Os seis directores de escolas primárias ouvidos pela reportagem deste jornal, no município de Belas, em Luanda, foram unânimes em dizer que não estão autorizados a pronunciar-se sobre o assunto, sob pena de serem sancionados pelos seus superiores hierárquicos
Ainda assim, quando se certificaram de que os seus depoimentos seriam tratados sob forma de anonimato, eles contaram sobre a pressão que os encarregados exercem à direcção das suas escolas, ao ponto de cogitarem que são os gestores que estão a desviar a merenda.
“Nem todos sabem dos procedimentos que terminam com a merenda nas escolas. Às vezes, é preciso mesmo explicar aos encarregados que as escolas ficam à espera que os homens da administração municipal se pronunciem, se há ou não para este ou aquele mês”, contou um director, tendo acrescentado que os gestores nem devem ligar para perguntar. Das vezes que este director recebeu, ligaram para si, quando já se encontrava em casa, por volta das 17 horas, o que o obrigou a ligar para os seus colaboradores, no intuito de impedir que as crianças saíssem da escola.
“Mas a maior parte já tinha saído do estabelecimento escolar. Ao informarmos sobre isso, fomos orientados a não distribuirmos, porque as fotografias tinham de ser preenchidas com mais alunos. Tivemos de esperar pelo dia seguinte, mas a banana que vinha no quite não se aguentou, apodreceu quase toda”, lembrou entristecido, tendo revelado que ainda pediu, insistentemente, para se distribuir na hora esta fruta aos alunos que estavam presentes.
Por sua vez, a única directora que aceitou partilhar a sua história disse que ficou cansada de ser apontada e conotada por encarregados, na rua, como a dona da merenda escolar. “Eu nem sequer podia comprar uma fruta na rua. Se os encarrega- dos vissem, tiravam duas conclusões, ou eu é que estava a alimentar o negócio da vendedeira, ou eu é que as tinha no carro e comprava outras para simular.
É muita humilhação”, reclamou a directora, que, para acabar com as desconfianças, teve de incluir a comissão de pais e encarregados de educação na distribuição da merenda. Questionada sobre as vezes que em cada ano a sua escola recebeu o referido lanche, a directora declarou que, nos anos com alguma sorte, recebeu duas ou três vezes e que nunca passou disso.
Os seus homólogos disseram nunca terem tido a sorte da colega, pois nas suas escolas o normal é serem lembrados apenas no fim de cada ano lectivo. “E já houve anos que não fomos tidos nem achados”, informaram, acrescentando que, quando isso acontece, “os encarregados vêm cobrar satisfação à direcção da escola”.
Alunos acusam professores de consumirem o seu lanche Outros directores desapegaram-se das críticas dos encarregados e mostraram-se preocupados com as queixas dos próprios alunos, segundo as quais eles vêem professores, secretários, directores, seguranças e auxiliares de limpeza a consumirem o referido lanche. “Isso nos preocupa mais, quando o próprio beneficiário está a reclamar que lhe deram pouco, porque o professor ou a professora também teve de comer.
Isso é vergonhoso e temos de parar com isso, porque a merenda é para as crianças”, disse o director, adiantando que, por causa disso, na escola que dirige, ele exige que os de- legados de turma participem na contagem e na distribuição. Apesar de frequentarem entre 1.ª e 4.ª classes, as crianças relataram, ao pormenor, como o ‘assalto’ à merenda se processa. “Quando trazem a merenda à sala, vem para todos, mas os professores tiram a comida daqueles que não vieram e dos que fizeram barulho fica para eles.
E não são só os professores que comem, os guardas, as tias da limpeza e alguns directores também”, contaram os petizes, tendo revelado que, às vezes, é mesmo a eles que se pede para levar o resto da caixa aos carros desses responsáveis. Outra dinâmica contestada pelas crianças tem a ver com o facto de seus irmãos, amigos ou conhecidos que frequentam a 5.ª e a 6.ª classes não terem direito à merenda, alegadamente por serem mais-velhos. “Mas os mais-velhos que trabalham na escola estão a comer a nossa merenda”, lembraram os alunos, questionando, ironicamente, se eles eram menores de idade.