemodiálise que duram até quatro horas, e são realizadas três vezes por semana, funcionam em três períodos diferentes, das 06 as 11, das 12 às 16horas e das 17 h às 21horas. Dionísio da Silva disse ainda que outro problema que também afecta os doentes renais prende-se com a falta de distribuição de cesta básica aos seus associados – que a alimentação deve ser regrada. Por outro lado, muitas famílias estão a passar fome porque o provedor está acometido com a doença renal e sem condições de continuar a manter o sustento dos seus filhos.
“Antes da pandemia, algumas famílias recebiam cesta básica através da AJAPRAZ, situação que já não tem se verificado”, disse. Dionísio da Silva, que faz hemodiálise há 15 anos, sonha em manter um encontro ao mas alto nível, com os secretários de Estado, ministros da Saúde e Transporte, bem como com o Presidente da República, de modo a dialogar sobre a situação calamitosa por que passam os doentes renais, para que haja mudança de paradigma.
“Aqui é mesmo só já Deus”
Residente do bairro Bita Progresso, com 12 filhos e uma esposa, João Cabral deixa tudo nas mãos de Deus porque não vive, tenta sobreviver. É um problema atrás do outro, que começou com uma situação de cegueira, depois diabetes e tensão alta, até a insuficiência renal. “Estou nesta condição há um ano, infelizmente, mesmo tendo perdido a visão, nos dias de consulta de hemodiálise tenho sempre de solicitar os familiares, amigos para me levarem até a paragem que sinto que é muito distante de casa. Tem sido difícil para nós.
Aqui é mesmo só já Deus”, lamentou. Fez saber que situação tem sido complicada a cada dia, na medida em que a sua condição financeira não lhe tem permitido ajudar nas despesas da família. Também já fez a consulta da primeira catarata e se encontra há um ano à espera para fazer a segunda operação. “Para sustentar a família depende do que cada um trás, um bocadinho daqui e de lá, a AJAPRAZ também tem ajudado com alguma coisa, e vamos nos virando. Assim, hoje não temos nada para comer, mas estamos de pé, com a graça de Deus. E amanhã é dia de tratamento.
O caminho é para frente, vamos chegar lá no centro para comer alguma coisa”, disse. O entrevistado gostaria que o Governo olhasse um pouco mais na questão social do doente renal, porque tem sido uma situação muito constrangedora, principalmente para aqueles doentes que também têm problemas de visão. “Uma cesta básica ou um valor mínimo para que estes doentes possam se virar e deixar de depender excessivamente da ajuda de familiares, amigos entre outros, ajudaria bastante”, finalizou.