As crianças/adolescentes dos 14 aos 17 anos de idade, acometidas com a hemorroida, recebem assistência médica e cirúrgica no hospital de referência Josina Machel-Maria Pia, ao passo que as crianças em idade pediátrica, isto dos 0 aos 13 anos, são recebidas no Hospital Pediátrico David Bernardino.
Na primeira unidade hospitalar, onde o jornal OPAÍS conversou com o médico-cirurgião Armando Batalha, tomamos conhecimento que muitos dos adolescentes, quando acometidos com a doença, não recebem o tratamento de forma precoce ou é submetido a tratamentos tradicionais que agravam o estado, sendo este o motivo que leva, só em um mês, cerca de 40 pacientes ao Maria Pia, com hemorroida do terceiro ou quarto grau.
Conforme o cirurgião, a hemorroida do grau 1 dá-se quando as veias dilatadas se manifestam apenas dentro do ânus. Causa dor, mas não sangra, sendo o contrário raro e em reduzida quantidade.
Quanto ao grau 2, dada a inflamação, o desconforto e a dor intensa, começa a sangrar. A do grau 3 já se apresenta com uma considerável evolução, onde além de doer e sangrar, o ânus sai para fora no momento em que o acometido estiver a defecar.
“No final da defecação, com a ajuda dos dedos, o próprio paciente pode empurrar o ânus para dentro. No grau 4, o estágio mais complexo, com qualquer pressão abdominal, o ânus facilmente sai do seu local de origem e é difícil retorná-lo mesmo com ajuda dos dedos. Nessa fase, o ânus permanece exposto e vulnerável a outras complicações”, descreveu.
Doença geralmente confundida com maculo
A doença hemorroidária é, geralmente, confundida com o famoso “maculo” que, segundo Armando Batalha, é causado pelas lombrigas trichuris e a trichiura, podendo ser combatida com desparasitantes.
A maior franja dos adolescentes que chegam ao hospital Maria Pia, em algum momento passaram por um tratamento fitoterapêutico, que agrava a doença ou os coloca no terceiro ou quarto grau, isto porque o tratamento com ervas, óleos e a introdução e manuseamento de objectos, muitas vezes não esterilizados, acabam lesionando outras estruturas do ânus.
Quando não encontram a cura na fitoterapia, segundo o entrevistado, só assim recorrem à medicina convencional e aos serviços especializados, mas, a maioria das vezes, estes adolescentes aparecem com sérias complicações que, em cada 40 casos mensais, 8 precisam de intervenção cirúrgica simples ou mesmo complexa.
“É raro recebermos pacientes dessas idades com hemorroida do primeiro e segundo grau. Os pais confundem com maculo e recorrem à fitoterapia, procedimento que lesiona mais as estruturas do ânus, levando-o ao estágio de prolapso rectal, em que o ânus sai do seu habitat normal” disse o médico cirurgião”.
Quando se aborda sobre o maculo, fala-se automaticamente da folha de nome “Santa Maria, pois é esta a mais usada juntamente com vários óleos e pomadas, inclusive a pasta dentífrica.
Em vários casos, para manusear o ânus, se usa também objectos como o sapupo (carroço de milho), agulhas e lâminas, segundo o que nos reportou o entrevistado.
“Essas e outras atitudes inflamam as terminações nervosas do ânus e ocasionam a doença hemorroidária de causa traumática, pois, na medida em que o adolescente for coçando, traumatiza a parte interna do ânus, dando lugar a um processo inflamatório e à lesão das veias. Criam-se também feridas que, a posterior, podem ocasionar uma infecção generalizada”, sublinha.
Causas infecciosas nos adolescentes são mais comuns
De acordo com o médico de cirurgia geral, Armando Batalha, a hemorroida pode ser traumática ou infecciosa. A infecciosa é a mais apontada no caso dos adolescentes que procuram socorro no Maria Pia.
Esta decorre por infecções por lombrigas, chamadas de trichuris e a trichiura (macho e a fêmea), que depois do coito, o primeiro morre.
A fêmea cumpre o período de gestação, e para ovular precisa se movimentar do intestino grosso ao nível do recto e ânus, onde vai encontrar oxigénio, no momento em que, em posição de cócora, o acometido for expulsar as fezes.
Nesse momento, o parasita deposita os óvulos que vão aderir à parede da mucosa anal e vão buscar a sua sobrevivência.
A coceira e contínua inserção de ervas, óleos ou objectos, traumatiza a parede do ânus, aumentando assim o nível de inflamação e oclusão do canal anal, causando o abdómem agudo cirúrgico, pois se ingere alimentos, mas não se processa a retirada das fezes.
“Com o processo agravado, surgem as complicações que vão desde as mais simples às mais complexas. O processo de inflamação das veias, pequenos ferimentos no ânus, sangramento e infecção a nível do ânus, levando a um processo de infecção generalizada e, posteriormente, a um choque séptico, que se não sofrer intervenção adequada pode levar à morte”, disse o cirurgião Armando Batalha.
Ânus pode não voltar a servir a sua função normal
Uma das complicações mais grave e irreversível, em consequências da doença hemorroidária de causa traumática, é a abolição da abertura na extremidade do trato digestivo pela qual as fezes saem do corpo, o ânus.
Havendo uma lesão grave nesse orifício, além de sofrer uma cirurgia de coloproctologia, referente às operações no intestino grosso, recto e ânus, o doente também pode sofrer uma cirurgia geral para permitir que a lesão encontrada no ânus cicatrize.
Para tal, sucede à colostomia derivativa, ou seja, faz-se a ligação do intestino grosso directamente à parede do abdómen, de modo a desviar as fezes para uma bolsa fora do organismo, durante o tempo de cicatrização da ferida no ânus.
Depois do período de cicatrização, fazse a suturação das partes digestivas e fecha-se a barriga, devolvendo ao ânus o seu trabalho normal. Esta é a colostomia derivativa temporária, disse o cirurgião.
Dependendo da gravidade da lesão, a colostomia derivativa pode ser definitiva, neste caso, o ânus já não voltar a servir a sua forma natural, ou seja, esse indivíduo deverá defecar na bolsa por toda vida, condição que o limitará de várias actividades sociais.
Alimentos ultraprocessados devem ser evitados
Além de ter mais disposição e energia, uma alimentação saudável faz com que a criança esteja menos susceptível a desenvolver algumas doenças, e uma delas é a hemorroida, segundo à nutricionista Arminda Alves.
Em comparação com os adultos, a boa notícia é que a hemorroida nas crianças é quase sempre reversível. Hábitos alimentares saudáveis vão contribuir de forma significativa para, não apenas melhorar a condição, mas também se evitar a doença.
De acordo com a nutricionista, com a transição nutricional que a população mundial está a enfrentar, consubstanciada no aumento significativo do consumo de alimentos ultraprocessados, é normal que apareçam mais crianças com doenças hemorroidárias em decorrência da constipação intestinal, vulgarmente tratada de prisão de ventre.
Algumas comidas fazem a alegria das crianças, mas devem ser evitadas. É o caso de bolos, sambapitos, rebuçados, bolachas, sorvetes, chocolates e outros ultraprocessados ricos em gordura, açúcar e sódio que causam um “desbalanço” nutricional nas crianças.
Assim sendo, a recomendação da nutricionista é que se diminua, ou mesmo elimine, tais produtos da dieta alimentar, não apenas das crianças, mas também do adulto.
Além do consumo de água em vários momentos do dia, para reduzir o aumento e o agravamento desta patologia, se aconselha a ingestão de alimentos ricos em fibras, minerais e vitaminas, sendo estes, frutas, vegetais, leguminosas, carnes, peixes e ovos, sem deixar de parte a integração das actividades físicas, segundo a especialista.
Com hábito alimentar saudável raramente a hemorroida ressurge
A hemorroida não é uma doença sazonal, não tendo um período específico para aparecer. Mas acontece que existem casos de pessoas que, mesmo depois de fazerem o tratamento, alguns anos mais tarde, são novamente diagnosticadas com a mesma patologia.
Retomam o prolapso rectal (quando a parte interior do ânus sai para fora), as dores, a inflamação das veias pelo esforço para defecar, o sangramento devido às feridas que se formam, e por via desses ferimentos, muitas vezes se contrai outras infecções graves.
Sobre isso, o médico-cirurgião que temos vindo a citar disse que os maus hábitos alimentares e défice na higienização dos alimentos são grandes influenciadores para o reaparecimento da hemorroida nas crianças. Sendo necessário adoptar-se comportamentos saudáveis e bons hábitos alimentares.
Assim, faz-se basal desenvolver o hábito de beber água várias vezes durante o dia, para ajudar a humidificar o bolo alimentar, no sentido de as fezes descerem moles, sem, no entanto, esforçar e lesionar as estruturas do ânus.
Para finalizar, importa frisar que o jornal OPAÍS tentou o contacto com o Hospital Pediátrico David Bernardino, para ver se conseguíssemos dados de crianças, mas, apesar da interacção constante com a directora clínica desta unidade hospitalar, não tivemos sucesso.
“Tem havido complicações, mas é raro o registo de morte”
Ahemorroida é tratável a nível de medicamentos ou por meio de cirurgia quando o caso assim exigir, sendo mais comum o tratamento cirúrgico nas hemorroidas dos graus 3 e 4, em que se verifica a saída do ânus para o exterior.
Nesses casos, segundo o cirurgião Armando Batalha, se faz necessária a intervenção cirúrgica para corrigir o relaxamento da musculatura do ânus, de modo a evitar que o tecido que vem para fora apodreça.
Perguntado sobre o número de mortes, o cirurgião Armando Batalha, que também é director das consultas externas de todas as especialidades do hospital Maria Pia, garantiu que naquele hospital, nessa faixa etária, dos 14 aos 17 anos, é raro haver mortes por hemorroidas infecciosa ou traumática.
“Temos tido pacientes com complicações, mas não há registo de morte por essa doença nessa faixa etária”, garantiu.
Por: Stélvia Faria