Era 1951, quando Jaime Leal Monteiro, aos 11 anos de idade, ingressou no Liceu Salvador Correia, na época a mais prestigiada instituição de ensino da Cidade de São Paulo da Assumpção de Loanda, para dar sequência aos estudos do 1º ao 7º ano.
Com uma certa nostalgia, recordou que foi admitido por influência do seu falecido pai, que era um dos funcionários da Fazenda (Finanças) a quem alguns dos professores recorriam com alguma frequência, em situações pontuais relacionadas com os ordenados.
No imponente estabelecimento de ensino encontrava-se crianças, adolescentes e jovens de diferentes tons de pele, com maior predominância esmagadora para os de “raça” branca, repartidos em turmas do 1º, 2º e 3º ciclos. No primeiro ciclo frequentava- se o 1º e 2º anos do liceu (equivalentes actualmente a 5ª e a 6ª classes), no segundo ciclo o 3º, 4º e 5º ano do liceu (6ª, 7ª e 8ª classes) e no terceiro ciclo o 6º e 7º anos do liceu (10ª e 11ª classes).
Jaime Leal Monteiro recorda que para um estudante de raça negra, ou mestiça, ser admitido na instituição, tinha de ser excelente, ou ter um membro na família bastante influente. “As turmas eram constituídas por entre 25 a 30 alunos no primeiro ano, sendo os africanos dois ou três. Havia um exame de aptidão para o liceu que servia para seleccionar os bons estudantes”, declarou.
Não obstante isso, a relação entre os estudantes era amena, de modo geral, e tornavase íntima em função dos interesses. “Havia uma relação académica entre nós. E penso que nas escolas ainda hoje é capaz de ser assim, os alunos estreitam as relações tanto pelo nível de absorção de conhecimento, inteligência, como pela dedicação aos estudos”, detalhou.
No seu caso particular, tinha uma característica que, segundo conta, lhe fez tornar-se num dos estudantes mais conhecidos da instituição e que até hoje é recordado pelas pessoas que consigo privaram. “Eu era um bocado indisciplinado. Um bocado é favor, era muito indisciplinado.
Toda a gente geralmente admira aqueles que são indisciplinados, mas também estudava e dava-me bem com todos”, contou, sorrindo. Este seu jeito, para além das coisas boas, provocou-lhe também alguns dissabores. Repetiu algumas vezes de ano até que, a uma dada altura, a influência do seu progenitor não foi suficiente para impedir que a direcção da instituição recusasse a sua matrícula por questões disciplinares.
Entretanto, considera o professor de Matemática José Emílio Goncalves Crespo, que provocou a sua expulsão, como o melhor que teve em toda a sua vida. “Era um professor extraordinário. Só o sumário dele já era aula, o mesmo não digo da professora de Filosofia”, contou.
Colégio das Beiras Para não ficar sem estudar, o seu pai viu-se obrigado a matriculá-lo no Colégio das Beiras (actual Elinga) que também gozava de muito prestígio, considerado o segundo melhor depois do Liceu Salvador Correia (hoje Muto Ya Kevela), onde permaneceu por dois anos. No fim deste prazo voltou ao seu anterior liceu, onde veio a concluir o 3º ciclo em 1960.
No colégio acima mencionado lecionava da 1ª Classe até ao 5º ano do Liceu, razão por que muitas das pessoas que por lá passavam voltavam a reencontrar- se no Liceu Salvador Correira. “O colégio das Beiras era famoso porque apoiava a missão dos protestantes, os Metodistas. Por lá passaram várias pessoas que se tornaram influentes na nossa sociedade, posso até citar alguns, nomeadamente Noé da Silva Saúde, general Ciel da Conceição Cristóvão “Gato” (falecido recentemente), Sebastião Sousa Santos, entre outros”, disse.
De acordo com o nosso interlocutor, neste colégio as pessoas de raça branca também eram a maioria. “É engraçado que no Colégio das Beiras vivi uma coisa que só há pouco tempo compreendi. A directora, que era uma senhora mestiça, e o marido eram pessoas ligadas à nossa família. Ela era uma pessoa que também defendia a Independência de Angola”, frisou.
À semelhança do que acontece hoje, disse que já naquela altura existiam bons e maus professores. Havia alguns que se “relacionavam com os alunos de uma maneira mais franca, aberta e paternal, outros que eram “bandidos” e outros que sabiam pouco e não gostavam de dar aulas”.
Desporto escolar
Além das aulas, os estudantes do Liceu tinham a possibilidade de participar em actividades desportivas nas mais variadas modalidades e também em teatro e música, entre outras. Apesar de considerar-se “baixinho”, Jaime diz que era basquetebolista do Clube Atlético de Luanda, um dos mais famosos da época, do qual ainda faz parte como sócio e antigo atleta.
“Era um clube miserável. Nós jogávamos com meias rotas”, disse. Contou que certo dia, os atletas Demóstenes de Almeida e Aníbal de Melo, este nas vestes de treinador do Atlético de Luanda, precisavam de um guarda- rede na equipa B de futebol e decidiram recrutá-lo para essa posição. “O Demóstenes de Almeida era uma pessoa com um lado paternal. Que a gente respeitava. Ele disse: Ó Jaime, tens que jogar ali. Nós precisamos de ti” e eu ceitei”, contou.
Recordou que entre os vários atletas da equipa júnior estava o general Benigno de OlivVieira Lopes “Ingo” (actual embaixador de Angola em Marrocos), como capitão, e Rui Mingas, como defesa central (deputado à Assembleia Nacional). “O Rui Mingas estava a jogar distraído. Gritávamos: Épa olha a bola…
Quando ele olhava, a bola já havia passado”, contou sorrindo. De acordo com o nosso interlocutor, no Liceu Nacional Salvador Correia havia também um jornal, “O Estudante”, que era dinamizado pelo estudante João Abel das Neves, pai do jornalista João Armado, da Rádio Luanda Antena Comercial (LAC). Assim que concluiu o 3º Ciclio, Jaime Leal Monteiro decidiu parar de estudar e passou a trabalhar.
“Da primeira turma que frequentei no Liceu, mais de 50 por cento dos alunos se tornaram professores catedráticos e já estão reformados como eu”, contou o cidadão de 78 anos. Contou que há alguns anos deslocava-se com frequência a Portugal para participar no encontro anual dos antigos estudantes do Liceu Nacional Salvador Correia.